24 de outubro de 2014

Segundo Turno das Eleições — algumas considerações

Paulo Roberto Campos

Leia a frase abaixo prezado leitor, mas, por favor, sem verificar a fonte (que consta no final do artigo), pois desejo que responda a uma pergunta sem ser influenciado pelo nome do autor.
“A injustiça desanima o trabalho, a honestidade, o bem; cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações que vêm nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte, promove a desonestidade, promove a venalidade, promove a relaxação, insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as suas formas. 
De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”.(*) 
Não é verdade que estas considerações servem como luvas para as mãos de nossos atuais governantes? 

Nossos jornais — que em tempos de normalidade deveriam noticiar os grandes feitos do Brasil para conhecimento nosso e dos povos do mundo inteiro — hoje mais parecem páginas policiais que nos envergonham diante de nossos filhos e das nações. 

Vemos o aparelhamento do Estado em proveito não apenas de alguns bolsos insaciáveis, mas para favorecer a dissolução dos bons costumes, a desagregação da família, a perseguição religiosa e para lançar o País numa luta de classes e de raças de brasileiros contra brasileiros, de negros contra brancos, de empregados contra patrões, de alunos contra professores, de filhos contra pais. 

Exemplo disso é o bolivariano Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), aprovado por Lula da Silva no final de 2009, e que o governo pretende aplicar inteiramente caso vença as próximas eleições. Assim como a aplicação do ditatorial “Decreto 8.243″ — assinado por Dilma Rousseff no dia 23 de maio p.p. —, que subjugará País a um sistema bolivariano de governo, com o estabelecimento de “conselhos populares”, no mesmo estilo dos soviets oriundos da antiga URSS. 

Em meados do ano passado, tivemos a impressão de que a sociedade brasileira tinha por fim resolvido reagir contra a sovietização do País e a tantos outros escândalos. O “gigante pela própria natureza” parecia despertar… Foram as gigantescas manifestações de rua, que trouxeram a tantos de nós a esperança de uma mudança real no Brasil. Mas, infelizmente, parece que o sono voltou e o gigante dormiu… Será? Espero que eu esteja enganado e que ele resolva dar um basta a tantas mazelas que nos têm envergonhado. Assim, o País poderá tomar um rumo novo em direção à grandiosa vocação que a Providência Divina destinou a esta Terra de Santa Cruz.

A propósito das presentes considerações, sugiro a leitura do judicioso manifesto intitulado Eleição presidencial: o Brasil ante o perigo esquerdista e o vácuo político. Ele foi publicado pelo Instituto Plinio Corrêa de Oliveira (www.ipco.org.br) em razão do segundo turno das eleições, no próximo dia 26.
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(*) Discurso de Ruy Barbosa, em 1914, no Senado Federal. Ruy Barbosa, Obras Completas, Vol. XVI tomo VI, pág. 187.

17 de outubro de 2014

O Sínodo da Família e a Revolução da Sorbonne de Maio de 68

Paulo Roberto Campos

No dia 15 do corrente mês de outubro, “Il Foglio” [fac-símile ao lado], diário italiano especializado em temas relacionados com o Vaticano, publicou uma importante matéria do Prof. Roberto de Mattei sobre o Sínodo da Família — tema de especial atenção dos leitores deste blog, dedicado a tratar particularmente das questões que afetam a instituição familiar em nossos dias.

Conceituado historiador, professor de História da Igreja e do Cristianismo na Universidade Europeia de Roma, Roberto de Mattei publicou em 2010 o famoso livro O Concílio Vaticano II – uma história nunca escrita.

Na matéria para “Il Foglio”, ele analisa as afirmações contidas no documento de autoria do Cardeal húngaro Péter Erdö, relator do Sínodo da Família, as quais foram divulgadas pela mídia do mundo inteiro no dia 13 p.p.

Por exemplo, a de que “as pessoas homossexuais têm dons e qualidades para oferecer à comunidade cristã.” E ainda outras, que igualmente colidem com o ensinamento do magistério tradicional da Igreja, relativas à comunhão aos recasados, à nulidade de casamentos, ao divórcio, aos métodos contraceptivos, às relações extraconjugais, à adoção de filhos por duplas de homossexuais, etc.

Tais afirmações, que causaram muita perplexidade, confusão e escândalo em incontáveis almas católicas, tampouco coadunam com as admiráveis e inequívocas afirmações de São Paulo Apóstolo, em carta aos Coríntios (6,9): “Nem os impuros, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os difamadores, nem os salteadores hão de herdar o reino de Deus”. 

O renomado escritor italiano faz uma correlação entre o mencionado relatório e a revolução anárquica da Sorbonne, de maio de 1968, cujo lema era “É proibido proibir”. Ou seja, tudo é permitido, inclusive o pecado; nada é condenável, inclusive os atos imorais. 

Bem sabemos que o confuso e perplexitante relatório é um rascunho e não um documento final e oficial do Sínodo da Família. Contudo, não deixa de ser grave sua divulgação e inaceitável seu conteúdo, pois contradiz a doutrina tradicional, indefectível e inalterável, da Igreja. Foi, aliás, o que declarou o líder da conferência dos bispos poloneses, o Cardeal Stanislaw Gadecki, que caracterizou o documento de “inaceitável”, pois “desvia dos ensinamentos da Igreja”.

Rezemos para que o documento final daquela assembleia (que se encerrará no próximo dia 19) seja INTEIRAMENTE conforme à imaculada doutrina sempre ensinada pela Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Um documento que não contenha concessões ao espírito do mundo neopagão dominado pela corrupção moral. Diante desse mundo, a nossa posição deve ser a de seguir o conselho de São Paulo Apóstolo: “Permanecei, pois, constantes, irmãos, e conservai as tradições que aprendestes, ou por nossas palavras, ou por nossa carta” (Segunda Epístola aos Tessalonicenses, 2, 15).

Com esta breve introdução, recomendo vivamente a leitura da matéria do Prof. Roberto de Mattei. O texto que segue foi traduzido por Hélio Dias Viana.

Resistir à tendência herética. O relatório do Cardeal Erdö elimina com um só golpe o pecado e a lei natural 

Roberto de Mattei 
Il Foglio, 15-10-2014 

Eliminado o sentido do pecado; abolidos os conceitos de bem e de mal; suprimida a lei natural; arquivada qualquer referência a valores positivos como virgindade e castidade. Com o relatório apresentado em 13 de outubro de 2014 no Sínodo sobre a família pelo Cardeal Péter Erdö, a revolução sexual irrompe oficialmente na Igreja, com consequências devastadoras para as almas e a sociedade. 

A Relatio post disceptationem elaborada pelo Cardeal Erdö é o relatório resumitivo da primeira semana de trabalhos do Sínodo e aquele que orienta as suas conclusões. A primeira parte do documento pretende impor, com uma linguagem derivada do pior ‘Sessenta e oito’ [NdT: Revolução anarquista da Sorbonne, de maio de 1968], a “mudança antropológico-cultural” da sociedade como um “desafio” para a Igreja. Diante de um quadro que da poligamia e do “casamento por etapas” africanos chega à “prática da convivência” da sociedade ocidental, o relatório encontra a existência de “um difuso desejo de família”. Nenhum elemento de avaliação moral está presente. À ameaça do individualismo e do egoísmo individualista o texto contrapõe o aspecto positivo da “relacionalidade”, considerada um bem em si, sobretudo quando tende a transformar-se em relação estável (nos. 9-10). 

A Igreja renuncia a emitir juízos de valor para limitar-se a “dizer uma palavra de esperança e de sentido” (no. 11). Afirma-se em seguida um novo surpreendente princípio moral, a “lei da gradualidade”, que permite colher os elementos positivos em todas as situações até agora definidas como pecadoras pela Igreja. O mal e o pecado propriamente não existem. Existem apenas “formas imperfeitas de bem” (no. 18), segundo uma doutrina dos “graus de comunhão” atribuída ao Concílio Vaticano II. “Tornando-se portanto necessário um discernimento espiritual em relação às coabitações, aos matrimônios civis e aos divorciados recasados, compete à Igreja reconhecer que a semente do Verbo se espalhou além das fronteiras visíveis e sacramentais” (no. 20).

O problema dos divorciados recasados é um pretexto para fazer passar um princípio que mina dois mil anos de moral e de fé católica. Após a Gaudium et Spes, “a Igreja se volta com respeito para aqueles que participam em sua vida de modo incompleto e imperfeito, prezando mais os valores positivos que guardam, do que as limitações e as faltas” (ibidem). Isso significa que cai todo o tipo de condenação moral, porque qualquer pecado passa a constituir uma forma imperfeita de bem, um modo incompleto de participar na vida da Igreja. “Nesse sentido, uma nova dimensão da pastoral familiar hodierna consiste em entender a realidade dos casamentos civis e, feitas as devidas diferenças, também das coabitações” (no. 22).

E isso sobretudo “quando a união alcança uma notória estabilidade através de um vínculo público, e caracteriza-se por profunda afeição, de responsabilidade em relação à prole, da capacidade de resistir nas provas” (ibid). Com isso fica de cabeça para baixo a doutrina da Igreja segundo a qual a estabilização no pecado através do casamento civil constitui um pecado mais grave do que a união sexual ocasional e passageira, porque esta última permite com mais facilidade o retorno ao caminho certo. “Uma sensibilidade nova na pastoral hodierna consiste em entender a realidade positiva dos casamentos civis e, feitas as devidas diferenças, também das coabitações” (no. 36).

A nova pastoral impõe, portanto, o silêncio sobre o mal, renunciando à conversão do pecador e aceitando o status quo como irreversível. São estas que o relatório chama de “opções pastorais corajosas” (ponto 40). A coragem, ao que parece, não está em opor-se ao mal, mas em adaptar-se a ele. As passagens dedicadas ao acolhimento às pessoas homossexuais são as que pareceriam mais escandalosas, mas constituem a consequência lógica dos princípios acima expostos. Até o homem da rua compreende que se ao divorciado recasado é possível aproximar-se dos sacramentos, tudo é permitido, a começar pelo pseudo casamento homossexual.

Nunca, realmente nunca, sublinha Marco Politi no “Il Fatto” de 14 de outubro, ele tinha lido, em um documento oficial produzido pela hierarquia eclesiástica, uma frase do gênero: “As pessoas homossexuais têm dons e qualidades para oferecer à comunidade cristã.” Seguida de uma pergunta dirigida aos bispos do mundo inteiro: “estamos em condições de acolher essas pessoas, garantindo-lhes um espaço de fraternidade em nossas comunidades?” (no. 50). Embora não equiparando as uniões entre pessoas do mesmo sexo ao casamento entre homem e mulher, a Igreja se propõe “elaborar maneiras realistas de crescimento afetivo e de maturidade humana e evangélica integrando a dimensão sexual” (no. 51). “Sem negar os problemas morais conexos às uniões homossexuais, nota-se que há casos em que o suporte mútuo com vistas ao sacrifício constitui um apoio precioso para a vida dos parceiros” (no. 52).

Nenhuma objeção de princípio vem expressa em relação à adoção de crianças por duplas homossexuais: aqui limita-se a dizer que “a Igreja tem uma atenção especial para com as crianças que vivem com casais do mesmo sexo, insistindo que em primeiro lugar são colocados sempre as exigências e os direitos dos pequenos” (ibid). Na conferência de imprensa de apresentação, Mons. Bruno Forte chegou a auspiciar “uma codificação dos direitos que podem ser assegurados às pessoas que vivem em uniões homossexuais”.

As palavras fulminantes de São Paulo segundo as quais “nem os impuros, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os difamadores, nem os salteadores hão de herdar o reino de Deus” (I Carta aos Coríntios, 6, 9) ficam esvaziadas de sentido para os malabaristas da nova moralidade pansexual. Para eles é necessário entender a realidade positiva daquele que foi chamado de pecado que clama ao Céu por vingança (Catecismo de São Pio X). A “moral da proibição” deve ser substituída pela do diálogo e da misericórdia, e o slogan de 68, “é proibido proibir”, é atualizado pela fórmula pastoral segundo a qual “nada se pode condenar”. 

Não caem apenas dois mandamentos, o sexto e o nono, que proíbem pensamentos e atos impuros fora do casamento, mas desaparece a ideia de uma ordem natural e divina objetiva sintetizada no Decálogo. Não existem atos intrinsecamente ilícitos, verdades e valores morais pelos quais se deve estar disposto a dar até a vida, como os define a encíclica Veritatis Splendor (no. 51 e no. 94). No banco dos réus não estão apenas a Veritatis Splendor e os recentes pronunciamentos da Congregação para a Doutrina da Fé em matéria de moralidade sexual, mas o próprio Concílio de Trento que formulou dogmaticamente a natureza dos sete sacramentos, a começar pela Eucaristia e pelo Matrimônio.

Tudo começa em outubro de 2013, quando o Papa Francisco, após ter anunciado a convocação dos dois sínodos sobre a família, o ordinário e o extraordinário, promove um “Questionário” dirigido aos bispos de todo o mundo. O uso enganoso de pesquisas e questionários é bem conhecido. A opinião pública julga que uma escolha é justa quando feita pela maioria das pessoas. E as sondagens atribuem a essa maioria, opiniões já predeterminadas pelos manipuladores do consenso. O questionário desejado pelo Papa Francisco abordou os temas mais prementes, da contracepção à comunhão aos divorciados, das uniões de fato aos casamentos entre homossexuais, mais com o objetivo de orientação que de informação.

A primeira resposta, publicada em 3 de fevereiro pela Conferência Episcopal alemã (“Il Regno Documenti”, 5 [2014], pp. 162-172), foi claramente anunciada para condicionar a preparação do Sínodo e sobretudo para oferecer ao cardeal Kasper a base sociológica de que precisava para a preleção ao Consistório que o Papa Francisco lhe havia confiado. O que de fato emergiu foi a recusa explícita dos católicos alemães “às pretensões da Igreja sobre as relações sexuais pré-maritais, a homossexualidade, os divorciados recasados e o controle da natalidade” (p. 163). “As respostas recebidas das dioceses — dizia-se ainda — deixam entrever quão grande é a distância entre os batizados e a doutrina oficial, sobretudo no que diz respeito à convivência pré-matrimonial, ao controle de natalidade e à homossexualidade” (p. 172).

Esta distância não vinha apresentada como uma separação dos católicos em relação ao Magistério da Igreja, mas como uma incapacidade da Igreja em compreender e secundar o curso dos tempos. O cardeal Kasper, em sua exposição ao Consistório de 20 de fevereiro, definirá tal distância de um “abismo” que a Igreja deveria ter preenchido adaptando-se à prática da imoralidade.

De acordo com um dos seguidores do cardeal Kasper, o sacerdote genovês João Cereti, conhecido por um estudo tendencioso sobre o divórcio na Igreja primitiva, o questionário foi promovido pelo Papa Francisco, a fim de evitar que o debate ocorresse “em ambientes confinados” (“Il Regno-Attualità” 6 [3014], p. 158). Mas se é verdade que o Papa desejava que a discussão se desenvolvesse de forma transparente, não se compreende a decisão de realizar o Consistório extraordinário de fevereiro e, em seguida, o Sínodo de outubro a portas fechadas. O único texto de que se teve conhecimento, graças ao “Foglio”, foi a exposição do Cardeal Kasper. Em seguida baixou o silêncio sobre os trabalhos.

Em seu Diário do Concílio, em 10 de novembro de 1962, o Padre Chenu anota estas palavras do padre Giuseppe Dossetti, um dos principais estrategistas da frente progressista: “A batalha eficaz se joga no regulamento. É sempre por esta via que eu ganhei”. Nas assembleias, o processo decisório não pertence à maioria, mas à minoria que controla o regulamento. Não existe democracia na sociedade política nem na religiosa. A democracia na Igreja, observou o filósofo Marcel De Corte, é cesarismo eclesiástico, o pior de todos os regimes. No processo sinodal em curso a existência deste cesarismo eclesiástico é demonstrada pela pesada atmosfera de censura que o acompanhou até hoje.

Os vaticanistas mais cuidadosos, como Sandro Magister e Marco Tosatti, sublinharam que, ao contrário dos Sínodos precedentes, neste foi proibido aos padres sinodais de intervir. Magister, recordando a distinção feita por Bento XVI entre o Vaticano II “real” e o “virtual” que se lhe sobrepôs, falou de uma “divisão entre sínodo real e sínodo virtual, este último construído pela mídia com a sistemática ênfase às coisas caras ao espírito do tempo”. Hoje, no entanto, são os próprios textos do Sínodo que se impõem com a sua força explosiva, sem a possibilidade de deturpações pelos meios de comunicação, que se têm mostrado até mesmo espantados com o poder explosivo do Relatório do cardeal Erdö.

Naturalmente este documento não tem qualquer valor magisterial. É também lícito duvidar que ele reflita o verdadeiro pensamento dos Padres sinodais. Contudo, a Relatio prenuncia a Relatio Synodi, o documento final da assembleia dos bispos.

O verdadeiro problema que agora se porá é o da resistência, anunciado no livro Permanere nella Verità di Cristo [Permanecer na Verdade de Cristo], dos cardeais Brandmüller, Burke, Caffarra, De Paolis e Müller (Cantagalli 2014). O cardeal Burke, em sua entrevista com Alessandro Gnocchi no “Foglio” de 14 de outubro, afirmou que eventuais mudanças na doutrina ou na prática da Igreja pelo Papa seriam inaceitáveis, “porque o Papa é o Vigário de Cristo na Terra e, por conseguinte, o primeiro servo da verdade da fé. Conhecendo o ensinamento de Cristo, não vejo como se possa desviar daquele ensinamento com uma declaração doutrinária ou com uma prática pastoral que ignore a verdade”.

Os bispos e os cardeais, até mais do que os simples fiéis, encontram-se diante de um terrível drama da consciência, muito mais grave do que aquele que tiveram de enfrentar no século XVI os mártires ingleses. Com efeito, tratava-se então de desobedecer à suprema autoridade civil, o rei Henrique VIII, que por um divórcio abriu o cisma com a Igreja Romana, enquanto hoje a resistência é feita à suprema autoridade religiosa, caso esta se desvie do ensinamento perene da Igreja.

E quem é chamado a resistir não são católicos desobedientes ou dissidentes, mas precisamente aqueles que mais profundamente veneram a instituição do Papado. Outrora, quem resistisse era entregue ao braço secular, que o destinava à decapitação ou ao esquartejamento. O braço secular contemporâneo aplica o linchamento moral, através da pressão psicológica exercida pela mídia sobre a opinião pública.

O resultado é muitas vezes o colapso físico e mental das vítimas, a crise de identidade, a perda da vocação e da fé, a menos que se seja capaz de exercitar, com o auxílio da graça, a virtude heroica da fortaleza. Resistir significa, em última análise, reafirmar a total coerência da própria vida com a Verdade imutável de Jesus Cristo, invertendo o argumento dos que hoje pretendem dissolver a eternidade do Verum na precariedade do quotidiano.

16 de outubro de 2014

“Sínodo da Família” ou “Sínodo Anti-Família?”

Em continuação ao post anterior, sobre o polêmico Sínodo — que deveria despontar como uma magnífica muralha protetora da família, mas que, pelo contrário, conta com participantes defendendo posições que poderão dilacerar ainda mais a instituição familiar — transcrevo para nossos leitores um comunicado, divulgado no dia 13 último, do movimento Voice of the Family.

Tal entidade, que representa 15 grupos internacionais pró-família, considerou ser uma “traição” o relatório preliminar do Sínodo.

O texto que segue é uma tradução, feita pela Sra. Teresa Maria Freixinho, da matéria de LifeSiteNews e publicada no site Fratres in Unum.com (15-1—14).


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O relatório preliminar do Sínodo Extraordinário sobre a Família não passa de uma “traição” aos valores católicos e familiares, disse um influente grupo pró-vida. 

Falando com todas as letras, o porta-voz britânico do Voice of the Family, John Smeaton, disse que “aqueles que estão controlando o Sínodo traíram os pais católicos. O relatório preliminar do Sínodo é um dos piores documentos oficiais elaborados na história da Igreja.”

“Felizmente,” disse Smeaton, “o relatório é preliminar para fins de discussão, ao invés de uma proposta definitiva.” 

Da mesma forma, o representante irlandês Patrick Buckley disse que o relatório “representa um ataque ao matrimônio e à família” ao “efetivamente dar uma aprovação tácita às relações adúlteras.” Além disso, “o relatório enfraquece o ensinamento definitivo da Igreja contra a contracepção e deixa de reconhecer que a inclinação homossexual é objetivamente desordenada,” disse Buckley. 

Patrick Craine, porta-voz americano do Voice of the Family, disse que o relatório “não constitui uma representação fiel das discussões sinodais. Muitos padres sinodais têm defendido bravamente o ensinamento da Igreja dentro e fora da Sala do Sínodo, ainda que a posição deles dificilmente esteja refletida no documento.” 

“O relatório está certo ao pedir solicitude pastoral,” disse Craine, “porém, conforme enfatizava o Cardeal Ratzinger, solicitude só pode ser realizada na verdade. Da maneira como está redigido, o documento enfraquece o zelo pastoral autêntico e só pode causar danos graves, neste mundo e no que há de vir, àqueles a quem pretende ajudar.” 

“Dar a Sagrada Comunhão a pessoas que não se arrependem de pecados sexuais mortais seria uma falsa misericórdia,” disse a coordenadora do Voice of the Family, Maria Madise, que afirmou que o relatório enfraquece as famílias católicas. “Será que os pais católicos serão forçados a dizer falsamente aos seus filhos que pecados mortais como o uso da contracepção, coabitação com parceiros ou vivência de estilos de vida homossexuais têm atributos positivos?” 

“A misericórdia real consiste em oferecer às pessoas uma consciência limpa através do Sacramento da Penitência e, assim, a união com Deus”, concluiu Madise.

“É essencial que as vozes dos fiéis leigos que sinceramente vivem o ensinamento católico também sejam levadas em consideração”, disse Smeaton. “O Voice of the Family recomenda que os católicos não sejam complacentes ou cedam a um falso sentido de obediência em face dos ataques aos princípios fundamentais da lei natural no Sínodo.”

10 de outubro de 2014

“NÃO ESCANDALIZEM SEUS FILHOS OU NETOS”


Paulo Roberto Campos 

O muito controvertido “Sínodo sobre a Família” — que reúne quase 200 prelados no Vaticano (de 5 a 19 deste mês) — tem despertado muitas perplexidades em inúmeros católicos, sobretudo nos ambientes de famílias conservadoras, pois alguns participantes no evento estão sugerindo certas inovações inaceitáveis. Inaceitáveis, sim, pois contrariam o ensinamento do magistério tradicional da Igreja. Ademais, tais inovações poderão desagregar ainda mais a instituição familiar, já tão debilitada no mundo moderno. 

Com o objetivo de ajudar a esclarecer a questão, a seguir transcrevo a tradução (feita pelo portal “Fratres in Unum” e publicada em 10-10-14) de uma oportuna entrevista que o Cardeal Raymond Leo Burke concedeu ao site “LifeSiteNews”. E, no final deste post, o vídeo da entrevista (em inglês) com o eminente Cardeal norte-americano, Prefeito do Supremo Tribunal da Signatura Apostólica — o mais alto tribunal da Santa Sé. Grande conhecedor dos problemas que atualmente atingem as famílias, ele é um dos autores do livro, recentemente lançado, Permanecendo na Verdade de Cristo: o matrimônio e a Comunhão na Igreja católica.


Essa forma particular de relacionamento não deve ser imposta aos membros da família e, especialmente, a crianças impressionáveis”​​

Cardeal Burke responde ao discurso do casal australiano: “Não escandalizem seus filhos ou netos”. 


Por Life Site News | Tradução: Fratres in Unum.com — Em entrevista exclusiva ao LifeSiteNews, o Cardeal Raymond Burke respondeu a uma apresentação polêmica feita por um casal australiano [Ron e Marvis Pirola] perante os 191 bispos e cardeais líderes da Igreja Católica no Sínodo Extraordinário sobre a família em curso esta semana.

Durante a intervenção, que acabou se tornando uma das mais amplamente noticiadas no Sínodo, os Pirolas perguntaram e responderam a uma pergunta sobre o que os pais deveriam fazer caso seu filho quisesse trazer o seu parceiro homossexual para um jantar de Natal em que seus netos estivessem presentes. 

A resposta dos Pirolas, que eles defenderam como um modelo para a maneira como a Igreja Católica deveria lidar com relacionamentos de pessoas do mesmo sexo, foi que os pais deveriam aceitar a participação do filho e de seu parceiro homossexual sabendo que “seus netos iriam vê-los acolhendo o filho e seu parceiro na família.” 

O Cardeal de Westminster, Dom Vincent Nichols, revelou em seguida que alguns Padres sinodais reagiram à breve intervenção do casal de maneira “muito calorosa, com aplausos.” 

Em declarações ao LifeSiteNews em um curto intervalo do Sínodo ontem, o Cardeal Burke, prefeito da Assinatura Apostólica no Vaticano, referiu-se à “pergunta” dos Pirolas como uma questão delicada, que precisa ser tratada de maneira “calma, serena, razoável e cheia de fé.”

"Se as relações homossexuais são intrinsecamente desordenadas, o que de fato são — a razão e também a nossa fé nos ensinam — então, o que significaria para os netos terem presentes em uma reunião de família um membro da família que está vivendo em uma relação desordenada com outra pessoa?”, indagou o cardeal. 

Burke acrescentou: “não queremos que os nossos filhos tenham a ‘impressão’ de que as relações sexuais fora do plano de Deus são corretas, ao parecer que toleramos atos gravemente pecaminosos por parte de um membro da família.” 

“Nós não o faríamos se fosse outro tipo de relacionamento — algo que fosse profundamente desordenado e prejudicial —, não exporíamos nossos filhos a esse relacionamento, a experiência direta desse tipo de relacionamento. E nem deveríamos fazê-lo no contexto de um membro da família que não apenas sofre de atração pelo mesmo sexo, mas que optou por viver essa atração, por agir de acordo com essa atração, por cometer atos que são sempre e em todo lugar errados e maus.”

Ele acrescentou, no entanto, que “as famílias precisam encontrar uma maneira de ficar próximas de um filho nessa situação — de um filho ou neto, ou o que quer que seja —, a fim afastar a pessoa de um relacionamento desordenado.”

Os receios do Cardeal Burke foram compartilhados pelo Voice of the Family, uma coalizão de 15 grandes grupos pró-vida e pró-família de todos os continentes, que chamou de “prejudicial” a intervenção dos Pirolas. 

“O acolhimento sem ressalvas de casais homossexuais em ambientes familiares e paroquiais, na realidade, prejudica a todos, ao servir para normalizar a desordem da homossexualidade”, disse o porta-voz do Voice of the Family, Maria Madise, em um comunicado de imprensa.

Em entrevista à Aleteia, o padre Paul Check, chefe do Courage, o grupo católico que trabalha para ajudar as pessoas com atração pelo mesmo sexo a viverem uma vida casta, respondeu à pergunta, salientando que: “Nós nunca podemos ser mais pastorais do que Jesus.” 

Ele acrescentou: “Acolher as pessoas na Igreja, em nossas casas, em conversa… ‘aceitá-las’ de maneira autenticamente semelhante a de Cristo nunca implicaria barganhar com a verdade.” Um exemplo disso seria “dizer a alguém, de alguma forma: “Bom, isso é o melhor que você pode fazer.”

A pergunta completa e a resposta do Cardeal Burke: 

LifeSiteNews: Como os pais católicos evem lidar com uma situação difícil como esta: 
Ao planejar um encontro familiar de Natal com os netos presentes, os pais são indagados por seu filho, que está em um relacionamento homossexual, se ele pode levar consigo seu parceiro homossexual? Ao aplicar esses princípios, como as paróquias deveriam lidar com casais abertamente homossexuais que se aproximam da Santa Comunhão e que buscam cargos de liderança dentro da paróquia? 

Cardeal BurkeEsta é uma questão muito delicada, e é ainda mais delicada pela agressividade da agenda homossexual. Mas é preciso abordar esse tema de maneira muito calma, serena, razoável e cheia de fé. Se as relações homossexuais são intrinsecamente desordenadas, e de fato o são – a razão nos ensina isso e também a nossa fé – então, o que significaria para os netos terem presentes em uma reunião familiar um membro da família que está vivendo em uma relação desordenada com outra pessoa? 

Se fosse outro tipo de relacionamento — algo que fosse profundamente desordenado e prejudicial — não exporíamos nossas crianças a esse tipo de relacionamento, à experiência direta dele. Assim, tampouco deveríamos fazê-lo no contexto de um membro da família que não apenas sofre de atração pelo mesmo sexo, mas que optou por viver essa atração, por agir de acordo com ela, cometer atos que são sempre e em todo lugar errados e maus. 

E assim, as famílias precisam encontrar uma maneira de ficar próximas de um filho nesta situação — de um filho ou neto, ou o que quer que seja —, a fim afastar a pessoa de um relacionamento desordenado.” 

E sabemos que com o tempo, esses relacionamentos deixam a pessoa profundamente infeliz. E por isso é importante nos mantermos o mais próximos que pudermos. Mas, essa forma particular de relacionamento não deve ser imposta aos membros da família, e especialmente a crianças impressionáveis. E exorto os pais ou avós — quem quer que seja — que sejam muito, muito prudentes neste assunto e não escandalizem os seus filhos ou netos.

Há tantas coisas em nossa sociedade hoje em dia que estão passando a mensagem de que qualquer forma de relação sexual, se de alguma forma ela lhe agrada — ou se você estiver atraído para ela — está bem, está correta. E nós não queremos que nossos filhos tenham essa impressão, ao parecer que estamos tolerando atos gravemente pecaminosos por parte de um membro da família. 

Certamente, essa é uma fonte de grande sofrimento, mas o esforço para fazer o que é certo e bom sempre envolve sofrimento. E, neste caso, certamente envolverá sofrimento. Mas que o sofrimento seja realmente redentor ao final.

Já com relação às paróquias, a situação é muito semelhante, porque a paróquia é uma “família de famílias”. E assim, se você tiver paroquiano que esteja vivendo em pecado público em um relacionamento homossexual, bem, o sacerdote deve tentar se aproximar dessa pessoa — ou de ambos, se forem católicos — e tentar ajudá-los a deixar o relacionamento pecaminoso e começar uma vida casta. O pastor deve incentivá-los também a rezar e a participar da Missa dominical e de outras maneiras adequadas para tentar superar o pecado grave em suas vidas.

Essas pessoas que estão vivendo dessa forma certamente não poderão ter qualquer papel de liderança na paróquia, porque daria a impressão aos paroquianos que a forma como elas estão vivendo é perfeitamente boa. Porque, quando dirigimos uma paróquia, de certa forma, estamos dando testemunho de uma vida católica coerente. E as pessoas que não são coerentes com a sua fé católica não recebem funções de liderança. Não lhes pedimos, por exemplo, que sejam leitores na Santa Missa — ou que assumam outra posição de liderança — até que elas tenham retificado sua situação e passado por uma conversão de vida e estejam prontas a dar esse tipo de liderança.

Por um lado, certamente haverá escândalo entre os paroquianos no que diz respeito a uma parte muito importante da nossa vida, a nossa sexualidade, e o que ela significa. Por outro lado, não é bom para as duas pessoas envolvidas no relacionamento desordenado porque também lhes dá a ideia de que a Igreja de alguma forma aprova o que elas estão fazendo.