A conversão de Afonso Ratisbonne
✅ Plinio Maria Solimeo
Há um adágio latino bem conhecido, citado pelo Pe. Manoel Bernardes em sua obra Nova Floresta, que exprime uma verdade de observação corrente: “Nemo repente fit summus”, que poderia se traduzir por “ninguém se torna muito grande ou muito ilustre repentinamente”. Mais comumente se diz que “nada de grande ou de muito importante se faz de repente”.
É o que vemos na série de fatos aparentemente indiferentes que prepararam a conversão do judeu Ratisbonne, transformando-o de feroz inimigo da Igreja em seu apóstolo.
Quem era Afonso Ratisbonne
Afonso nasceu em Estrasburgo em 1814 em uma rica e proeminente família de banqueiros. Perdeu a mãe quando tinha apenas quatro anos. Seu pai era presidente do conselho provincial da Alsácia. Um irmão mais velho, Teodoro, converteu-se ao catolicismo em 1827 e ordenou-se sacerdote em 1830. Isso provocou um escândalo em toda a família, principalmente em Afonso. Formado em Direito, ele se tornou membro do banco de um tio e ficou noivo.
Tudo parecia lhe sorrir na vida que escolhera.
Inescrutáveis caminhos de Nossa Senhora
Em 1841, aos 27 anos, sendo sua noiva ainda um pouco nova para se casar, Afonso resolveu fazer uma longa e despreocupada viagem pelo Oriente.
Embora nominalmente judeu, após a conversão do irmão ele se tornou um ateu radical, passando a ter um “ódio virulento” a tudo que era católico.
Ratisbonne viajou para Nápoles, para de lá passar por Istambul, e chegar finalmente à Palestina. Em Nápoles ele comprou passagem para ir primeiro até Malta, mas tomou o navio errado e acabou chegando a Roma no dia 5 de janeiro.
Na Cidade Eterna resolveu visitar um antigo companheiro de escola, o barão Gustavo de Brussières, a quem não via há muito tempo. O barão era protestante, e compartilhava a hostilidade do judeu contra o catolicismo.
Como Ratisbonne lhe disse que desejava conhecer um pouco Roma, Gustavo indicou-lhe seu irmão Teodoro, que o judeu conhecera em sua casa, como a pessoa mais apta para guiá-lo. O problema é que Teodoro tinha se convertido ao catolicismo, e era amigo sincero do irmão de Afonso, também Teodoro.
Teodoro de Brussières era um aristocrata de trato ameno e agradável. Contudo, Ratisbonne julgou-o um católico fanático e muito insinuante. Para evitá-lo, decidiu partir de Roma na madrugada do dia 17. Mas antes de partir quis despedir-se de Gustavo, deixando com ele um cartão para Teodoro.
Não tendo encontrado Gustavo, Afonso dirigiu-se à casa de Teodoro, para deixar seu cartão. Pensava entregá-lo na porta e sair rapidamente para não encontrá-lo. Porém, um criado italiano não entendeu o que ele queria, e o conduziu à sala de estar, onde estava Teodoro com a esposa e duas filhas.
Ratisbonne ficou extremamente aborrecido, mas dissimulou com um sorriso reservado. E ao cumprimentar o dono da casa, disse-lhe, para provocá-lo, que visitara o gueto de Roma, onde “contemplou a miséria e a degradação dos judeus”. Isso o havia indisposto ainda mais com os católicos.
Ante as invectivas de Afonso contra os católicos, afirmando “nasci judeu e judeu morrerei”, De Bussières procurou defender com toda energia a religião verdadeira.
Medalha Milagrosa e Lembrai-Vos
Passando ao contra-ataque, De Brussières teve uma súbita inspiração e lhe disse abruptamente: “Já que você detesta superstição e se declara tão liberal em relação à doutrina sendo tão iluminado, terá coragem de se submeter a um simples e inocente teste que vou lhe apresentar?”
Sorrindo, Ratisbonne perguntou: “Que teste?”
Erguendo uma Medalha Milagrosa, disse-lhe o barão: “Apenas usar por uns dias esta medalha da Santíssima Virgem que lhe darei.”
Ao vê-la, o judeu afundou-se na poltrona com um gesto de indignação e repulsa. “Que proposta mais bizarra e pueril!”, pensou.
De Brussières argumentou: “Parece muito ridículo, não é? Mas eu atribuo grande valor e eficácia a esta pequena medalha. Do seu ponto de vista, isto deve ser uma questão de total indiferença, ao passo que me daria o maior prazer se aceitasse”.
Ratisbonne caiu na gargalhada e disse. “Oh, eu não vou recusar. Pelo menos lhe mostrarei que as pessoas não têm o direito de acusar os judeus de preconceito obstinado e insuperável. Além disso, o senhor está me fornecendo um capítulo encantador para minhas anotações e impressões de viagem...”.
Conquistado este terreno, o Barão foi rápido em tirar vantagem. “Para aperfeiçoar o teste, você deve dizer todas as noites e todas as manhãs uma oração muito curta e muito eficaz, o Lembrai-Vos, que São Bernardo dirigiu à Bem-Aventurada Virgem Maria. Recusar-se a recitar a oração tornaria o teste inútil e provaria que os judeus realmente eram tão obstinados quanto muitos afirmavam”.
Por fim, exausto pela ridícula impertinência de Teodoro e não querendo dar muita importância ao assunto, Ratisbonne disse: “Bem, então prometo fazer essa oração. Se não me faz bem, não pode me fazer mal”.
“Você tem que adiar sua viagem”
Na manhã seguinte, Afonso foi visitar o barão e lhe disse: “Vim me despedir porque estou partindo esta noite”.
Ao que De Bussières respondeu sem saber por que: “Quanto à sua partida, você absolutamente deve adiá-la por uma semana”.
Ratisbonne escreveria mais tarde: “Fui induzido incompreensivelmente a prolongar minha estada em Roma. Cedi à insistência de um homem que mal conhecia, e a quem havia recusado obstinadamente ter entre meus amigos mais íntimos”.
Já que passaria assim mais uns dias na Cidade Eterna, decidiu deixar De Brussières tornar-se seu guia.
Acontece que, enquanto isso, Ratisbonne não conseguia parar de recitar mentalmente o Lembrai-Vos. “Continuei a murmurar para mim mesmo, embora com grande impaciência, aquela eterna e importuna invocação de São Bernardo”.
O Conde de La Ferronays
O Barão de Brussières tinha um grande amigo em Roma, o Conde de La Ferronnays, Pedro Luís Augusto Ferron. Profundamente católico, nasceu em 1777 e foi Ministro das Relações Exteriores de Carlos X entre 1828 e1829; no ano seguinte exerceu o cargo de embaixador da França junto à Santa Sé. O Barão lhe falou de Ratisbonne, pedindo-lhe orações pela sua conversão.
Movido por uma graça especial, La Ferronays fez mais do que isso: ofereceu a própria vida nessa intenção. E foi ouvido, falecendo repentinamente de um enfarte aos 64 anos, no dia 17 de janeiro de 1842.
A aparição e a conversão
No dia seguinte Ratisbonne saiu com De Brussières para continuarem a visita à Cidade Eterna. Ao passarem diante da igreja San Andrea delle Fratte [foto acima], o barão lhe pediu que o esperasse um pouco, pois teria que entrar a fim de tratar de um assunto importante. O judeu poderia também entrar e esperar dentro, por causa do frio.
Afonso entrou e começou a analisar a igreja. Achou-a muito feia e notou que a estavam preparando para um funeral. Perguntou ao barão quem era o falecido. De Brussières lhe respondeu que era um amigo seu, De La Ferronnays, por quem tinha grande estima, que falecera subitamente na véspera.
A igreja estava na penumbra e Ratisbonne chegou diante do altar de São Miguel Arcanjo. De repente, todo o templo ao seu redor desapareceu. Ele escreve: “Não vi mais nada. Ou melhor, ó meu Deus, eu vi apenas um objeto!” Era a Rainha do Céu, em todo o esplendor de sua beleza.
Ratisbonne depois escreveu: “Fiquei prostrado, com o coração completamente absorto e perdido, quando De Brussières me trouxe de volta à vida. Não pude responder às suas perguntas, mas agarrei minha medalha e beijei a imagem da Virgem, radiante de graça. Era de fato Ela mesma. Eu sabia que De Laferronnays havia orado por mim. Não posso dizer como soube disso, assim como não posso explicar as verdades das quais de repente ganhei tanto o conhecimento, quanto a crença. Tudo o que posso dizer é que no momento em que a Santíssima Virgem fez o sinal de sua mão, o véu caiu de meus olhos [...] aí de uma tumba, de um abismo, e estava vivendo, perfeitamente, vivendo energicamente”.
Afonso de Ratisbonne se converteu de tal maneira, que se fez sacerdote. Com seu irmão Teodoro fundou uma congregação religiosa para rezar pela conversão dos judeus — Congregação Nossa Senhora do Sion —, um ramo masculino e outro feminino. E passou os últimos anos de sua vida na Terra Santa, onde faleceu no dia 6 de maio de 1886.