A amabilidade é uma das virtudes mais encantadoras e das mais necessárias ao bom convívio humano. Ela tempera o que pode haver de brusco no nosso temperamento, e leva-nos a tratar os outros como gostaríamos de ser tratados.
Fazem parte dessa virtude uma série de outras muito necessárias nos dias de hoje, e que constituem o cortejo liderado pela verdadeira caridade: “a benignidade, que leva a tratar e julgar os outros e as suas atuações com delicadeza; a indulgência em face dos defeitos e erros alheios; a educação e a urbanidade nas palavras e nas maneiras; a simpatia, que por vezes será necessário cultivar com especial esmero; a cordialidade e a gratidão; o elogio oportuno às coisas boas que vem” . Podemos ainda acrescentar a isso a gentileza, cortesia, brandura, carinho, meiguice, ternura e suavidade no trato com as pessoas.
O famoso apologista americano, arcebispo Dom Fulton Sheen, explica que “a palavra inglesa «kindness» (amabilidade) é derivada de «kindred» ou «kin» (parentes), e portanto implica uma afeição que dedicamos naturalmente àqueles que são a nossa carne e o nosso sangue. A amabilidade original e típica é a de um pai para com o filho ou a de um filho para com o pai. Gradualmente a palavra adquire maior amplitude até atingir todos os que desejamos tratar como parentes” .
A amabilidade deriva da virtude da misericórdia que, por sua vez, é um dos efeitos da caridade. Como diz o renomado teólogo Pe. Royo Marin, O.P., ela “nos inclina a ter compaixão das misérias do próximo, considerando-as de certo modo como nossas próprias, porque o que lhe causa tristeza, do mesmo modo nos causa a nós [...]. O próprio Deus manifesta misericórdia num grau extremo, ao ter compaixão de nós” .
Essa virtude também está relacionada com a da piedade, que por sua vez, como diz o mesmo teólogo, é “um amor filial por Deus considerado como Pai, e um sentimento de irmandade universal para com todos os homens como nossos irmãos e filhos do mesmo Pai celeste” (p. 387). E acrescenta: “É essa piedade que levava São Paulo a se afligir com os aflitos, a chorar com os que choram, e suportar as fraquezas e misérias do próximo com o propósito de o salvar” (p. 390).
O eminente teólogo continua dizendo (p. 402), que a afabilidade ou amabilidade, é “a virtude social por excelência, e uma das mais delicadas manifestações do verdadeiro espírito cristão”. Ela é muito afim com a verdadeira amizade, que é definida como “uma virtude pela qual nossas palavras e ações externas são dirigidas à preservação de uma amigável e agradável associação com nosso próximo [...]. A verdadeira amizade procede do amor, e entre os cristãos, deve ser o resultado natural da caridade fraterna, a afabilidade é uma espécie de amizade que consiste em palavras e ações com relação aos outros, requerendo de nós que nos conduzamos de um modo amigável e maneira social com o próximo, sejam amigos íntimos ou estranhos”. Por isso, acrescenta o Pe. Royo Marin “Benignidade, polidez, simples louvor, indulgência, sincera gratidão, hospitalidade, paciência, mansidão, refinamento em palavras e ações etc., exercem uma espécie de atração que é difícil de resistir.” O que faz com que “Esta preciosa virtude é extremamente importante não somente em nossa associação com amigos, vizinhos ou estranhos, mas de um modo especial mesmo no círculo de nossa própria família, onde ela é frequentemente muito negligenciada”.
A importância dessas virtudes nas relações sociais, é porque todas pessoas querem, no trato com as outras, três coisas essenciais: afabilidade, respeito, e perdão para suas faltas. E ficam felizes quando são assim tratadas. Pelo contrário, sofrem e se sentem feridas no seu ego quando são objeto de desatenção, mau trato ou recriminação.
Nesse sentido conta-se que uma das filhas de Luís XV, da França, um dia recriminou impacientemente uma camareira sem muito motivo. Esta lhe manifestou seu desagrado. A princesa então lhe disse: “Não sabe que eu sou filha do Rei?”. Ao que respondeu dignamente a camareira: “E Vossa Majestade não sabe que eu sou filha de Deus?” Quer dizer, se cada um visse no outro um filho de Deus, o trataria de modo muito diferente. Desse modo a amabilidade, tendo Deus como principal motor, é o contrário da dureza de coração, que resulta geralmente de um doentio amor de si mesmo.
Alguns países, como a França do Ancien Régime, levaram a amabilidade e a cortesia a um alto grau. Foi então que ocorreu a “douceur de vivre”, a doçura de viver, pois cada um se sentia tratado segundo o melhor lado de si mesmos. É muito conhecido o fato de o rei Luiz XIV, o Rei Sol, em todo o seu esplendor, tirar o chapéu quando cumprimentava uma simples lavadeira.
Pelo que “São Francisco de Sales nos ensina que a primeira condição [para termos um trato cortês] é sermos humildes, pois ‘a humildade não é somente caritativa, mas também doce. A caridade é a humildade que se projeta externamente, e a humildade é a caridade escondida’; ambas as virtudes estão estreitamente unidas. Se lutarmos por ser humildes, saberemos ‘venerar a imagem de Deus que há em cada homem’, saberemos tratá-los com profundo respeito” .
É também o que afirma o já citado D. Fulton Sheen, “Todas as anomalias mentais têm suas raízes no egoísmo, toda a felicidade tem suas raízes na amabilidade. Mas para sermos realmente amáveis, devemos ver em todos uma alma imortal, que há de ser amada pelo amor de Deus. Então, não haverá quem não seja para nós de grande apreço”.
Na mesma linha, diz a Águia de Hipona, Santo Agostinho, com o vôo que lhe é característico: “Os frutos da caridade são alegria, paz e misericórdia. A caridade exige bondade e correção fraterna. É benevolente. Promove a reciprocidade e permanece desinteressada e generosa. É amizade e comunhão. O amor é em si a realização de todas as nossas obras. Essa é a meta; é para ela que corremos. Corremos em sua direção, e assim que nela chegarmos, nela encontraremos nosso descanso”.
Infelizmente está cada vez mais longe o tempo em que as pessoas primavam por serem corteses, amáveis, respeitosas dos outros pois, com o avanço da técnica, e sobretudo com a malícia dos tempos decorrente da profunda orfandade religiosa, essa virtude está cada vez mais posta de lado. As pessoas estão ficando cada vez mais pragmáticas, egoístas, pensando só em si mesmas e no seu mundinho, entretidas com seus celulares. Para elas, as outras não existem.
Por isso é sobretudo difícil ser amável com aqueles que nos pedem um favor, uma esmola. Ora, diz ainda D. Fulton Sheen, “A amabilidade para com os que sofrem torna-se compaixão, que significa sofrer com outrem, partilhar a mágoa e as dores de outrem, como se fossem nossas”. Isso porque, explica ele, “A amabilidade estimula o interesse do coração para além de todo o interesse pessoal, e impele-nos a dar o que temos na forma de esmola, ou o nosso talento, como o médico que trata um doente pobre, ou o nosso tempo, que às vezes é a coisa mais difícil de dar”. Como consequência, “O homem verdadeiramente compassivo e amável, que dá o seu tempo aos outros, consegue encontrar sempre tempo”.
Ele observa que “muitas pessoas, amabilíssimas nos seus lares e escritórios, podem se tornar grosseiras e egoístas ao volante de um automóvel. Isto é talvez devido a que nos seus lares elas são conhecidas; no automóvel, à sombra do anonimato, podem ser quase brutais sem receio de serem reconhecidas”. E conclui: “Sermos amáveis pelo receio de que os outros pensem que somos grosseiros, não é amabilidade real, mas antes uma forma dissimulada de egoísmo”.
O diz-que-diz, o deboche, a chanchada, a brincadeira porca, a libertinagem são fonte frequente de desavenças e de maus tratos, estando nas antípodas da amabilidade e do respeito no trato social. Infelizmente, como dissemos, com a decadência da prática religiosa e consequente queda dos bons costumes, isso está cada vez mais em voga no mundo de hoje.
Mudando de quadro: felizmente ainda não se apagaram de todo os resquícios de amabilidade pelo mundo, e quando menos esperamos, disso temos exemplos frisantes.
Nesse sentido, um amigo meu contou-me um exemplo marcante disso, e do qual jamais se esquecerá, do trato surpreendentemente amável de que foi objeto em circunstâncias quase dramáticas quando viajava pelo Exterior.
Vindo dos Estados Unidos para o Brasil com uma conexão em Toronto, no Canadá, como havia grande diferença entre a chegada do primeiro e a partida do segundo vôo, ele deixou as malas no aeroporto, tomou um trem, e foi conhecer a cidade para ocupar aquele tempo. À tarde, depois de muito andar num frio congelante, caminhava por uma grande avenida quando, tropeçando nos seus próprios pés, caiu com todo o peso do corpo com a face no chão. Não pôde amortecer a queda com as mãos, pois as tinha no bolso da gabardine por causa do frio. A queda foi tão violenta, que fraturou-lhe o nariz, cortou-lhe os lábios, e quebrou-lhe dois dentes. O sangue corria em profusão do nariz.
Ele ficou tão atordoado com a queda, que perdeu momentaneamente a memória e não conseguia mover-se. Foi aí que acorreu um casal de jovens em seu auxílio. Com muito cuidado, o ajudaram a sentar-se e a enxugar o sangue do rosto. Isso tudo com muita amabilidade e consideração à sua idade, pois era octogenário. Quando viram que ele estava um pouco refeito, perguntaram-lhe onde morava, se tinha algum parente ou amigo que pudessem avisar, em que hotel estava. Depois de um momento de amnésia, tendo recobrado a memória, meu amigo pôde explicar que estava somente de passagem etc. Como seu lenço já estava todo encharcado de sangue, a jovem correu a um restaurante próximo, e trouxe-lhe um punhado de guardanapos de papel.
Nesse momento acorreu outro jovem que, vendo que o amigo tiritava de frio, foi a uma loja e comprou um par de luvas, ajudou-o a calçá-las, e perguntou se havia mais algo que pudesse fazer. Então os dois rapazes conseguiram ampará-lo para sentar-se em um banco de pedra das proximidades.
Mas não parou aí. O primeiro jovem já tinha telefonado para um serviço de saúde, e logo apareceu uma ambulância com um casalzinho de para-médicos, muito simpáticos. Profissionalmente eles examinaram as feridas para ver se ele tinha recebido algum golpe na cabeça, mediram-lhe a pressão e a temperatura, controlaram as batidas do coração, tudo feito com muita amabilidade e consideração à sua idade. Para se certificarem de que ele tinha tido mesmo uma queda acidental, e não devido a um mal súbito e não estava com memória afetada, começaram a lhe fazer perguntas sobre o Brasil, família, São Paulo etc. Enfim, deixaram-no no hospital, onde lhe fizeram suturas no nariz e nos lábios, e lhe deram alta. Ele pôde assim voltar no mesmo dia para o Brasil.
Esse amigo ficou muito grato e até comovido com a amabilidade e atenção desses vários jovens, tanto mais por serem eles já de uma geração técnica, informatizada, pragmática, órfã de religião, e que provavelmente não receberam em casa lições de boas maneiras ou de bom trato.
Meu amigo afirmou que, estando em um país estrangeiro, numa cidade em que não conhecia ninguém, tendo um grave acidente, apesar disso não se sentiu desamparado, pois encontrou pessoas que se interessaram por ele, e o trataram com uma caridade cristã e com a consideração que teriam com um parente.
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