Em novembro de 1975, a TFP divulgou em vários jornais — elencados abaixo(*) — uma mensagem enviada ao cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, então Arcebispo de São Paulo, sob o título "Não se iluda, Eminência". O documento alerta a Hierarquia eclesiástica para o vazio que em torno dela se vai fazendo, na medida em que esta bafeja a subversão comunista no Brasil. A seguir, a íntegra dessa mensagem, conforme encontra-se disponível no site
http://www.pliniocorreadeoliveira.info/
NÃO SE ILUDA, EMINÊNCIA
SENHOR CARDEAL,
Distribuído nas igrejas do Estado de São Paulo, no último domingo, um documento subscrito em Itaici por todos os Srs. Bispos das Dioceses paulistas, intitulado “NÃO OPRIMAS TEU IRMÃO”, numerosas pessoas que acompanham com patriótica vigilância a escalada comunista e as iniciativas de repúdio que contra esta se desenvolvem, desejaram saber qual era, sobre o referido documento, o pensamento da TFP. Não poderíamos, pois, continuar em silêncio.
O estudo daquele texto episcopal produziu em nosso espírito um profundo desconcerto, que pensávamos levar com respeito e franqueza ao conhecimento de Vossa Eminência.
Data vênia, fazemo-lo de público, respondendo assim, ao mesmo tempo, aos que sobre a matéria nos interrogam.
Começamos por ressaltar que no documento há aspectos bons. Pecaríamos contra a justiça se nos omitíssemos de os louvar, e nos cingíssemos à crítica.
Por certo, os Pastores deste Estado cumprem a missão sobrenatural que lhes incumbe, ao manifestarem todo o seu zelo por que sejam integralmente respeitados, entre nós, os direitos naturais da criatura humana, definidos nos Dez Mandamentos da Lei de Deus.
Esta afirmação contém, na singeleza de seus termos, um dos mais lídimos elogios que, de um documento eclesiástico, se pode fazer.
Convém que tal elogio fique inscrito logo no início da presente mensagem, para a omissão dele não ser tida como sintoma de paixão, unilateralidade e injustiça.
E tanto mais convém, Eminência, quanto é precisamente uma omissão desse gênero o grande defeito que deixa perplexa a TFP, no tocante ao recente documento episcopal de Itaici.
* * *
Todo o povo brasileiro, intuitivo e lúcido, está consciente de que a Rússia e a China empreendem, em nossos dias, um esforço gigantesco de conquista ideológica, política e, por fim, militar, de todas as nações. O exemplo de Portugal, bem à vista de nossos olhos, impede, mesmo aos brasileiros mais desatentos, que esqueçam essa verdade.
Além disso, recentes declarações das mais altas autoridades do País denunciaram a presença desse perigo dentro de nossas próprias fronteiras. Em seu discurso de 1º de agosto p.p., o Exmo. Sr. Presidente da República, General Ernesto Geisel, aludia à infiltração do comunismo nos partidos políticos. Depois dele, o ilustre e honrado General Ednardo D'Avila Mello, Comandante do II Exército, por ocasião das comemorações do Dia do Aviador, em São Paulo, em 23 de outubro último, e o nobre General Oscar Luís da Silva, Comandante do III Exército, na abertura do II Ciclo de Palestras promovido pela Ação Democrática Renovadora, em Porto Alegre, no dia 5 do corrente, alertaram o povo para o mesmo perigo. Por sua vez, o preclaro General Fritz Azevedo Manso, Chefe do Estado-Maior do Exército, discursando na 11ª Conferência dos Exércitos Americanos, realizada em Montevidéu no mês passado, denunciou a conjuração comunista em nível não só nacional, mas até continental.
Estamos, pois, em face de um perigo que nenhum espírito lúcido e desapaixonado pode pôr em dúvida. Diante dele corre risco nossa própria condição de nação independente. Em semelhante conjuntura quais as duas grandes instituições com cujo apoio as autoridades podem e devem contar? As Forças Armadas e o Episcopado.
Em face da subversão, vemos que se erguem com destemor patriótico as Forças Armadas, baluarte inestimável do País contra a violência, a corrupção, e a miséria que infelicitaram ontem o Chile, infelicitam hoje Portugal, e mantêm há décadas sob suas garras os povos de além da cortina de ferro e da cortina de bambu.
— E que faz, por sua vez, o Venerando Episcopado Nacional? Exceção feita de egrégias, mas poucas vozes, cala-se. E, enquanto a Nação toda fica à espera de um grande pronunciamento coletivo de seus Pastores em defesa da Civilização Cristã ameaçada pela subversão comunista, só romperam por meio de um pronunciamento conjunto o longo silêncio os Srs. Bispos de São Paulo.
— De que modo o fizeram?
Se o Episcopado paulista se mantivesse em posição imparcial, encareceria sobretudo o sentido profundamente cristão e patriótico da repressão ao comunismo, a necessidade e a urgência dela. Apontaria depois as falhas que em tal repressão encontrasse.
Muito ao contrário, o que fizeram Vossa Eminência e os Srs. Bispos reunidos em Itaici? Deram a público um documento, talvez o mais enérgico da história eclesiástica brasileira (preferiríamos antes dizer o único documento violento da história eclesiástica brasileira), para, de começo a fim, criticar as Forças Armadas e a repressão que estas fazem ao fascismo vermelho.
— Por que, Eminência, esta unilateralidade, esta incompreensível inversão de valores?
Se a repressão, como vem sendo feita, tem dado ocasião a erros e excessos esporádicos, por que o documento coloca em máximo realce o aspecto esporádico, e omite o que é fundamental?
O que é fundamental, Eminência, em matéria de comunismo, é que agentes subversivos estrangeiros articulam brasileiros transviados, para impor ao País o regime marxista, negador de todos os direitos humanos.
— Por que os signatários do documento de Itaici parecem não ver isso, e seu zelo se volta todo, não para a Pátria ameaçada, mas para a defesa dos direitos humanos de agentes da subversão, ou de pessoas suspeitas de tal?
É desconcertante tão espantosa omissão em Pastores de almas. A estes cabe certamente serem ciosos dos direitos individuais de suas ovelhas, ainda que se trate de subversivos, ou suspeitos de subversão. Porém, muito mais lhes cabe o desvelo por todo o rebanho, isto é, a população ordeira e laboriosa que os subversivos querem atirar na desgraça.
* * *
Isto constatado, a natural sucessão das idéias nos leva a considerar outro ponto. Concerne este, não mais o que a mensagem de Itaici omite, mas o que ela diz.
A subversão tenta obviamente destruir todos os obstáculos que contra ela se levantam. Nos dias que correm, sua arma mais usada é a difamação, é a calúnia.
Há meses vem sendo metralhada pela calúnia a maior e mais atuante organização civil anticomunista brasileira, a TFP. Poucas vozes se ergueram nas fileiras do Episcopado para defendê-la.
De tempos para cá, uma campanha, ora surda, ora violenta, vem igualmente sendo desferida contra nossas gloriosas Forças Armadas, envolvendo até a ação valorosa e equilibrada de vários de seus chefes. Poucos, nas fileiras eclesiásticas, se levantaram contra tais ataques.
Ora, à vista desta campanha, e desta triste sucessão de omissões no tocante às Forças Armadas, o documento de Itaici que atitude toma? Faz causa comum com as invectivas da subversão.
* * *
Esta constatação estarrecedora ainda mais clara se torna à vista do modo por que o documento episcopal se refere aos alegados abusos da repressão anticomunista.
Abusos, sempre os houve na História. E até na História da própria Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo. Cumpre denunciá-los e coibi-los.
Mas, ao fazê-lo, importa sobretudo não condenar as instituições ou as atividades meritórias nas quais eles possam surgir. No entanto, a tendência a dramatizar tais abusos da repressão ao comunismo se nota nas próprias referências que o documento de Itaici a eles faz.
Tendo por fundo de quadro o contexto omisso e marcadamente unilateral da mensagem de Itaici, essas graves acusações que efeito produzem sobre o público? Consiste ela obviamente em favorecer as mais graves calúnias contra as Forças Armadas e até mesmo contra as mais ilibadas e respeitáveis autoridades destas, que os meios subversivos põem em curso para impressionar o País!
E oxalá fosse só o País. Todos sabemos que a mesma máquina de propaganda internacional responsável pela repercussão de declarações de certos Prelados, contrárias à situação brasileira, facilmente podem aproveitar-se do documento de Itaici para reavivar sua orquestração nociva ao renome do Brasil.
* * *
Eminência: estamos perplexos. Por que tais atitudes?
Temos razão para recear que esta pergunta, que não é apenas nossa, mas de milhões de paulistas, fique sem resposta.
Não se iluda, porém, Eminência. Nosso povo continua a encher as igrejas e a freqüentar os Sacramentos. Disto não deduza Vossa Eminência, entretanto, que ele abdicou das convicções e dos ideais que o inspiraram na gloriosa epopéia de 1964.
Atitudes como a dos signatários do documento de Itaici vão abrindo um fosso cada vez maior, não entre a Religião e o povo, mas entre o Episcopado paulista e o povo.
A Hierarquia Eclesiástica, na própria medida em que se omite no combate à subversão comunista, vai se isolando no contexto nacional. E nos parece indispensável que alguém lhe diga que a subversão é profunda e inalteravelmente impopular entre nós, e que a Hierarquia paulista tanto menos venerada e querida vai ficando, quanto mais bafeja a subversão.
Católicos apostólicos romanos, desejamos tornar essa situação bem clara a Vossa Eminência. Preferimos que Vossa Eminência dela se inteire hoje por intermédio de filhos cristãmente francos e profundamente respeitosos, a que a conheça amanhã através da evidência dos fatos, ou da gargalhada satânica dos subversivos.
A seu tempo, esta gargalhada se fará ouvir, ecoando por todo o Brasil, sardônica e vitoriosamente, se nossas Autoridades civis e eclesiásticas, nossas Forças Armadas, e com elas todo o País, não cortarem definitivamente o passo à subversão.
Como poderão não rir os agentes do demônio, vendo que conseguiram transformar em instrumentos da expansão comunista, precisamente Pastores instituídos por Nosso Senhor Jesus Cristo para esmagar o poder das trevas?
Como católicos desejamos ardentemente que tal não suceda. E este desejo, respeitoso e filial até mesmo na expressão franca de nossas perplexidades e nossas apreensões, motivou a presente mensagem.
Encerrando-a, osculamos com veneração a sagrada púrpura.
In Christo Iesu
São Paulo, 13 de novembro de 1975
O CONSELHO NACIONAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE
Plinio Corrêa de Oliveira
Presidente
Fernando Furquim de Almeida
Vice-Presidente
Paulo Corrêa de Brito Filho
Secretário
Adolpho Lindenberg
Alberto Luiz Du Plessis
Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira
Caio Vidigal Xavier da Silveira
Eduardo de Barros Brotero
João Sampaio Netto
José Carlos Castilho de Andrade
José Fernando de Camargo
José Gonzaga de Arruda
Luiz Nazareno de Assumpção Filho
Paulo Barros de Ulhôa Cintra
Plinio Vidigal Xavier da Silveira
____________
(*) O documento foi publicado na íntegra em “Catolicismo”, nº 299-300, novembro/dezembro de 1975; “Diário da Noite”, São Paulo, 14-11-75; “Folha da Tarde”, São Paulo, 14-11-75; “O Estado de S. Paulo”, 14-11-75; “Diário de Brasília”, 18 e 21-11-75; “Jornal de Minas”, Belo Horizonte, 22-11-75; “A Tribuna”, São Carlos (SP), 27-11-75; “Correio do Povo”, Porto Alegre, 27-11-75; “O Diário”, São Carlos (SP), 27-11-75; “Diário de Pernambuco”, Recife, 28-11-75; “Jornal da Cidade”, São Carlos (SP), 30-11-75; “O Popular”, Goiânia, 30-11-75; “A Cidade”, Ribeirão Preto (SP), 7-12-75; “Monitor Campista”, Campos (RJ), 7-12-75; “A Nação”, Blumenau (SC), 9-12-75; “Diário Catarinense”, Florianópolis, 9-12-75; “O Povo”, Fortaleza, 9-12-75; “O Repórter”, Goiânia, 9 a 15-12-75; “Correio do Ceará”, Fortaleza, 10-12-75; “Equipe”, Cuiabá, 12-12-75; “Eco/um”, Várzea Grande (MT), 13 a 20-12-75; “A Tarde”, Salvador, 16-12-75; “O Estado”, Florianópolis, 17-12-75; “Folha de Londrina” (PR), 21-12-75; “O Fluminense”, Niterói (RJ), 28 e 29-12-75; “A Província do Pará”, Belém, 18-1-76; “O Jornal”, Manaus, 20 e 22-1-76; “Jornal do Comércio”, Manaus, 20-1-76; “A Notícia”, Manaus, 25-1-76; “Jornal de Debates”, Rio de Janeiro, 26-1 a 1°-2-76; “Gazeta de Alagoas”, Maceió, 12-2-76 (cfr. "Um homem, uma obra, uma gesta - homenagem das TFPs a Plinio Corrêa de Oliveira", Edições Brasil de Amanhã, São Paulo, 1989, pag. 119).