28 de novembro de 2017

LIÇÕES IMPRESTÁVEIS

Péricles Capanema 

Amigos ficaram impressionados com temas do meu último artigo “Exemplos inúteis”, análise de aspectos do discurso de Xi Jinping ao 19º Congresso do PCC (Partido Comunista Chinês) realizado em Pequim entre 18 e 24 de outubro. Vou continuar hoje no mesmo caminho, a trilha das lições imprestáveis.

O líder chinês indica como políticas do PCC para a China a aplicação desinibida de teses odiadas pela esquerda no Ocidente (sempre defendidas por economistas partidários da economia de mercado): “Continuaremos a encorajar as pessoas a ganhar dinheiro por meio do trabalho duro. [...] Aumentaremos o tamanho da classe média”. 


Em 2013, sob aplausos delirantes de claque petista, Marilena Chauí [foto], uma das ideólogas do PT, deblaterou contra o papel exercido pela classe média para o harmônico progresso social: “Eu odeio a classe média. A classe média é o atraso de vida, a classe média é a estupidez. É o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista. A classe média é uma abominação política, porque ela é fascista. Ela é uma abominação ética porque ela é violenta, e ela é uma abominação cognitiva porque ela é ignorante.”

Continua o dirigente comunista chinês: “Trabalharemos para que a renda individual cresça em harmonia com o desenvolvimento econômico e para que os aumentos de salário sejam proporcionais aos aumentos da produtividade no trabalho”. 

Algum partido esquerdista patrocina tal tese? Algum sindicato? Contudo, qualquer economista pró-mercado assinaria o que anuncia Xi Jinping: aumento de salários sem aumento de produtividade gera inflação. 

Para resolver o problema habitacional na China, o dirigente recorre à política da casa própria e ao estímulo dos aluguéis. Isso mesmo, comprar para alugar. No combate à pobreza, os partidários do mercado livre associam os programas assistenciais ao estímulo da autonomia pessoal mediante a capacitação, o que deixaria o Estado no papel subsidiário, para desespero das correntes coletivistas. Atentem para o que diz Xi Jinping, é o que ele faz: “Colocaremos ênfase especial em ajudar a pessoas a aumentar a confiança em suas próprias capacidades para sair da pobreza e propiciaremos a educação de que tenham necessidade para tal”. É o elogio ao papel supletivo do Estado. 

“Apoiaremos o desenvolvimento na área privada, de hospitais e de setores ligados à saúde”. Claro estímulo à medicina privada. 

Na área da segurança: “Aceleraremos o desenvolvimento dos sistemas de controle e prevenção ao crime [...] contra quaisquer atividades ilegais e criminosas como pornografia, jogo, consumo de drogas, violência de gangues, sequestro, fraude. Protegeremos os direitos pessoais, o direito de propriedade privada e o direito à dignidade”. Aqui no Brasil seria ponto destacado de plataforma de candidato da direita, alvo certo dos ataques da imprensa engajada.

O Partido Comunista Chinês precisa criar um país rico. Aplica receitas do estilo Ronald Reagan ou Margaret Thatcher. Por que digo que são lições imprestáveis? Nenhum partido de esquerda, por causa do exemplo chinês, modificará um til seu programa gerador de pobreza e sofrimento popular. 

Até aqui a cara da moeda. Agora, a coroa. Outro ponto são os objetivos últimos de tal política. Em artigo recente, “Pasmaceira e Festança Suicidas”, falei de parte deles. Não vou aqui voltar a eles. 


PS: Observação final. Xi Jinping tem uma filha, Xi Mingze [foto], nascida em 1992. Estudou francês na Hangzhou Foreign Language School. A partir de 2010, vigiada por seguranças chineses, foi aluna de Harvard. Formou-se em 2014, vive em Pequim. Dispensa comentários.

26 de novembro de 2017

Notas de perplexidade acerca da Mensagem do Papa Francisco sobre o final da vida

Federico Catani

A mensagem enviada pelo Papa Francisco aos participantes do Encontro Regional Europeu da Associação Médica Mundial [ao lado a mensagem no site do Vaticano] sobre questões relacionadas com o final da vida, realizado no Vaticano de 16 a 17 de novembro, teve grande eco midiático. Em particular, a mídia secular destacou uma guinada considerável da Igreja sobre a eutanásia: de uma clara censura se teria passado a uma abertura prudente, mas clara. A resposta no campo católico foi geralmente a de que o Papa reiterou a doutrina de sempre, e que, a admitir-se uma mudança, ela diz respeito apenas à maneira de abordar a questão e ao idioma usado, percebido como mais dialogante. 

Se é verdade que a mídia laicista obviamente se serviu da Mensagem papal para seus próprios interesses e, portanto, para promover, em particular na Itália, uma lei sobre o chamado “testamento biológico” (ou seja, a legalização da eutanásia), é igualmente inegável que as palavras de Francisco contêm alguns pontos em relação aos quais se fica pelo menos perplexo.


1. Em primeiro lugar, o Papa põe o foco de sua atenção na chamada “obstinação terapêutica” — que é o tema central da Mensagem —, como se este fosse o principal problema hoje no mundo hospitalar. Mas fatos que foram objeto de crônicas muito recentes, como o do pequeno Charlie Gard, mostram que esse não é o caso. A doutrina moral da Igreja certamente sempre condenou a obstinação terapêutica e, nesse sentido, o Papa Francisco de fato não diz nada de novo. Deve-se, contudo, notar que os grupos que favorecem a legalização da eutanásia fazem deliberadamente confusão em torno dos conceitos de “obstinação terapêutica” e de “eutanásia”, apoiando-se na emoção da opinião pública e apresentando à atenção da mídia casos humanos extremos e devastadores. Apresenta-se amiúde como desproporcional uma terapia ou um tratamento que não o é realmente. Confundir e deturpar as palavras faz parte da estratégia da Revolução, neste caso denominada “cultura da morte”.

2. Mas o ponto mais preocupante do discurso é aquele no qual o Papa Francisco acena para um acordo entre as várias correntes em luta, e até mesmo para a aprovação de uma eventual legislação em matéria de fim de vida: "No seio das sociedades democráticas, tópicos delicados como esses devem ser confrontados com calma: de modo sério e reflexivo, e bem dispostos a encontrar soluções — mesmo normativas — tanto quanto possível compartilhadas. Por um lado, de fato, deve-se ter em conta a diversidade de visões do mundo, as convicções éticas as afiliações religiosas, em um clima de recíproca escuta e aceitação.”


Na prática, a doutrina sobre os princípios não negociáveis é pela enésima vez esquecida. A impossibilidade de se chegar a um compromisso nesses temas fundamentais — cujo enunciado por Bento XVI lhe atraiu as críticas e os dardos do mundo — já não é considerada como tal por Francisco. O Papa de fato reconhece que pode haver uma lei para reger o chamado fim de vida. E até mesmo declara que isso deve acontecer tirando uma linha média entre as diferentes posições e visões, com o que se chegaria inevitavelmente a um resultado contrário à doutrina moral católica. A contradição com o n° 73 da Evangelium vitae também é evidente. No caso da Itália, ainda não existe uma lei sobre o chamado “testamento biológico” e o mundo católico deve impedir que isso aconteça. Se de fato se ceder nesse ponto, acontecerá com a eutanásia o mesmo que aconteceu com o aborto, com o divórcio e com o “casamento” homossexual: abrir-se-á uma brecha no dique e será dificílimo fechá-la, pela técnica hoje bem conhecida do slippery slope, ou ladeira escorregadia. Aprovar hoje uma lei sobre o assunto só serve para isso. 

3. Além disso, o Papa Francisco afirma que “para determinar se uma intervenção médica clinicamente apropriada é realmente proporcionada não é suficiente aplicar mecanicamente uma regra geral. É preciso um discernimento cuidadoso, que considere o objeto moral, as circunstâncias e as intenções das pessoas envolvidas”. A mesma linguagem usada para os divorciadas recasados em Amoris laetitia... No entanto, os médicos normalmente já fazem isso: cada paciente e cada doença é um caso à parte, sem prejuízo, entretanto, da verdade moral, que não muda. Aqui, pelo contrário, o Papa escolhe uma linguagem que favorece o relativismo, já amplamente em uso nesses casos.

Bem diversa foi a resposta que a Congregação para a Doutrina da Fé deu, em 2007, aos dubia da Conferência Episcopal dos Estados Unidos ao afirmar claramente que, por exemplo, a hidratação e a alimentação artificiais, exceto obviamente nos casos em que o corpo não pode absorver mais nada, nunca devem ser consideradas como obstinação terapêutica.

Isso não transparece nas palavras de Francisco, as quais, na verdade, inclusive podem confundir: “As intervenções no corpo humano estão se tornando cada vez mais eficazes, mas nem sempre são decisivas: podem sustentar funções biológicas que se tornaram insuficientes, ou mesmo substituí-las, mas isso não equivale a promover a saúde”. Conforme observou Tommaso Scandoglio em La Nuova Bussola quotidiana, para evitar interpretações enganosas bastaria adicionar o advérbio “sempre” diante da expressão “a promover a saúde”

Como conclusão, além de qualquer interpretação destinada a minimizar ou acentuar a pretensa novidade da Mensagem papal, sem todas as observações técnicas possíveis e independentemente das intenções reais ou não, um resultado é evidente: as palavras do Papa Francisco, pelo menos na Itália, ofereceram ajuda e publicidade àqueles que vêm lutando para introduzir a eutanásia no sistema legal. 
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Fonte: https://www.atfp.it/
Tradução: Hélio Dias Viana

25 de novembro de 2017

CÍRIO DE NAZARÉ

A maior festa religiosa católica do Brasil e uma das maiores do mundo

Carlos Sodré Lanna 

No segundo domingo de outubro realiza-se anualmente em Belém do Pará uma grande procissão do Círio de Nazaré. Na realidade, as celebrações começam uma semana antes e terminam uma semana depois. 

Círio tem sua origem na palavra latina cereus, que significa vela grande, tendo sua festa no Pará sido declarada Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO em dezembro de 2013. 

Segundo uma antiga tradição, a imagem original de Nossa Senhora de Nazaré, venerada na cidade portuguesa do mesmo nome, teria saído no ano 361 de Nazaré da Galileia, onde a esculpira o próprio São José, na casa onde morava a Sagrada Família. Entalhada em madeira escura, a Virgem Maria aparece sentada, com o Menino Jesus ao colo. 

Identificada como original desde os primeiros séculos do cristianismo, a histórica imagem percorreu a Cristandade a partir de Israel, indo parar nas mãos de São Jerônimo que, temeroso por sua segurança devido aos ataques dos inimigos da fé católica, enviou-a a Santo Agostinho no Norte da África. Mais tarde ela foi ter nas mãos dos monges agostinianos, que a levaram para Mérida, na Espanha. Por ocasião das invasões muçulmanas em terras hispânicas, ela foi escondida em um local de difícil acesso, ficando ali esquecida durante muito tempo. 

Posteriormente, devido a uma batalha, no ano 711 a imagem foi retirada de seu esconderijo e levada para Nazaré, em Portugal, onde também permaneceu escondida por um longo período no Pico de São Bartolomeu.

Em 1182, o nobre português Dom Fuas Roupinho participava de uma caçada naquele pico. Ao perseguir um cervo, seu cavalo esteve a ponto de cair em um precipício, quando ele invocou Nossa Senhora e foi salvo [quadro ao lado]. Em ação de graças, mandou edificar no local a Capela da Memória, onde os operários encarregados da construção descobriram a imagem. A notícia se espalhou, atraindo muitas pessoas, que passaram a acorrer ao local para venerá-la, operando-se muitos milagres. 

Este episódio está imortalizado em um dos vitrais da Basílica do Belém do Pará, onde um cavaleiro aparece perseguindo um cervo que cai em um precipício. 


Em 1377, Dom Fernando (1367-1383), Rei de Portugal, construiu um templo maior na cidade de Nazaré, o Santuário de Nossa Senhora de Nazaré [foto acima], para onde a imagem foi transferida. Desde então, na data no dia 8 de setembro de cada ano, os portugueses se reúnem no local para celebrar o Círio de Nazaré. 

A devoção à imagem cresceu com os milagres e graças alcançadas por seu intermédio. Diante dela rezou São Francisco Xavier antes de partir para o Oriente, e foram os padres jesuítas, seus irmãos de hábito, que trouxeram sua devoção para o Brasil em 1653. 

Nossa Senhora de Nazaré no Brasil 

A imagem de Nossa Senhora de Nazaré venerada em Belém do Pará [foto ao lado] é semelhante àquela celebrada no Círio português. Segundo antiga tradição, transcorria o ano 1700 quando o jovem Plácido José de Souza, andando pelas margens do igarapé de Utinga, onde se ergue hoje a Basílica Santuário em Belém do Pará , encontrou entre pedras e entulhos a pequena imagem de Nossa Senhora de Nazaré. 

Esculpida em madeira e com 28 cm de altura, Plácido a levou para casa, limpou-a e colocou-a em um altar improvisado. Conforme as narrativas da época, a imagem retornou várias vezes, sem explicação, ao local onde fora encontrada. Percebendo Plácido que se tratava de um desígnio sobrenatural de Nossa Senhora, promoveu então a construção ali de uma capela para abrigá-la. 

A divulgação deste milagre chamou a atenção não só dos habitantes da região, que frequentavam a capela para rezar, mas também do governador da capitania, Francisco Coutinho, que ordenou a remoção da imagem para a capela do palácio da cidade. Como sucedera com Plácido, a imagem também desapareceu mais de uma vez do palácio do governador para voltar ao nicho de sua capela. Desta maneira a devoção adquiriu um caráter oficial, tendo sido construída no mesmo local uma igreja, que se tornou hoje a Basílica de Nossa Senhora de Nazaré de Belém. 

Em 1773, o Bispo do Pará colocou a cidade de Belém sob a proteção de Nossa Senhora de Nazaré. Mandada a Portugal no início de 1774 para ser submetida a uma restauração, por ocasião de sua volta, ocorrida no mês de outubro do mesmo ano, a imagem foi levada em romaria pelos fiéis do porto até o santuário, com a participação do governador, do bispo e de autoridades civis e eclesiásticas, sob a escolta de tropas militares. Este foi considerado o primeiro Círio de Nazaré. 

As festividades do Círio em Belém 

As comemorações anuais do Círio em Belém compõem-se de várias etapas, que se estendem por quinze dias, perfazendo um total de 12 procissões oficiais. O principal evento ocorre no segundo domingo de outubro com a grande procissão do Círio, que tem reunido mais de dois milhões de pessoas na capital do Pará, hoje com um milhão e meio de habitantes. 

Conforme a tradição, ela sai bem cedo da Catedral de Belém e percorre cerca de cinco quilômetros até a Basílica Santuário de Nossa Senhora de Nazaré, percurso que pode durar até nove horas, como já ocorreu devido ao enorme número de participantes, ficando ali exposta para veneração pública durante quinze dias, na chamada Quadra Nazarena

Nesta procissão aparece um número enorme de pagadores de promessas oriundos de lugares distantes do Brasil, sobretudo do Norte e do Nordeste, que em sinal de agradecimento pelas graças e curas recebidas levam casas em miniatura, partes do corpo humano feitas com cera, sinais de milagres e miniaturas de barcos, sendo os círios e as velas os mais comuns. 

Durante todo o percurso a imagem de Nossa Senhora de Nazaré é objeto de grandes homenagens de todos os presentes, como chuvas de papéis picados, foguetes e fogos de artifícios, flores variadas, palmas vibrantes, diversos cânticos, executados até por corais e orquestras. 

Existe também o costume de preparar comidas típicas da Amazônia e região para os participantes das celebrações, as quais são postas em barracas próximas das maiores concentrações de público. 

As diversas romarias do Círio de Nazaré 

São 12 as procissões oficiais das celebrações do Círio de Nazaré: 
1) Translado em carro aberto da Basílica de Nazaré para Ananindeua-Marituba;
2) Romaria rodoviária em direção à Vila de Icoaraci, distrito de Belém; 
3) Romaria fluvial [foto ao lado] durante a qual a imagem é levada de barco pela baía de Guajará em direção a Belém; 
4) Moto-romaria do cais de Belém, na qual a imagem, em carro aberto, é seguida por motoqueiros até um colégio no centro de Belém, onde é celebrada uma missa; 
5) Transladação à noite, antes do Círio, à luz de velas, na Berlinda, carro da imagem de Nossa Senhora; 
6) Procissão do Círio, auge dos festejos, que tem reunido mais de dois milhões de participantes nos últimos 12 anos; 
7) Ciclo-romaria, a mais nova das procissões, que acontece desde 2004, a pedido da Federação dos Ciclistas do Pará; 
8) Romaria da juventude, comunidades de jovens das paróquias que veneram a Rainha da Amazônia; 
9) Romaria das crianças, para fortalecer a devoção mariana e nas quais elas vão acompanhadas dos pais; 
10) Romaria dos corredores, procissão em forma de corrida lenta, para acompanhar a imagem de perto; 
11) Procissão da festa, organizada pela diretoria das festividades de Nazaré e comunidades da Basílica Santuário; 
12) Recírio, procissão de despedida realizada duas semanas após o Círio.

Os símbolos do Círio de Nazaré 

As celebrações do Círio apresentam vários objetos simbólicos, os quais podem ser vistos durante todas as procissões. 

A Berlinda [foto ao lado], que transporta a imagem de Nossa Senhora, é por causa disto o centro de todas as atenções no decurso dos 15 dias de festejos.

A conhecida corda de sisal torcido [foto abaixo], com duas polegadas de diâmetro e 400 metros de comprimento, ligada à berlinda e puxada pelos fiéis durante a procissão, passou a ser o elo entre Nossa Senhora de Nazaré e os fiéis.

O manto da imagem de Nazaré é considerado um dos mais importantes símbolos do Círio. Anualmente é apresentado dele um novo modelo, confeccionado com material importado da melhor qualidade, fruto de doações anônimas.

Outro símbolo são os carros dos milagres e de promessas, que vão recolhendo dos devotos relatos e demonstrativos dos milagres e graças alcançados pelos fiéis da Virgem de Nazaré. 

Chamam muito a atenção, de um lado as inúmeras crianças vestidas de anjos nas procissões, e de outro os foguetes e fogos de artifícios que são usados durante o percurso pelas ruas e avenidas da cidade de Belém.

Outra tradição são os cartazes espalhados pela cidade anunciando as festas e os almoços, as reuniões de famílias e os pratos típicos da culinária da região, além das barraquinhas existentes na praça em frente à Basílica de Nossa Senhora de Nazaré. 

Em 2005 participaram do Círio dois milhões de pessoas, número que desde então só tem aumentado, chegando em 2017, quando de sua 225ª procissão, a um total de 2,5 milhões de participantes.

17 de novembro de 2017

Primeira Comunhão de um grande líder católico



No dia 19 de novembro de 1917, há exatamente 100 anos, Plinio Corrêa de Oliveira [foto abaixo] fazia sua Primeira Comunhão na igreja de Santa Cecília, no bairro do mesmo nome, na capital paulista. Ele tinha então nove anos de idade e sua devoção eucarística o tornaria depois o grande e destemido líder católico, fundador da TFP brasileira. 

Paulo Roberto Campos


Em 27 de agosto de 1994, alguns jovens que estavam se preparando para a Primeira Comunhão tiveram a oportunidade de um encontro com Plinio Corrêa de Oliveira. Nessa ocasião, eles lhe perguntaram como tinha sido a sua Primeira Comunhão. 

Mais abaixo seguem alguns trechos extraídos da gravação em fita magnética, sem a revisão do autor, com a resposta que ele deu então àqueles jovens. Apenas adaptei o texto, transpondo a linguagem falada para a escrita, e inseri alguns complementos entre parênteses. Transcrevo-o como uma homenagem neste centenário e em agradecimento a quem muitíssimo me auxiliou na autêntica e profunda adoração do Santíssimo Sacramento da Eucaristia.

Durante toda sua vida, aquele grande líder católico, que comungava diariamente, foi um exemplo para todos seus discípulos de como deve ser a verdadeira devoção à Eucaristia — o maior tesouro que Nosso Senhor Jesus Cristo nos deixou: sua presença contínua nesta Terra. “Eu estarei convosco até a consumação dos séculos” (Mt 28,20).

São Pio X — o grande Papa da devoção eucarística e que tanto incentivou a Primeira Comunhão concedida às crianças logo que adquirissem o uso da razão — sintetiza o mais excelso de todos os sacramentos afirmando: “A devoção à Eucaristia é a mais nobre de todas as devoções, porque tem o próprio Deus por objeto; é a mais salutar porque nos dá o próprio autor da graça; é a mais suave, pois suave é o Senhor. Se os anjos pudessem sentir inveja, nos invejariam porque podemos comungar.”

A seguir, as palavras de Plinio Corrêa de Oliveira em resposta ao pedido de como tinha sido sua Primeira Comunhão:
Dona Lucilia e seu esposo, o Dr. João Paulo Corrêa de Oliveira
“Minha primeira comunhão foi preparada por Dona Lucilia [Lucilia Ribeiro dos Santos Corrêa de Oliveira [foto acima], mãe do Prof. Plinio] para mim, minha irmã e uma sobrinha dela que morava em nossa casa e que ela tratava como filha. Éramos ainda muito crianças, pois a Primeira Comunhão foi em 1917. Como nasci em 1908 [no dia 13 de dezembro], tinha nove anos [incompletos], mas já estava largamente na idade recomendada por São Pio X para as crianças fazerem sua Primeira Comunhão. Podia ser mais cedo, mas foi com nove anos que fiz a minha.  

Dona Lucilia, querendo que essa formação religiosa tivesse o maior esmero possível, quis que o vigário de Santa Cecília, chamado Padre Pedrosa — indicado a ela pelo famoso Padre Chico de Paula e tido como o melhor diretor espiritual, o mais piedoso e um dos melhores oradores sacros de São Paulo —, nos preparasse para a Primeira Comunhão. 

Mas foi muito mais do que isso. Ela quis também que essa preparação fosse dada só para nós três. Realizada numa bela sala da igreja de Santa Cecília [foto ao lado], na parte traseira da igreja, com vitrais muito bonitos, uma mesa com madeira grossa muito bem trabalhada. O ambiente dava muito a ideia da seriedade da aula.  

Esse padre sabia muito bem tratar com crianças, sabia explicar como a comunhão é um ato de uma sublime grandeza, mas, ao mesmo tempo, com muita bondade etc. Ele tinha intenção de nos fazer sentir bem a bondade do Sacratíssimo Coração de Jesus e do Sacral e Imaculado Coração de Maria. 

As aulas para as crianças eram muito explicadinhas, tudo muito claro, direito etc., e eram agradáveis de ouvir. Mas, no modo de ensinar catecismo naquele tempo, inculcava-se muito o respeito que se devia àquela doutrina e o respeito e a veneração que se deveria ter a tudo quanto a Igreja ensinava, sua doutrina etc. 

Se eu não me engano, foi lá que ouvi pela primeira vez falar de infalibilidade papal, que foi um das maiores graças da minha vida, porque eu via em torno de mim muitas discussões a respeito.  
Minha família era muito unida, mas nela se discutia muito política, e religião também. E havia alguns que eram católicos e monarquistas, enquanto outros eram ateus e republicanos. E formavam-se discussões. Eram até inteligentes, eles discutiam bem de um lado e do outro. Os republicanos naturalmente não tinham razão, mas também diziam alguma coisa, alguns argumentozinhos que era preciso saber destruir. 
Mas eu notava também que as pessoas mais velhas que me rodeavam, e que eu respeitava naquele tempo profundamente, estavam em desacordo sobre um mundo de outras opiniões. [...]  

E eu, menino ainda, ouvia as discussões e pensava o seguinte: Aqui estão umas pessoas que são razoavelmente inteligentes. Também são razoavelmente instruídas, e estão em desacordo uns com os outros em quase tudo, mas elas mesmas estão vendo que os homens razoavelmente instruídos e inteligentes, caem facilmente em erro. Porque, do contrário, não pode ser que eles tivessem tanto desacordo. Onde há muito desacordo, um dos lados está errado. E se um dos lados está errado, havendo muitas teses opostas, há muitos erros, e se houver muitos erros, há muita gente errada. Onde é que vai parar isso? É natural que eles errem. Eu vejo que está na natureza deles errar. Mas sinto que, quando eu ficar adulto, vou errar também. Se todo o mundo erra, do que adianta raciocinar? 

O que está dito é flagrantemente verdadeiro. E eu pensava: “Não sei que confiança vou ter no meu raciocínio quando for adulto, que bagunça pode dar isso, onde é que isso pode me levar”.  

E nessas considerações eu ficava assim imerso na ideia de que no fundo não vale a pena pensar, porque se em cada dez ideias que a gente tenha pelo menos uma está errada, é mais ou menos como um homem que sabe que em cada dez passos que ele der na caminhada, ele cai uma vez no chão. Então mais vale a pena não andar. Está acabado! Para quê? Para me escangalhar na estrada? Não convém. 

Assim, quando entrou na preparação para a Primeira Comunhão a tese da infalibilidade papal, eu tive um entusiasmo extraordinário. Mas é difícil calcularem o interesse e o entusiasmo que eu tive pela infalibilidade papal. Eu pensei: “Essa é a solução, tem de haver um que é infalível. Se eu errar — e sei de antemão que em vários pontos eu vou errar —, que confiança eu posso ter em mim mesmo? Ah, se eu pudesse me apoiar em um homem que não errasse!”. 
De repente aparece a solução [o dogma da infalibilidade]. Não é um homem que não erra, é um Pastor dos pastores, instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo [vira a fita, perdendo-se algumas palavras] É [a Igreja Católica] a única religião que sustenta a infalibilidade. Para saber se essa é a religião de Deus não precisa mais nada! [...]  

Em tudo que eu penso, a minha preocupação essencial é: “O que pensará a Santa Sé? Existem documentos dos Papas dizendo isto?” Porque se existir, aí eu tomo uma firmeza que não tenho em nenhuma opinião minha puramente pessoal. Mas sei que se me apoiar na doutrina infalível dos representantes de Cristo na Terra, não tem perigo de errar. Posso avançar, porque não errarei. [...]  

Graças a Deus, sou um homem que tenho muita convicção do que digo. Na realidade, isto é assim porque eu creio na infalibilidade papal. É o fundamento de tudo. O que me deu muita segurança e muito agradecimento e admiração a Nosso Senhor porque Ele excogitou uma Igreja assim. 
Depois a ideia [na Primeira Comunhão] de que era o próprio Homem-Deus que eu iria receber. Seu Corpo, Sangue, Alma e divindade iriam habitar dentro de mim por certo espaço de tempo. Isso me deixava entusiasmadíssimo! Por outro lado, Dona Lucilia tomava muito cuidado com uma porção de coisas. Em primeiro lugar o seguinte:  

Naquele tempo, para realçar a importância da comunhão, o Papa São Pio X [foto ao lado] tinha querido que todas as famílias — naturalmente cada uma na medida do que pudesse — celebrasse a festa da Primeira Comunhão com alguma coisa que chamasse a atenção das crianças. E o que o costume estabeleceu — não sei se hoje ainda é assim — é que o dia da Primeira Comunhão fosse um dia de festa em casa. Nesse dia as crianças não estudavam, não trabalhavam, ficavam apenas em casa rezando ou fazendo algum giro a pé, alguma outra coisa, mas por pouco tempo. Elas deveriam ficar a maior parte do tempo recolhidas e pensando.  

Em segundo lugar, no dia da Primeira Comunhão, para manter nas crianças o respeito [à Sagrada Eucaristia], os meninos e as meninas deveriam usar uma roupa especial. E essa roupa devia evocar virgindade. Quando ainda crianças, se pode esperar que fossem virgens.  

Assim, a menina se apresentava para a Primeira Comunhão com vestido igual ao de noiva, que simboliza a virgindade. E na cabeça uma grinalda de flores, em geral bonitas. [...] 

Para os meninos era uma roupa — ao menos aqui em São Paulo — copiada do traje oficial de um dos maiores colégios de meninos da
Inglaterra, o Eton College [foto ao lado]. A Inglaterra sempre foi muito cuidadosa e muito bem sucedida no que diz respeito aos trajes. Todos comungavam com essa roupa — que era em ponto pequeno a roupa de um homem adulto, com colarinho duro, gravata muito bonita, colete, sapatos de verniz e uma fita de seda com uns pingentes de ouro no braço — para dar a entender que aquele menino era casto e se alegrava de ser casto.  

Esse traje me impressionou muito e gostei muito usá-lo, porque era muito tradicional e, ao mesmo tempo, muito católico. Essa manifestação de castidade me alegrou muito. Usando essa roupa no dia da Primeira Comunhão, senti-me muito elevado, dignificado em receber Nosso Senhor com esse traje. 

Na véspera do dia da Primeira Comunhão eu tive um sonho [...]. Sonhei em ver um bolo — a minha fantasia estava toda tomada com a ideia dos bolos e dos doces na festa do dia seguinte — e, em certo momento, o bolo se abria e aparecia dentro Nosso Senhor Jesus Cristo pisando sobre um globo e com os braços abertos [...]. Era muito estranho, porque não é adequado Nosso Senhor aparecer num bolo. Enfim, era um sonho que não deixava de me produzir certa emoção. 

Assim foi dia da Primeira Comunhão, que recebi com recolhimento, com muito desejo de que fosse uma comunhão perfeita, mas eu achava que seria natural que essa comunhão fosse para mim um momento de muito enlevo e me sentisse profundamente tocado. Pelo contrário, Nossa Senhora obteve de Nosso Senhor que fosse um momento de aridez. [...] Mas rezei atentamente e creio que Ele, pela intercessão de Nossa Senhora, teve pena de mim, porque essa aridez não me fez mal algum, pelo contrário, eu lucrei, e dias depois a minha vida espiritual tinha retomado seu curso.

12 de novembro de 2017

Canonização dos 30 mártires brasileiros, massacrados pelos invasores protestantes

Executados em Cunhaú e Uruaçu por ódio à fé católica, eles são considerados protomártires — os primeiros santos mártires do Brasil.

Paulo Roberto Campos

Em duas pequenas vilas do Nordeste foram escritas com sangue gloriosas páginas da História pátria — páginas hoje censuradas ou pouco referidas nos livros didáticos.
Em meados do século XVII, parte do Nordeste brasileiro sofrera a invasão holandesa de discípulos de Lutero e Calvino. Estes, além de se aproveitarem das nossas terras para se enriquecerem com o comércio, saqueavam o que encontravam de mais precioso nas regiões que dominavam. Mais grave: profanavam nossas igrejas, praticavam atos sacrílegos, destroçando o que nelas havia de sagrado: imagens preciosas, sacrários, paramentos, objetos litúrgicos. Não se contentando com tais profanações, incendiavam templos católicos, torturavam, encarceravam sacerdotes, violentavam mulheres.

Atos praticados para mostrar poder e aterrorizar as populações nordestinas que resistissem em se perverter ao protestantismo — cujo fundador, o heresiarca Lutero, por ocasião dos 500 anos de sua revolta, está sendo paradoxalmente comemorado até por altas autoridades da Igreja Católica, instituição que ele tanto odiou e quis inutilmente destruir.

Cerimônia de canonização na Praça de São Pedro

Tapeçaria com os Santos brasileiros,
exposta na fachada da Basílica
de São Pedro no dia da canonização
Foram canonizados os chamados “mártires de Cunhaú e Uruaçu” — nomes de duas localidades que hoje correspondem aos municípios de Canguaretama e São Gonçalo do Amarante, no interior do Rio Grande do Norte.
Aproximadamente 20 mil pessoas acompanharam no dia 15 de outubro último a cerimônia de canonização presidida pelo Papa Francisco na Praça de São Pedro [foto acima], contando entre os assistentes cerca de 400 peregrinos brasileiros, a maioria do Nordeste. Esses mártires, massacrados por invasores protestantes da Holanda — como narraremos abaixo —, podem ser agora venerados pelos católicos do mundo inteiro.
Na mesma cerimônia foram também canonizados dois meninos martirizados em 1527 no México; um sacerdote espanhol, falecido em 1925; e um frade capuchinho da Itália, morto em 1739.



Martírio: morte violenta, por ódio à fé católica, aceita livremente

Os 30 brasileiros heróis da fé (dois sacerdotes e 28 leigos) haviam sido beatificados no dia 3 de março de 2000 pelo Papa João Paulo II. Agora, com a canonização, 372 anos depois do martírio, foram elevados oficialmente à glória dos altares.
No meio da celebração, soldados e comerciantes holandeses,
auxiliados por índios tapuias do Potengi pervertidos
à religião de Lutero, trancaram as portas da capela
e iniciaram um massacre.
Eles são considerados mártires porque seus algozes calvinistas queriam que apostatassem — renegando a Religião católica e adotando a seita protestante, para, em seguida, ajudarem os invasores holandeses —, contudo preferiram morrer a renegar o catolicismo.
Três condições são necessárias ao martírio: morte violenta, “in odium fidei” (por ódio à fé católica) e livremente aceita. “A atitude resignada dos fiéis ao suportar tantos suplícios, confissões explícitas de fé, orações e penitências feitas pelos moradores momentos antes do martírio, são sinais mais do que evidentes de que, do ponto de vista das vítimas, foram preenchidos todos os requisitos teológicos para o martírio” — afirmou o Mons. Francisco de Assis Pereira (1935-2011), postulador da causa dos mártires de Cunhaú e Uruaçu.
Os fatos são comprovados por documentos disponíveis na Torre do Tombo (Portugal), no Museu de Ajax (Holanda) e em arquivos nacionais. Segundo os documentos, somente nas duas mencionadas vilas, mais de 150 heroicos nordestinos derramaram o sangue em defesa da fé católica, embora apenas 30 deles — fidedignamente identificados e reconhecidos por historiadores — tenham sido canonizados.

“Protomártires do Brasil”

Esses 30 santos são também considerados “protomártires do Brasil”, por terem sido os primeiros brasileiros a alcançarem a palma do martírio em nossas terras. O que se poderia objetar dizendo que quase um século antes havia ocorrido o martírio dos 40 religiosos da Companhia de Jesus, que viajavam em uma nau proveniente da Europa para esta “Terra de Santa Cruz”. Conhecidos como os “40 Mártires do Brasil”, eles foram mortos num assalto, ocorrido no dia 15 de julho de 1570 próximo às Ilhas Canárias, perpetrado por navios de calvinistas franceses comandados pelo huguenote Jacques Sourie. Esses sequazes de Calvino, ao tomarem conhecimento que se tratava de missionários católicos, executaram-nos. Todos foram lançados ao mar, alguns já mortos, outros feridos.
Respondendo à objeção acima, podemos dizer que esses 40 mártires não eram brasileiros, pois 32 nasceram em Portugal e oito na Espanha. Eram jovens entre 20 e 30 anos, pertencentes à Companhia de Jesus, que os destinara em 1570 às missões no Brasil. Lideravam-nos o Pe. Inácio de Azevedo, S.J., e se compunham de dois sacerdotes, um diácono, 14 irmãos e 23 estudantes. Eles foram beatificados em 11 de maio de 1854 pelo Bem-aventurado Papa Pio IX.1

Como foi o martírio dos heróis da fé em Cunhaú e Uruaçu?

O dia 16 de julho de 1645, festividade de Nossa Senhora do Carmo, transcorria normalmente no vilarejo de Cunhaú, até o momento em que um judeu-alemão de nome Jacob Rabbi, atuando a serviço dos hereges holandeses, espalhou a notícia de que, após a Missa, os habitantes seriam informados de assuntos de importância para eles e para o Estado.
Então, a fim de assistirem à Missa de preceito e depois se inteirarem daquilo que seria anunciado, 70 fiéis se reuniram na capela de Nossa Senhora das Candeias, do Engenho de Cunhaú. No meio da celebração, contudo, soldados e comerciantes holandeses, auxiliados por índios tapuias do Potengi pervertidos à religião de Lutero, trancaram as portas da capela e iniciaram um massacre. O celebrante, Pe. André de Soveral — paulista de São Vicente e discípulo do Pe. Anchieta —, exortou os fiéis a se arrependerem de seus pecados, numa breve preparação para a morte e salvação das almas. Os invasores trucidaram o idoso sacerdote e, em seguida, os demais foram passados à espada, com exceção de três homens que fugiram. Um dos fiéis, Mateus Moreira [imagem acima], foi apunhalado e morreu testemunhando sua fé ao exclamar “Louvado seja o Santíssimo Sacramento”. Seu coração foi arrancado pelas costas.
Dois meses e meio depois, em 2 de outubro de 1645, aproximadamente 80 católicos nordestinos foram torturados até a morte às margens do Rio Uruaçu, por não renunciarem a fé católica. A crueldade foi ainda maior do que no massacre de Cunhaú. Os fiéis foram cortados em pedaços, degolados, muitos tiveram olhos e línguas arrancados. Os seguidores de Lutero, também contando com ajuda de índios tapuias, não pouparam sequer as crianças nos braços de suas mães, nem mesmo um bebê. Nesse mesmo massacre foi torturado e morto o Pe. Ambrósio Francisco Ferro.

A gloriosa epopeia da “Insurreição Pernambucana”

Nas regiões nordestinas, à medida que recrudesciam as perseguições aos católicos, com o intento de arrancar-lhes a fé e obter-lhes a perversão ao protestantismo, cresciam as indignações contra os intrusos holandeses.
Começou-se a organizar as reações para dar um basta ao plano de conquista de uma parte do Brasil pela heresia protestante. Nascia uma verdadeira cruzada — a “Insurreição Pernambucana” — para expulsar os invasores e impedir a implantação da “Nova Holanda” no Nordeste brasileiro.
Pernambuco, então capitania governada por Mathias de Albuquerque (1580–1647), já estava sendo dominado pela Holanda, que ali estabeleceu a “Companhia das Índias Ocidentais”. Seu objetivo era explorar e comercializar as riquezas de nosso território, então pouco povoado, valendo-se para isso de poderosa esquadra e milhares de soldados. O exército holandês no século XVII era considerado moderno, numeroso e com muito poder de fogo. Por seu lado, não contando os heroicos pernambucanos com um exército, deviam contentar-se em fazer apenas escaramuças contra os soldados batavos — assim chamados, pois originários da Batávia, antigo nome dos Países Baixos.
No entanto, pouco a pouco, católicos resistentes do Nordeste foram se organizando, sobretudo com a liderança de João Fernandes Vieira (1610-1681) [quadro ao lado], rico senhor de engenho. Juntaram-se a este heroico líder o paraibano André Vidal de Negreiros, o índio potiguara Antonio Felipe Camarão, o líder negro Henrique Dias, bem como outros senhores de engenho, que representavam a aristocracia da terra.
Unindo providencialmente brancos, negros e índios, representando as três raças constitutivas do autêntico Brasil, forjava-se a grandeza da nacionalidade de um país nascido católico e que passou a lutar para expulsar o invasor herege do solo pátrio.

Vitória sobrenatural alcançada no Monte das Tabocas

Após algumas escaramuças contra os hereges holandeses, em 3 de agosto de 1645 travou-se a memorável batalha do Monte das Tabocas, atualmente Vila da Vitória de Santo Antão. A luta foi árdua, sobretudo devido à escassez de recursos dos resistentes nordestinos, com suas espadas enferrujadas, contra o poderio formidável das armas dos batavos, além da enorme diferença numérica entre os combatentes. Num momento em que tudo parecia perdido, por iniciativa de um sacerdote, rezaram pedindo a intervenção da Santíssima Virgem, tendo Fernandes Vieira prometido construir duas igrejas: uma dedicada a Nossa Senhora de Nazaré, e outra a Nossa Senhora do Desterro.
Afinal, a vitória foi alcançada graças a uma intervenção sobrenatural! Insurgentes católicos testemunharam ter ouvido soldados hereges presos confessarem que viram aparecer do céu “uma mulher muito formosa com um menino nos braços, e junto a ela um velho venerando, vestido de branco, os quais davam armas, pólvora e balas aos nossos soldados, e que era tanto o resplendor que a mulher e o menino lançavam, que lhes cegava os olhos e não podiam olhar para eles de fito a fito. E que esta visão lhes fez logo virar as costas e retirar-se descompostamente”.2
Batalha dos Montes Guararapes – Victor Meirelles, 1879. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro


As duas vitórias obtidas nos Montes Guararapes

Quase três anos depois da batalha do Monte das Tabocas, travou-se a primeira batalha dos Montes Guararapes (19 de abril de 1648), também comandada por João Fernandes Vieira. Este, no período entre as duas mencionadas batalhas, continuou treinando os insurgentes católicos e realizando escaramuças para atormentar e enfraquecer os calvinistas.
Na primeira batalha de Guararapes, apesar da desproporção numérica — 2.200 brasileiros contra 7.400 holandeses —, nossos insurgentes saíram vitoriosos, mas não foi suficiente para quebrar o ânimo batavo.
Entretanto, na segunda batalha de Guararapes, travada em 19 de fevereiro de 1649, os hereges holandeses perceberam que o fim de sua permanência no Brasil estava chegando. Somente nesse combate eles tiveram cerca de 2.000 baixas, enquanto apenas 47 brasileiros perderam a vida — entre os quais, infelizmente, o líder negro Henrique Dias, que morreu lutando heroicamente.
Mesmo enfraquecidos pela grande perda de soldados, armas e munições, apreendidas pelos católicos insurgentes nessas batalhas, os calvinistas conseguiram permanecer no Nordeste até 1654.
Nesse ano, a resistência católica conseguiu reconquistar dos batavos alguns fortes importantes. Percebendo estes que chegara seu fim, capitularam. Assinaram a rendição no dia 27 de janeiro de 1654 e retornaram para onde não deveriam ter saído.
Com o triunfo dos heróis da “Insurreição Pernambucana”, João Fernandes Vieira foi aclamado “governador da independência” e tomou posse da capital naquele histórico dia. Também nascia, sob o patrocínio dele, de Felipe Camarão [quadro ao lado] e de Henrique Dias [quadro abaixo], o glorioso Exército brasileiro, para proteção de nosso território.

Escandaloso silêncio, revelador das intenções de muitos

Chama a atenção o fato de a grande mídia, mesmo publicando matérias sobre a canonização dos mártires de Cunhaú e Uruaçu, não as tenha relacionado com a epopeia da “Insurreição Pernambucana”, uma vez que esta nasceu da indignação contra as perseguições perpetradas pelos protestantes holandeses. Nos dias posteriores à canonização acompanhei de perto os grandes jornais do País, não encontrei neles uma linha sequer estabelecendo essa correlação. Por que esse silêncio?
A mesma pergunta poder-se-ia fazer às nossas autoridades eclesiásticas que, mesmo falando da canonização, também não fizeram tal vinculação dos fatos. Refletindo nesse silêncio, julguei-o mais triste do que a “censura” da mídia, pois os eclesiásticos, mais do que ninguém, têm a missão de ressaltar a beleza da resistência católica contra a heresia. Por que silenciar tão belas e gloriosas páginas da História do Brasil e da Igreja?

Nova resistência católica no Brasil de hoje

No detalhe, representação
da aparição de Nossa Senhora
que auxiliou os católicos
durante a batalha
e aterrorizou
os invasores protestantes
Rezemos aos nossos santos-mártires pedindo-lhes que, assim como do sangue que verteram venceu a “Insurreição Pernambucana” contra o herege invasor do território nordestino, suscitem também no Brasil de hoje nova “insurreição” — no sentido de uma autêntica cruzada em defesa da verdadeira fé — para não se permitir que a Religião católica, em nosso País ou em qualquer parte do mundo, seja perseguida e aviltada como tem sido ultimamente em muitos lugares. Por exemplo, através de exposições blasfemas, sacrílegas e pornográficas. Para citar apenas um caso recente: à guisa de “apresentação teatral”, um homem inteiramente nu ralou uma imagem de Nossa Senhora Aparecida e lançou seu pó sobre a plateia!
Em face de tais agressões anticatólicas, convidamos nossos leitores a oporem uma resistência pacífica, mas firme. Outro convite que poderíamos acrescentar: fazermos o propósito de sempre que mencionarmos os novos santos-mártires de Cunhaú e Uruaçu, estabelecermos a vinculação deles com a gloriosa “Insurreição Pernambucana” contra a dominação protestante. Tema de suma importância nestes dias em que se comemoram os 500 anos de Lutero — o heresiarca em face de cuja religião os santos-mártires potiguares preferiram morrer a se perverterem.


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Matéria publicada na Revista Catolicismo, Nº 803, Novembro/2017.
Fontes consultadas:
Robert Southey, História do Brasil (Traduzido do inglês pelo Dr. Luiz Joaquim de Oliveira e Castro, com anotações do Cônego Dr. Fernandes Pinheiro), Livraria B. L. Garnier, Rio de Janeiro, 1862, tomo III.
Pedro Calmon, História da Civilização Brasileira, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1958, 6ª edição (aumentada), vol. 14.
Notas:
  1. A respeito, para melhor conhecimento, recomendamos a edição de Catolicismo de julho/2014, p. 36.
  2. Diogo Lopes Santiago, História da Guerra de Pernambuco, Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco, Recife, 1984, p. 258.