28 de abril de 2023

Procurando a Mãe Santíssima, encontramos o Divino Filho


“Ah! se conhecêssemos a glória e o amor que recebeis [ó Jesus] nesta admirável criatura, bem diferentes seriam os nossos sentimentos a respeito de Vós e d'Ela”


Hoje celebramos um dos santos que mais fez o apostolado da devoção a Nossa Senhora, sobretudo pregando a excelência da Sagrada Escravidão a Ela: São Luís Maria Grignion de Montfort — nascido em Montfort-sur-Meu, no dia 31 de janeiro de 1673, faleceu em Saint-Laurent-sur-Sèvre, no dia 28 de abril de 1716. 

Em memória deste dia, segue um comentário feito por ele, extraído do seu espetacular “Tratado da Verdadeira Devoção a Santíssima Virgem” (Vozes, Petrópolis, 1984, pp. 63 a 65).


“Abaixo do Céu nenhum outro nome foi dado aos homens, pelo qual devamos ser salvos. Deus não nos deu outro fundamento para nossa salvação, nossa perfeição e nossa glória senão Jesus Cristo. Todo edifício cuja base não se assentar sobre esta pedra firme, estará construído sobre areia movediça, e ruirá fatalmente mais cedo ou mais tarde. Todo fiel que não está unido a Ele como um galho ao tronco da videira, cairá e secará, e será por fim atirado ao fogo. Fora d'Ele tudo é ilusão, mentira, iniquidade, inutilidade, morte e danação...

Se estabelecermos a sólida devoção à Santíssima Virgem, teremos contribuído para estabelecer com mais perfeição a devoção a Jesus Cristo, e teremos proporcionado um meio fácil e seguro de O encontrar... 

Volto-me, aqui, um momento, para Vós, ó Jesus, a fim de queixar-me amorosamente à vossa divina majestade de que a maior parte dos cristãos, mesmo os mais instruídos, desconhecem a ligação imprescindível que existe entre Vós e vossa Mãe Santíssima. Vós, Senhor, estais sempre com Maria, e Maria sempre convosco; nem pode estar Ela sem Vós; doutro modo, Ela deixaria de ser o que é. E de tal maneira está Ela transformada em Vós pela graça, que já não vive, já não existe: sois Vós, meu Jesus, que viveis e reinais n'Ela, mais perfeitamente que em todos os anjos e bem-aventurados. Ah! se conhecêssemos a glória e o amor que recebeis nesta admirável criatura, bem diferentes seriam os nossos sentimentos a respeito de Vós e d'Ela".

26 de abril de 2023

Luzeiro cintilante no firmamento espiritual da Igreja



“Muitos há que trabalham, muitos que rezam; mas quem tem a coragem de expiar? [...] A missão de Santa Teresinha foi de nos mostrar uma via em que pudéssemos todos trilhar”.

 Continuação do post de 25-4-2023

No cinquentenário do falecimento da imortal santa carmelita de Lisieux, Plinio Corrêa de Oliveira publicou sobre ela um artigo no “Legionário”, órgão oficioso da Arquidiocese de São Paulo, no dia 29-9-1947. Transcrevemo-lo aqui, para a consideração de nossos leitores, neste ano jubilar em que coincidem duas grandes efemérides dessa veneradíssima santa: o sesquicentenário de seu nascimento e o centenário de sua beatificação. 

VÍTIMA EXPIATÓRIA 

✅  Plinio Corrêa de Oliveira

Santa Teresinha do Menino Jesus é, a bem dizer, de nossos dias. Celebraremos daqui a pouco o cinquentenário de sua morte, e muitas das pessoas que ainda temos a ventura de possuir entre nós são absolutamente contemporâneas da jovem carmelita que expirou aos 24 anos.

          Felizmente, a fotografia já estava inventada em dias dela, pelo que conservamos o retrato autêntico da grande Santinha: singularmente bela, de traços regulares, olhar luminoso e vasto, porte firme e semblante resoluto, sua fisionomia deixa transparecer qualidades que parecem opostas entre si — ao menos segundo a mentalidade liberal —, como a bondade e a firmeza, a distinção e a simplicidade, o perfeito e absoluto domínio de si e a mais atraente naturalidade.

Se não possuíssemos fotografias da santa rosa do Carmelo, que idéia teríamos dela? A que nos apresentam muitas de suas imagens: doce de uma doçura sentimental e quase romântica, boa de uma bondade puramente humana e sem menor sopro de sobrenatural, enfim uma jovem de boas inclinações se bem que exageradamente sensível... nunca uma Santa, uma autêntica e genuína Santa, um luzeiro cintilante no firmamento espiritual da Igreja do Deus Verdadeiro. Se não toda a iconografia, pelo menos certa iconografia, sem alterar os traços da Santa, lhe alterou contudo a fisionomia.

O mesmo se dá com sua biografia. Certa literatura sentimental-religiosa, sem adulterar propriamente os dados biográficos de Santa Teresinha, encontrou meios de interpretar tão unilateral e superficialmente certos episódios de sua vida, que chegou a desfigurar de algum modo seu significado. As deformações iconográficas e biográficas se fizeram todas em uma mesma direção: ocultar o sentido profundo, admirável, heróico e imortal da vida da imortal Santinha.

No 50º aniversário de sua morte alguém que muito e muito lhe deve procurará saldar com respeitoso amor parte desta dívida, fazendo como que um comentário doutrinário à sua vida.


O pecado original cometido por Adão e os pecados posteriormente praticados pela humanidade constituem ofensas a Deus. Para resgatar essas ofensas e aplacar a ira divina era preciso que a humanidade expiasse. Esta expiação era como que o pagamento de um preço que compensasse a falta cometida. Há nisto de certo modo uma restituição. Pelo pecado, o homem como que se apropriou indebitamente de prazeres, vantagens, deleites a que não tinha direito. Para reparar a justiça, era preciso que ele abandonasse, imolasse, sacrificasse tudo isto. O sacrifício reparador toma, assim, o aspecto de um preço de resgate pelo qual se repara a falta cometida. Para resgatar estes pecados, a Santa Igreja dispõe de um tesouro. Vejamos de que natureza ele é.

Evidentemente, não se trata de um tesouro de riquezas materiais. É um tesouro moral e espiritual, como exige a natureza moral das faltas que se trata de resgatar. Este tesouro se compõe antes de tudo, e essencialmente, dos méritos infinitamente preciosos de Nosso Senhor Jesus Cristo, que no momento da Santa Morte do Salvador foram aceitos por Deus, e produziram a Redenção da humanidade. Os sofrimentos, as virtudes, as expiações dos homens pecadores seriam totalmente incapazes de aplacar a cólera divina. O Santo Sacrifício do Homem-Deus bastaria plenamente para tal. Mais ainda: uma simples gota do precioso sangue bastaria para redimir a humanidade inteira.

Contudo, por desígnios insondáveis da Providência Divina, de fato a Redenção não se operou no momento em que se verteu para nós o primeiro sangue do Redentor, mas só quando ele expirou por nós na Cruz, depois de um dilúvio de tormentos. Por uma disposição igualmente misteriosa de Deus, Ele não se contenta com o sacrifício superabundantemente suficiente do Redentor. A humanidade está redimida, e em si mesma a obra da redenção está concluída. Mas para salvar os pecadores, para expiar seus pecados atuais, para que as almas transviadas aproveitem o Sacrifício do Homem-Deus, é necessário que também nós alcancemos méritos.

O tesouro da Igreja se compõe, pois, de duas parcelas. Uma, infinitamente preciosa, superabundantemente suficiente, superabundantemente eficaz: é a dos méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Outra pequeníssima, desvaliosíssima, insignificante: é a dos méritos dos homens adquiridos ao longo da vida multissecular da Igreja. A parte pequena só vale em união com a parte infinita. Mas — mistério de Deus — em si mesma perfeitamente dispensável, esta parte é indispensável porque Deus o quis: “Quem te criou sem ti, não te salvará sem ti”, diz Santo Agostinho.

Deus nos criou sem nossa cooperação, mas para nos salvar ele quer nossa cooperação. Cooperação de apostolado, sim, mas também cooperação na prece e no sacrifício. Sem os méritos dos homens, o tesouro da Igreja não estará completo, e a humanidade não aproveitará inteiramente os frutos da salvação.

Parte externa do Carmelo de Lisieux


Visto o assunto de outro ângulo, devemos lembrar o papel da graça para a salvação. Nenhum homem é capaz de um menor ato de virtude cristã, sem que seja chamado a isto pela graça de Deus, e pela graça de Deus ajudado. Em outros termos, a primeira idéia, o primeiro impulso, toda a realização do ato de virtude sobrenatural, se faz com o auxílio da graça. E isto de tal maneira que ninguém poderia praticar o menor ato de virtude cristã — nem sequer pronunciar com piedade os Santíssimos Nomes de Jesus e Maria — sem o auxílio sobrenatural da graça.

Tudo isto é de Fé, e quem o negasse seria herege. Nossa vontade coopera com a graça, e sem o concurso de nossa vontade não há virtude possível. Mas por si só, sem a graça, ela é absolutamente incapaz de praticar a virtude sobrenatural.

Ora, como sem virtude ninguém agrada a Deus nem se salva, sendo a graça necessária para a virtude, é fácil perceber que ela é necessária para a salvação.

Todos os homens recebem graças suficientes para se salvar. Também isto é de Fé. Mas, de fato, pela maldade humana que é imensa, muito poucos seriam os homens que se salvariam só com a graça suficiente. É preciso que a graça seja abundante para vencer a maldade do livre arbítrio humano. A abundância dessa graça, como obtê-la de Deus, justamente irado pelos pecados dos homens? Evidentemente com o tesouro da Igreja.

Mas, como vimos, esse tesouro se compõe de duas parcelas, uma das quais perfeita e imutável — a de Deus — e outra mutável e imperfeita, a dos homens. Quanto mais a parte humana do tesouro da Igreja for deficiente, tanto menos abundantes serão as graças. Quanto menos abundantes forem as graças, tanto menos numerosas serão as almas que se salvam. De onde decorre que um elemento capital para que as almas se salvem é que esteja sempre cheio de méritos produzidos pelos homens o tesouro da Igreja. Os grandes pecadores são filhos doentes para cuja cura se prodigalizam os tesouros da Igreja. Os grandes Santos são os filhos sadios e operosos, que repõem a todo momento, no tesouro da Igreja, riquezas novas que substituam as que se empregam com os pecadores.

Tudo isto nos permite estabelecer uma correlação: para grandes pecadores, grandes gastos no tesouro da Igreja. Ou estes grandes gastos são supridos por novos lances de generosidade de Deus e das almas santas, ou as graças se vão tornando menos abundantes, e o número de pecadores aumenta.

Daí se deduz que nada mais necessário, para a dilatação da Igreja, do que enriquecer sempre e sempre, seu tesouro sobrenatural, com novos méritos.

Santa Teresinha, no claustro do convento, 30 dias antes de sua morte


Evidentemente, podem-se adquirir méritos praticando a virtude por toda parte. Mas há, no jardim da Igreja, almas que Deus destina especialmente a este fim. São as que Ele chama à vida contemplativa, em conventos reclusos, onde certas almas de escol se dedicam especialmente em amar a Deus e a expiar pelos homens. Estas almas corajosamente pedem a Deus que lhes mande todas as provações que quiser, desde que com isso se salvem numerosos pecadores. Deus as flagela sem cessar, de um modo ou de outro, colhendo delas a flor da piedade e do sofrimento, para com estes méritos salvar novas almas.

O corpo da Santa exposto no coro do convento
Consagrar-se à vocação de vítima expiatória pelos pecadores: nada há de mais admirável. E isto tanto mais quanto muitos há que trabalham, muitos que rezam; mas quem tem a coragem de expiar?

Este é o sentido mais profundo da vocação dos Trapistas, das Franciscanas, Dominicanas e Carmelitas entre as quais floriu a suave e heróica Teresinha.

Seu método foi especial. Praticando a conformidade plena com a vontade de Deus, ela não pediu sofrimentos, nem os recusou. Deus fizesse dela o que entendesse. Jamais pediu a Deus ou a suas superioras que dela afastassem qualquer dor. Jamais pediu a Deus ou a suas superioras qualquer mortificação. Submissão plena era o seu caminho. E, em matéria de vida espiritual, plena submissão equivale à plena santificação.

Seu método se caracteriza ainda por outra nota importante. Santa Teresinha não praticou grandes mortificações físicas. Ela se limitou apenas simplesmente às prescrições de sua Regra. Mas esmerou-se em outro tipo de mortificação: fazer a toda hora, a todo instante, mil pequenos sacrifícios. Jamais a vontade própria. Jamais o cômodo, o deleitável. Sempre o contrário do que os sentidos pediam. E cada um destes pequenos sacrifícios era uma pequena moeda no tesouro da Igreja. Moeda pequena, sim, mas de ouro de lei: o valor de cada pequeno ato consistia no amor de Deus com que era feito.

E que amor meritório! Santa Teresinha não tinha visões, nem mesmo os movimentos sensíveis e naturais que tornam por vezes tão amena a piedade. Aridez interior absoluta, amor árido, mas admiravelmente ardente, da vontade dirigida pela Fé, aderindo firme e heroicamente a Deus, na atonia involuntária e irremediável da sensibilidade. Amor árido e eficaz, sinônimo, em vida de piedade, de amor perfeito...

Grande caminho, caminho simples. Não é simples fazer pequenos sacrifícios? Não é mais simples não ter visões, do que as ter? Não é mais simples aceitar os sacrifícios em lugar de os pedir?

Caminho simples, caminho para todos. A missão de Santa Teresinha foi de nos mostrar uma via em que pudéssemos todos trilhar. Oxalá ela nos auxilie a percorrer esta estrada real, que levará aos altares não apenas uma ou outra alma, mas legiões inteiras.

25 de abril de 2023

O SONHO E A GRANDEZA DA “PEQUENA” TERESA


Continuação do post de 24-4-2023

Na sua obra História de uma Alma — os manuscritos autobiográficos, considerados “best-sellers da espiritualidade cristã” —, Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face revela que ansiava ardentemente ser não “apenas” uma santa carmelita, mas, como num elevado voo de águia, ter a alma de um Profeta, Doutor da Igreja, Apóstolo, Cruzado, Sacerdote, Mártir etc., tudo ao mesmo tempo, para poder amar e se dedicar ainda mais a Deus.

Sua grandeza de alma era tal, que somente uma missão não  lhe bastava; gostaria de realizar todos os heroísmos de todos os santos, inclusive ser flagelada e crucificada como Jesus Cristo.

Ela comenta que tudo isso poderia ser “loucuras” ou “devaneios”, mas seu amor por Nosso Senhor era tão grande, que desejava ser muitíssimo mais.

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Nota: Pode parecer erro, mas no texto que segue optamos por manter a grafia e a pontuação exatamente como no livro citado no final*, que repete de modo exato, como nas páginas originais manuscritas por Santa Teresinha, inclusive com as palavras em itálico e/ou em maiúsculas conforme ela escreveu — de modo entusiasmado, mas muitas vezes apressadamente e esgotada.

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Santa Teresinha, no Carmelo,
 no papel de Santa Joana d’Arc,
 na obra de teatro escrita
por ela mesma
(“Récréation pieuse”). 

“Ó meu Bem-Amado! Esta graça [amor e gratidão] era apenas o prelúdio de graças maiores, ainda, com que querias cumular-me. Deixa-me, meu único Amor, t’as relembrar, hoje... Hoje, o sexto aniversário de nossa união... [profissão dos votos] Ah! Perdoa-me, Jesus, se devaneio, querendo repetir meus desejos, minhas esperanças que tocam o infinito. Perdoa-me e cura minh’alma, dando-lhe o que ela espera!!!

“Ser tua esposa, ó Jesus, ser carmelita, ser, por minha união contigo, a mãe das almas, isto deveria bastar-me... Não é assim... Estes três, privilégios, Carmelita, Esposa e Mãe são, sem dúvida, minha vocação. Entretanto, sinto em mim outras vocações. Sinto-me com a vocação de GUERREIRO, de PADRE, de APÓSTOLO, de DOUTOR, de MÁRTIR. Enfim, sinto a necessidade, o desejo de realizar por ti, Jesus, todas as obras mais heroicas... Sinto em minh’alma a coragem de um Cruzado, de um Zuavo pontifício. Quisera morrer sobre um campo de batalha pela defesa da Igreja...

“Sinto em mim a vocação de SACERDOTE. Com que amor, ó Jesus, eu te traria em minhas mãos, quando, à minha voz, tivesses descido do Céu... Com que amor te daria às almas!... Mas ah! embora desejando ser Sacerdote, admiro e invejo a humildade de S. Francisco de Assis, e sinto a vocação de imitá-lo, recusando a sublime dignidade do Sacerdócio.

“Ó Jesus! meu amor, minha vida... como aliar estes contrastes? Como realizar os desejos de minha pobre almazinha?...

“Ah! apesar de minha pequenez, quisera esclarecer as almas como os Profetas, os Doutores, tenho a vocação de ser Apóstolo... Quisera percorrer a terra, pregar teu nome e implantar no solo infiel tua Cruz gloriosa. Mas, ó meu Bem-Amado, uma só missão não me bastaria. Quisera, ao mesmo tempo, anunciar o Evangelho nas cinco partes do mundo e até nas ilhas mais afastadas... Quisera ser missionária, não somente durante alguns anos, mas quisera tê-lo sido desde a criação do mundo e sê-lo até a consumação dos séculos... Quisera, sobretudo, ó meu Bem-Amado Salvador, derramar meu sangue, por ti, até a última gota...

“O Martírio, eis o sonho de minha juventude. Este sonho de minha juventude. Este sonho cresceu comigo nos claustros do Carmelo... Sinto, todavia, que nisto ainda, meu sonho é uma loucura, pois não me limito a desejar um gênero de martírio... Para satisfazer-me precisaria de todos... Como tu, meu Esposo Adorado, quisera ser flagelada e crucificada... Quisera ser esfolada como S. Bartolomeu... Como S. João, ser mergulhada no azeite fervendo. Quisera sofrer todos os suplícios infligidos aos mártires... Como Sta. Inês e Sta. Cecília, quisera apresentar meu pescoço à espada e como Joana D´Arc, minha irmã, quisera, sobre a fogueira, murmurar teu nome, Ó JESUS...

“Evocando os tormentos que serão a partilha dos cristãos no tempo do Anticristo, meu coração exulta e quisera que estes tormentos me fossem reservados... Jesus, Jesus, se quisesse escrever todos os meus desejos, ser-me-ia preciso tomar o livro da vida, onde são relatadas as ações de todos os Santos e essas ações quisera tê-las realizado por ti...

“Ó meu Jesus! O que vais responder a todas as minhas loucuras?... Haverá uma alma mais pequenina, mais impotente do que a minha?... Entretanto, por causa mesmo de minha fraqueza, aprouve-te, Senhor, cumular meus pequenos desejos infantis, e hoje, queres realizar outros desejos, maiores que o universo...

“Na hora da oração, fazendo-me estes desejos sofrer um verdadeiro martírio, abri as epístolas de S. Paulo, a fim de procurar alguma resposta. Os cap. XII e XIII da primeira epístola aos Coríntios caíram-me sob os olhos... Li, no primeiro, que todos não podem ser apóstolos, profetas, doutores, etc... que a Igreja é composta de diferentes membros e que o olho não pode ser, ao mesmo tempo, a mão... [Cf. I Cor., XII, 12-29]. A resposta era clara, mas não satisfazia meus desejos, não me dava a paz... Como Madalena, inclinando-se, sempre, junto ao túmulo vazio, acabou por encontrar o que procurava, assim descendo até as profundezas de meu nada elevei-me tão alto que pude atingir meu fim... [São João da Cruz, Poesias: Segundo Cântico sobre um êxtase. Sem me desanimar, continuei a leitura e esta frase aliviou-me “Procurai com ardor os DONS MAIS PERFEITOS, mas vou mostrar-vos, ainda, uma via mais excelente.” [I Cor. XII, 31]. E o Apóstolo explica como os dons mais PERFEITOS nada são sem o AMOR... e que a Caridade é a VIA EXCELENTE que conduz, seguramente, a Deus.

“Encontrei, enfim, o repouso... Considerando o corpo místico da Igreja, não me reconheci em nenhum dos membros descritos por S. Paulo, ou antes, queria reconhecer-me em todos... A caridade deu-me a chave de minha vocação. Compreendi que se a Igreja tinha um corpo, composto de diferentes membros, não lhe faltava o mais necessário, o mais nobre de todos. Compreendi que a Igreja tinha um Coração, e que este Coração era ARDENTE DE AMOR. Compreendi que só o Amor fazia agir os membros da Igreja, e que se o Amor viesse a se extinguir, os Apóstolos não anunciariam mais o Evangelho, os Mártires recusariam derramar seu sangue... Compreendi que o AMOR ENCERRA TODAS AS VOCAÇÕES, QUE O AMOR É TUDO, ABRAÇA TODOS OS TEMPOS E TODOS OS LUGARES... NUMA PALAVRA, QUE ELE É ETERNO!”.

“No excesso de minha alegria delirante, exclamei então: ó Jesus, meu Amor... encontrei, enfim, minha vocação... MINHA VOCAÇÃO É O AMOR!

“Sim, encontrei meu lugar na Igreja, e este lugar, ó meu Deus, fostes Vós que m’o destes... No Coração da Igreja, minha Mãe, eu serei o Amor... assim serei tudo... assim será realizado meu sonho!!!.”

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* Santa Teresa do Menino Jesus, Manuscritos Autobiográficos. Tradução do Carmelo do Imaculado Coração de Maria e Santa Teresinha, Cotia, SP, 1960, pp. 244-247. 

24 de abril de 2023

SANTA TERESINHA: UM “FURACÃO DE GLÓRIA”



Fonte: Editorial da e Revista Catolicismo, Nº 868, Abril/2023

Neste “ano jubilar” comemoramos o sesquicentenário do nascimento (2 de janeiro de 1873) e o centenário da beatificação da santa carmelita de Lisieux, proclamada na Basílica de São Pedro em 29 de abril de 1923.

 

            O geral dos brasileiros dedica uma devoção e um carinho muito especiais àquela sobre a qual o Papa São Pio X se expressou como sendo a “maior santa dos tempos modernos”: Santa Teresinha do Menino Jesus.

            Incontáveis igrejas lhe são consagradas e praticamente não há uma que não tenha uma imagem dela. A primeira igreja construída no mundo em sua homenagem foi no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, em 1924; e o rico relicário confeccionado para guardar seus restos mortais — conhecido como “a urna do Brasil” — foi oferecido pelo nosso povo.

            Não é só no Brasil, mas no mundo inteiro, que a jovem carmelita francesa atrai pessoas que lhe tributam um carinho todo particular. Sem dúvida, ela é uma das santas mais conhecidas em todas as nações. As cidades de Alençon, onde ela nasceu, e a de Lisieux, onde viveu desde seus cinco anos de idade, recebem anualmente milhões de peregrinos.

            Ela prenunciou : “Hei de passar meu Céu fazendo o bem sobre a Terra” . E também : “Depois de minha morte, farei cair uma chuva de rosas”. Seus inúmeros devotos do mundo inteiro podem testemunhar que essas promessas se realizaram integralmente.

            Por que essa estrela de santidade emite tanta luz, atrai incontáveis legiões de fiéis devotos e indica-lhes o caminho da virtude?

           

Nosso leitor entenderá melhor na entrevista desta edição. Catolicismo entrevistou um dos especialistas em Santa Teresinha no Brasil, que desde jovem vem estudando a vida e a obra desse “furacão de glória. Estamos falando do advogado paulista Caio Vidigal Xavier da Silveira [foto], um dos discípulos mais antigos de Plinio Corrêa de Oliveira, grande divulgador da imortal santa. Residente há quatro décadas na França, Dr. Caio é presidente da TFP Francesa e da Fédération Pro Europa Christiana, bem como consultor de diversas associações que defendem os ideais da tradição, família e propriedade.

Santa Teresinha com oito anos 

“A CRIANÇA QUERIDA DO MUNDO INTEIRO”

 

Por que este ano de 2023 é tão importante para o senhor e demais devotos de Santa Teresinha?

Muito simples. Porque coincidem o sesquicentenário de seu nascimento em Alençon (no dia 2 de janeiro de 1873) e o centenário de sua beatificação, que teve lugar em Roma em 29 de abril de 1923.

 

Esses dois aniversários vão passar em branca nuvem, ou estão previstas celebrações especiais?

Imagine se os milhões de devotos no mundo iriam permitir que datas tão importantes passassem sob silêncio!

De fato, a diocese de Sées — na qual Teresa Martin nasceu e foi batizada (é nessa diocese que se situa Alençon) — e a diocese de Bayeux-Lisieux, onde está o Carmelo no qual a Irmã Teresa do Menino Jesus faleceu, decretaram um ano jubilar, concedendo graças especiais aos que visitarem os santuários e os lugares onde transcorreu sua vida. Na festa da Epifania, ou seja, em 8 de janeiro passado, foram abertas simultaneamente a porta santa da Basílica de Alençon, pelo Núncio apostólico em Paris, e a da Basílica de Lisieux, pelo bispo de Bayeux.

Inédito, porém, foi o fato de a assembleia da Unesco — entidade da ONU para a cultura, habitualmente subversiva —, acolher o pedido do santuário de Lisieux com o apoio da França, Bélgica e Itália, e incluir Santa Teresinha na lista mundial de apenas 60 personalidades cujos aniversários merecem ser festejados. O engenheiro Gustavo Eiffel, construtor a famosa torre metálica de Paris, foi o único francês a compartilhar com Santa Teresinha essa honra nas efemérides de 2023.

Até as tubas espúrias da Unesco se viram forçadas a reconhecerem a realidade da expressão do Papa Pio XI de que “um furacão de glória” rodeara aquela que ele canonizou, a qual já era naqueles anos de 1925 “l´enfant chérie du monde entier” (a criança querida do mundo inteiro).

 

Beneficiarão desse jubileu somente os que peregrinarem a Alençon ou Lisieux?

Os peregrinos recebem evidentemente graças especiais. Mas todos podem beneficiar-se do jubileu. Ao propor um ano jubilar de um santo à veneração dos fiéis, a Igreja atrai o olhar dos católicos para a vida e a santidade desse santo. É, portanto, uma ocasião de ouro para reler os escritos de Santa Teresinha e impregnar-se da espiritualidade da “pequena via”. Cumpre não esquecer que decorridos 100 anos de sua morte — ou seja, em 1997 — ela foi proclamada nem mais nem menos Doutora da Igreja!

 

Se a “pequena Teresa” morreu em 1897 e foi beatificada em 1923, isso quer dizer que entre um acontecimento e outro se passaram apenas 26 anos...

Efetivamente, a beatificação e a canonização de Santa Teresinha foram as mais rápidas da história, desde que os processos foram codificados por Urbano VIII. Esse Papa do século XVII regulamentou muito estritamente os processos de canonização e uma das suas disposições foi de que era necessário esperar 50 anos após a morte de alguém — “em odor de santidade”, como se dizia — para que pudesse ser aberto o processo canônico. Santa Teresinha foi dispensada dessa regra. Ela foi beatificada 26 anos depois da morte e canonizada apenas dois anos depois, ou seja, 28 anos após seu falecimento. O que torna seu caso inteiramente excepcional.

 

A celeridade dos dois processos não implicou o risco de uma certa precipitação?

Santa Teresinha foi canonizada pelo Papa Pio XI,
 em 17 de maio de 1925
Quem se interessou primeiro pela vida e pelos escritos de nossa pequena carmelita de Lisieux foi o Papa São Pio X. Como é sabido, foi ele quem introduziu na Igreja a prática da comunhão das crianças e a reintrodução da comunhão frequente, que tinha sido progressivamente abandonada por uma má influência dos jansenistas, para os quais ninguém é suficientemente digno de receber a comunhão.

Acontece que caiu nas mãos desse santo Pontífice uma carta de Santa Teresinha à sua prima Maria Guérin — pouco antes de esta entrar no Carmelo, onde tomou o nome de Soror Maria da Eucaristia. Ela, aliás, como noviça, ficou sob a direção direta de Santa Teresinha, que tinha sido nomeada Mestra das noviças.

Maria Guérin lhe escrevia dizendo que tinha escrúpulos de comungar porque, numa estadia em Paris, havia visitado museus com estátuas e quadros com figuras nuas. Santa Teresinha respondeu-lhe nessa carta (LT 92 de 30 de maio de 1889), que ficou famosa, dizendo: “Você fez bem de me escrever […], você não praticou nem a sombra do mal, eu sei bem o que são estes tipos de tentação […] oh minha querida, pense que Jesus lá está no tabernáculo expressamente para você […], va, não ouça o demônio, debique dele, e va sem receio receber Jesus”. E São Pio X, lendo-a, disse que era preciso apressar o processo para proclamar sua santidade. Essa carta pesou muito no espírito de São Pio X, que a considerou um sinal para conceder aos fiéis a possibilidade da comunhão frequente, e até mesmo diária.

 

Mas como essa carta chegou providencialmente até São Pio X?

Tudo começou com a publicação da História de uma alma. Como é sabido, trata-se de três manuscritos autobiográficos deixados por Santa Teresinha. O primeiro era dirigido à sua irmã Paulina — a pessoa mais importante da família, obviamente após seus pais Louis e Zelie Martin, hoje santos. Paulina foi religiosa e depois priora do Carmelo de Lisieux, com o nome de Mère Agnès. O segundo manuscrito foi endereçado à Madre Marie-de-Gonzague, que foi priora em várias ocasiões. E o terceiro, que é a parte mais bela, impressionante e sublime dos seus manuscritos, é uma carta à sua irmã Maria, também religiosa no mesmo Carmelo.

É nessa carta que está aquele trecho fenomenal em que Santa Teresinha diz que quereria ser sacerdote, mas, ao mesmo tempo, como São Francisco, não ser sacerdote por humildade; que quereria ser mártir, mas não apenas de um tipo, senão de todos os martírios possíveis, no óleo ardente, como São João Evangelista, e mais esse e outro etc. E assim vai, dizendo todas as formas de santidade possíveis. [O texto completo postaremos amanhã].

A História de uma alma foi publicada por Mère Agnès de Jesus durante um de seus priorados. Ela quis fazê-lo um ano depois da morte de Santa Teresinha, sob a forma de uma circular necrológica que as carmelitas costumam escrever para ser distribuída entre os Carmelos, pedindo orações pela carmelita falecida.

Era extremamente ousado, pois não se tratava apenas de uma pequena nota biográfica, mas de um livro grosso e autobiográfico. Mas Santa Teresinha já tinha se dado conta do bem que esses manuscritos poderiam fazer. Um dia, ela comentou: “O mundo inteiro me amará!”. E, em seu leito de morte, com segurança, disse à Mère Agnès: “Será preciso publicar o manuscrito [História de Uma Alma] sem nenhum atraso após a minha morte; se retardeis […] o demônio vos lançará mil armadilhas para impedir esta publicação no entanto bem importante […]; para minha missão, como para a de Sta. Joanna D’Arc, a vontade de Deus se realizará apesar da inveja dos homens”. Mère Agnès insiste se é pelos manuscritos que ela fará bem às almas, a que ela responde: “Sim, é o meio que Deus se servirá para me atender; eles farão bem a toda espécie de almas, exceto àqueles que são das vias extraordinárias” (Oeuvres Complétes de Thérèse de Lisieux, Cerf DDB, 1992, p. 60)

Então, um ano após o falecimento de Santa Teresinha, suas irmãs mandaram imprimir uma primeira edição de dois mil exemplares. Mas como temiam um fracasso editorial total, elas pediram ao tio, Monsieur Guérin, que tinha posses, para financiar a edição. Aconteceu o contrário: os dois mil exemplares se esgotaram rapidamente e elas tiveram que fazer uma segunda edição de quatro mil exemplares.

Hoje em dia, a História de uma alma já foi traduzida em mais de 50 línguas e calcula-se que suas edições ultrapassaram os 500 milhões de exemplares. Um livro comum dificilmente atingirá esta quantidade. Um artigo recente do jornal “La Croix” colocava os manuscritos autobiográficos de Santa Teresinha entre os “best-sellers da espiritualidade cristã”, após a Bíblia e a Imitação de Cristo, mas concorrendo com as Confissões de Santo Agostinho e a Introdução à vida devota de São Francisco de Sales.

Em todo caso, foi assim que os escritos de Santa Teresinha se tornaram populares nos meios católicos do começo do século XX, a ponto de uma carta dela acabar chegando até a mesa de trabalho de São Pio X. 

Caderno com escritos de Santa Teresinha 

Mas como São Pio X não tardou em morrer, como seu desejo de acelerar o processo foi retomado depois, nos pontificados de Bento XV e Pio XI?

Pela popularidade de Santa Teresinha como santa taumaturga, que operava muitos milagres.

Isso se deu por um fato interessante. No fim do século XIX, os governos anticatólicos promulgaram leis laicistas, como a de impedir a sepultura nas igrejas ou em cemitérios privados, sob o pretexto de higiene pública. Essas novas disposições impediram às carmelitas de continuar o costume de serem enterradas no pequeno cemitério do próprio convento. E Santa Teresinha foi a primeira “vítima” dessa lei. Ela não pôde ser enterrada no Carmelo, como as outras freiras falecidas anteriormente, mas no cemitério da cidade.

Como era um cemitério público, as pessoas podiam ir até o jazigo onde repousava seu corpo, para pedir a sua intercessão. Começaram logo os milagres no seu túmulo, com o que ela foi ficando cada vez mais conhecida. Um dos milagres mais estrondosos se deu logo no início do século XX.

 

Poderia resumir como se operou tal milagre?

Primeiro túmulo da Santa,
no cemitério de Lisieux
Havia em Lisieux uma mendiga que tinha um filho cego. O menino estava sempre com ela para pedir esmolas, certamente a fim de apiedar as pessoas e aumentar o número de ajudas que ela recebia. Por causa disso, o menino cego era conhecidíssimo na cidade, que na época era um centro industrial com uma importância econômica muito maior do que hoje em dia. Essa mendiga foi com seu filho ao túmulo da santa carmelita e o menino subitamente começou a enxergar. Imaginem como essa notícia percorreu a cidade, e aí começou uma grande devoção, pela fama de santa taumaturga que fazia milagres.

Disso resultou uma peregrinação imensa na cidade. Tão grande, que certo número de taxis da época — evidentemente puxados a cavalo — dedicaram-se exclusivamente a ir da estação de trem até o cemitério, distante a uns dois quilômetros, levando e trazendo de volta os peregrinos. Milhões de peregrinos vindos de toda a França e até do exterior iam lá de trem, atraídos pelo número enorme de milagres, o que evidentemente aumentava ainda mais a fama de taumaturga da Irmã Teresinha de Jesus.

Se não fosse a citada lei laicista, que provocou seu sepultamento fora do convento, ela provavelmente hoje não seria conhecida, e sua santidade poderia ficar reservada para o conhecimento da humanidade inteira somente no dia do Juízo Final. Mas ocorreu o contrário e com isso Santa Teresinha pode fazer todo o apostolado que faz até hoje.

Ou seja, a mão de Deus estava atrás daquelas leis anticatólicas, as quais a Providência fez voltar contra os próprios revolucionários: “Qui habitat in coelis irridebit eos” (Aquele que habita nos Céus se rirá deles – Ps 2,4).

 

Existe algum registro dessa epopeia de milagres?

  Exumação do corpo,
em 26 de março de 1923
No início do século XX, o Carmelo de Lisieux recebia cerca de 50 cartas por dia para testemunhar as curas e milagres atribuídos à jovem freira. Esse número chegou a 500 durante a Primeira Guerra Mundial, enviadas majoritariamente por soldados — os famosos poilus que defenderam corajosamente a França — que pediam a sua intercessão e agradeciam pela ajuda recebida: foram eles os maiores promotores da popularidade da Irmã Teresa do Menino Jesus.

Há no Carmelo de Lisieux uma publicação chamada “Chuva de rosas”, publicada desde 1907 até 1926, em dez volumes, sete dos quais são cronológicos, dois temáticos e um oferece um florilégio de relatos. Eram livros grossos com a transcrição de milagres ocorridos com pessoas que escreveram às carmelitas contando graças espirituais ou curas, enfim, toda sorte de benefícios. A seriedade dessas cartas era verificada, fazendo uma breve investigação a respeito da credibilidade dos remetentes e da veracidade dos fatos, na própria aldeia ou grande cidade de onde vinha a carta. Portanto, os relatos selecionados para a publicação podem ser considerados absolutamente sérios, podendo se ter certeza quase absoluta de que aqueles fatos se passaram da maneira descrita.

No início, foram publicados quatro volumes, cobrindo de 1907 a 1913, e depois foram acrescentados mais seis volumes. A interrupção da publicação deveu-se ao fato de que, nesse ano de 1914, teve início processo de beatificação dela em Roma, bem no fim do pontificado de São Pio X. A Sagrada Congregação dos Ritos, que nessa época se encarregava das canonizações, proibiu o prosseguimento da publicação, a fim de não interferir no processo em curso. O quinto volume apareceu em 1920, com autorização de Roma, contendo todas as conversões e milagres durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), com exceção dos milagres apresentados pelo promotor para fazer avançar a causa de beatificação. E ainda apareceram outros volumes até 1926.

No total, os dez volumes transcrevem 3.200 dessas cartas com relatos de milagres. Mas calcula-se que, entre 1898 — data da publicação da História de uma alma e a canonização em 1925, os milagres verificados e credíveis ascendem, na realidade, aos oito mil. O que implica, em média, um milagre de Santa Teresinha por dia!

 

Peregrinação de militares ao túmulo de Santa Teresinha, em 1913

À vista do que o senhor conta, compreende-se melhor por que Pio XI fez a beatificação apenas um ano após ser eleito Papa...

De fato, Bento XV já tinha promulgado o decreto reconhecendo a heroicidade das virtudes em 14 de agosto de 1921. Apenas sete meses mais tarde, pelo decreto Di Tuto, datado de 19 de março de 1923, o Papa Pio XI declarou que era seguro proceder à beatificação da Venerável Teresa do Menino Jesus, fixando a cerimônia para 29 de abril seguinte. A cerimônia de beatificação, cujo centenário se celebra este mês, ocorreu solenemente na Basílica de São Pedro, em Roma, para alegria dos protegidos de Teresa.

Muito apropriada foi a oração rezada após a beatificação: “Ó bem-aventurada ‘pequena Teresa’, usai agora mais do que nunca de vosso poderoso crédito diante de Deus, em favor daqueles que vos amam! Glorificando-vos, nós o sabemos, a Igreja convida-nos a percorrer este caminho de infância espiritual que Ele outrora veio revelar ao mundo e cujo rastro trilhastes luminosamente. Atraí, pois, todas as almas à humildade, com o perfume dos vossos doces perfumes, e conduzi-as, simples e confiantes, aos braços do seu Pai Celestial”.

Como já disse, Santa Teresinha foi canonizada apenas dois anos mais tarde, pelo mesmo Pio XI. E tanto a beatificação quanto a canonização foram as primeiras realizadas no seu pontificado. É por isso que ele sempre a chamava “a estrela do meu pontificado”.

 

As relíquias de Santa Teresinha na catedral de São Sebastião, em Bacolod, Filipinas

imaginamos que isso contribuiu para a difusão da devoção à pequena santa de Lisieux.

É claro. E começaram a ser edificadas igrejas e capelas sob a sua invocação, ou a serem colocados altares e imagens no interior das demais. O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira fazia notar, já nos anos 1960, que praticamente não havia igreja onde não houvesse uma imagem de Santa Teresinha. Da mesma maneira que em todas as igrejas há sempre uma imagem de Nossa Senhora, em quase todas as igrejas há uma imagem de Santa Teresinha. Mas isso, no mundo inteiro. O que é impressionante e mostra a repercussão da santidade dela, por vontade de Deus [à respeito, recomendamos a leitura do artigo que postaremos no próximo dia 26].

 

Qual é, na sua opinião, a principal mensagem que ela nos deixou?

Creio ser aquela que o Prof. Plinio colheu na leitura da História de uma alma e que se pode ler no livro que foi publicado com ocasião do 25° aniversário de seu falecimento, intitulado Meu Itinerário espiritual.

Ele conta que, mesmo depois de ingressar nas Congregações Marianas, tinha a ideia de que os santos são uma raridade, e de que era apenas um ou outro homem que Deus escolhia para ser santo, mas não o geral dos homens. E que, portanto, ele também não era chamado a ser santo e não tinha razão nenhuma de ser santo.

Com a leitura dos manuscritos de Santa Teresinha, Dr. Plinio viu que isso não era assim. E, além do mais, ficou entendendo que a santidade não era como certas representações românticas de um homem com um livro na mão olhando absorto para uma imagem. Ele viu que a santidade não é apenas um estado emocional, mas um programa de vida, um ideal accessível a todos os que respondem generosamente aos convites da graça.

A “pequena via” é, aliás, um caminho espiritual muito adaptado à humanidade de hoje, que tem muito menos personalidade e força de vontade do que as gerações dos séculos anteriores. Com um grande amor de Deus, da Igreja, da Cristandade, mas fazendo os pequenos sacrifícios quotidianos que a fidelidade a eles exige, especialmente nos nossos dias tormentosos, é possível alcançar um alto grau de santidade.

 

Passou a ficar mais fácil ser santo?

Não se trata de um caminho de facilidade. O espírito da infância espiritual da “pequena via” implica o sacrifício mais difícil para o orgulho humano, porque é a negação total de si mesmo. O Papa Bento XV disse que ela “exclui o orgulho de si mesmo, a presunção de chegar a um fim sobrenatural por meios humanos, a falaciosa pretensão de, em tempos de perigo e tentação, bastar-se por si mesmo. Supõe uma fé viva na existência de Deus, uma homenagem prática ao seu poder e à sua misericórdia, um recurso confiante à Providência d'Aquele que nos concede a graça de evitar todo o mal e fazer todo o bem”. Todo um programa de vida...

É preciso, aliás, não esquecer que, após tomar conhecimento vida de Santa Teresinha e da espiritualidade de “pequena via”, São Pio X comentou: “É a maior santa dos tempos modernos”. E Dr. Plinio glosava esse comentário dizendo que os tempos modernos correspondiam ao período que vai do século XV até hoje...

 

Uma última pergunta, indiscreta: Qual é a fotografia de Santa Teresinha de que o senhor mais gosta?

É a fotografia dela com véu de noviça, em pé, abraçando a cruz que há no pátio interior do Carmelo. A freira que era sua professora no colégio das Beneditinas de Lisieux [foto ao lado], onde Santa Teresinha estudou, disse que aquela foto era a de que mais gostava, porque nela aparecia o sorriso que ela sempre tinha e que em nenhuma das outras fotos aparece.