25 de dezembro de 2021

Boa paz com boa guerra, quando necessária



A verdadeira paz não é a paz que reina nos cemitérios, onde não há vida. Só há boa paz em função de Deus e para tal é preciso estar preparado para a boa guerra, que consiste na batalha em Sua defesa; é preciso lutar pela paz. Nesse sentido seguem alguns pensamentos para refletirmos neste final de ano.

"Querer paz sem Deus é absurdo. Onde não há Deus, não há justiça. Onde não há justiça, em vão nutre-se a esperança de paz." 
(São Pio X) 


“Lembra-te que neste mundo não temos tempo de paz, mas de contínua guerra. Teremos um dia a verdadeira paz, se combatermos na Terra.” 
(São João Bosco) 


“A paz de Nosso Senhor só se conquista na guerra.” 
(Santa Joana d’Arc) 


“Não há paz para os maus.” 
(Isaías 48, 22) 


“Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como o mundo a dá. Não se perturbe o vosso coração, nem se atemorize.” 

(São João, 14, 27) 


“Estar preparado para a guerra é um dos meios mais eficazes de preservar a paz.” 
(George Washington) 


“Em época de paz os filhos enterram os pais, enquanto em épocas de guerra são os pais que enterram os filhos.” 
(Heródoto) 


“O principal objetivo da guerra é a paz.” 
(Sun Tzu)

22 de dezembro de 2021

A glória de Deus no alto dos céus, aspecto secundário do Natal?


O Arcanjo São Gabriel aparece aos pastores – Alfred Morgan (1836-1924). Coleção Privada

Não há paz na Terra sem que os homens estejam voltados para Nosso Senhor Jesus Cristo. E “paz na Terra” inclui a cessação de todas as lutas, exceto a incessante e gloriosa guerra contra o demônio e seus aliados.

✅ Plinio Corrêa de Oliveira

Reprodução de Catolicismo, dezembro/1963, nº 156

 

Repousais, Senhor, em vosso misérrimo e augustíssimo presépio, sob os olhos da Virgem, vossa Mãe, que vertem sobre Vós os tesouros inauferíveis de seu respeito e de seu carinho. Jamais uma criatura adorou com tão profunda e respeitosa humildade o seu Deus. Nunca um coração materno amou mais ternamente seu filho. Reciprocamente, jamais Deus amou tanto uma mera criatura. E nunca filho amou tão plenamente, tão inteiramente, tão superabundantemente sua mãe.

Toda a realidade desse sublime diálogo de almas pode conter-se nestas palavras que indicam aqui todo um oceano de felicidade, e que em ocasião bem diversa haveríeis de dizer um dia do alto da Cruz: “Mãe, eis aí teu filho. Filho, eis aí tua Mãe” (cfr. Jo 19, 26). E, considerando a perfeição deste recíproco amor, entre Vós e vossa Mãe, sentimos o cântico angélico que se levanta das profundezas de toda alma cristã: “Glória a Deus no mais alto dos Céus, e paz na Terra aos homens de boa vontade” (Lc 2, 14). 

Fala-se mais de paz do que da glória de Deus

“Paz na Terra aos homens de boa vontade”: o jogo complicado, mas célere das associações de imagens me faz sentir imediatamente que em numerosas ocasiões no ano que finda ouvi falar de paz, e de homens de boa vontade. Curioso... dou-me conta de que ouvi falar menos, e até muito menos, da glória de Deus no mais alto dos Céus. A bem dizer, disto quase não ouvi falar. Nem mesmo implicitamente; pois implicitamente se fala da glória de Deus quando se afirmam os soberanos direitos d’Ele sobre toda a criação, e, por amor a Ele, se reivindica o cumprimento de sua Lei por parte dos indivíduos, famílias, grupos profissionais, classes sociais, regiões, nações, e toda a sociedade internacional.

Por que este silêncio? — Pergunto-me. Por que os homens querem tanto a paz? Por que tantos homens se ufanam de ter boa vontade? E por que tão poucos são os que se preocupam com a glória de Deus, e se blasonam de por ela agir e lutar? 

Adoração dos pastores – Gerard van Honthorst (1592-1656). Pomeranian State Museum (Pomerânia). 
A Crucifixão – Bernardino Luini (1480-1532). Museu Hermitage, São Petersburgo (Rússia)

A paz dos homens vale mais que a glória de Deus?

Em outros termos, o fato essencial do vosso Santo Natal, Senhor, seria só a paz na Terra para os homens de boa vontade? E a glória de Deus no mais alto dos Céus seria como que um aspecto colateral, longínquo, confuso e insípido para os homens, do grande evento de Belém?

Em outros termos ainda, a paz dos homens vale mais que a glória de Deus? A Terra vale mais que o Céu? O homem vale então mais do que Deus? E a paz na Terra pode ser obtida, conservada e até incrementada sem que com isto nada tenha a ver a glória de Deus?

Por fim, o que é um homem de boa vontade? É o que só quer a paz na Terra, indiferente à glória de Deus no Céu?

Todas estas questões convidam a uma detida análise do cântico angélico.

Meditar no Santo Natal de modo transcendente

Admirável profundidade de toda palavra inspirada! Tão simples que até uma criança o pode compreender, o cântico dos Anjos de Belém encerra, entretanto, verdades das mais profundas.

Como é proveitoso, pois, nutrir o espírito com essas palavras, para participar devidamente das festas do Santo Natal!

Ajudai-nos, Mãe Santíssima, Sede da Sabedoria, com vossas preces, para que, iluminados pelas claridades que de Jesus dimanam, possamos entender o cântico angélico que é o mais perfeito e autorizado comentário do Natal. 

 “Boa vontade” em relação a quem?

Adoração dos pastores
– Camillo Procaccini (1615).
Igreja de Sant’Alessandro, Milão
“Homem de boa vontade”: o que representa isto aos olhos de tantos e tantos de nossos contemporâneos?

Para o sabermos, basta indagar: boa vontade para com quem? A resposta salta impetuosa e impaciente, como sói acontecer quando a pergunta tem algo de ocioso por inquirir o que é quase evidente. Ora bolas, dirão muitos de nossos coetâneos, boa vontade para com o próximo. Aquele que, ateu ou sequaz de uma religião, seja ela qual for, adepto da propriedade privada, do socialismo ou do comunismo, quer que todos os homens vivam alegres, na fartura, sem doenças, sem lutas, sem riscos, aproveitando o mais possível esta vida, este é um homem de boa vontade.

Visto nesta perspectiva, o homem de boa vontade é um artífice da paz. Diz o ditado que “em casa onde falta o pão, todos brigam e ninguém tem razão”. Logo, onde há pão todos têm razão e há paz. Onde há pão, teto, remédios, segurança, com maior razão há necessariamente a paz. 

Paz terrena libertada de implicações religiosas?

E a glória de Deus? Para o “homem de boa vontade” assim concebido, é ela um elemento supérfluo no que se refere à paz na Terra. Pois é da adequada ordenação da economia que decorre a boa ordem na vida social e política, e portanto a paz.

“Supérfluo” é dizer pouco, a respeito da glória de Deus no Céu, considerada em função da paz na Terra. Como alguns homens creem em Deus, e outros não creem, e como entre os que creem há diversidade no modo de entender Deus, este último pode atuar como perigoso fautor de divisões, discussões e polêmicas. Deus é um senhor por demais comprometido há milhares de anos em polêmicas, para que dele se fale a toda hora. Para ter paz na Terra é melhor não estar falando a todo momento sobre Deus e sua glória no Céu.

E depois... o Céu é tão vago, tão longínquo, tão incerto! Que dele falassem os Anjos, vá lá, pois lá moram. Mas nós, homens, cuidemos da Terra.

Unir a glória celeste à paz terrestre é para o “homem de boa vontade” algo de tão incorreto, supérfluo e pejado de fatores de luta como é, por exemplo, imprudente unir a Igreja ao Estado. A Igreja livre do Estado e o Estado livre da Igreja, eis um anelo bem típico do “homem de boa vontade”. A paz terrena libertada de implicações religiosas, e Deus no seu Céu e sua glória, sorrindo de braços cruzados para a Terra em paz, a uma tal distância da Terra que lá não chegue nem sequer o Lunik, eis o ideal do “homem de boa vontade”. 

Não se pode ficar indiferente à acirrada e implacável perseguição que a ditadura comunista chinesa move contra os verdadeiros católicos fiéis a Roma. Mesmo assim, as autoridades vaticanas não disfarçam o apoio ao governo de Pequim. Apoio que semeia grande desconcerto dentro e fora da China. 

Sem que os homens deem glória a Deus, não há paz no mundo

Estas são as considerações do “homem de boa vontade” entre aspas, cujo coração está longe do Céu e cujo olhar só se detém sobre a Terra.

Contudo, quanto divergem elas do sentido próprio e natural do cântico angélico!

Realmente, se o Natal dá glória a Deus no mais alto dos Céus e simultaneamente é a fonte da paz na Terra para os homens de boa vontade — foi o que os Anjos proclamaram em seu cântico — não se pode dissociar uma coisa da outra. Sem que os homens deem glória a Deus, não há paz no mundo. E a guerra, enquanto considerada no agressor culpado, é incompatível com a glória de Deus.

Vós, Senhor Jesus, Deus humanado, sois entre os homens o Príncipe da Paz. Sem Vós a paz é uma mentira e, afinal, tudo se converte em guerra.

E é porque os homens não compreendem isto, que procuram de todos os modos a paz, mas a paz não habita no meio deles. 

Vós, Senhor Jesus, Deus humanado, sois entre os homens o Príncipe da Paz. Sem Vós a paz é uma mentira e, afinal, tudo se converte em guerra. E é porque os homens não compreendem isto, que procuram de todos os modos a paz, mas a paz não habita no meio deles. 

A “boa vontade” inautêntica e agnóstica

O que é então o homem de boa vontade, se não é o homem que ama o próximo? Será porventura o que odeia seu próximo?

Ao fariseu, que Vos chamou de bom Mestre, perguntastes: por que Me chamais de bom, se só Deus é bom? (cfr. Lc 18, 19 ).

Se só Deus é bom, a boa vontade autêntica é a que se volta toda para Deus, e ama o próximo, não pelo mero amor do próximo, mas pelo amor de Deus. O homem é tal, que não pode amar o próximo pelo próximo. Ou o ama por amor de si mesmo, e isto é egoísmo. Ou o ama por Deus, e isto sim é amor verdadeiro.

Em consequência, a “boa vontade” agnóstica e a paz terrena que ela tende a instaurar, nem são boa vontade autêntica, nem paz verdadeira.

E o falso “homem de boa vontade” é em última análise um semeador de guerras e um artífice de ruínas. 

Paz é a mera abstração de controvérsias?

Mas, dirá alguém, como pode ser Jesus o fundamento da paz, se ninguém como Ele tem suscitado tanto ódio? O populacho, cumulado por Ele de favores espirituais e materiais de toda ordem, preferiu Barrabás, um bandido. Isto não é ódio? Os Imperadores contra Ele moveram perseguições atrozes. Os arianos contra Ele mobilizaram todas as potências da Terra. Depois vieram os maometanos. E depois, e depois, todos os grandes vagalhões da História, até o nazismo e o comunismo. Aliás, acrescentaria talvez alguém, Simeão bem exprimiu essa verdade, profetizando que Ele seria ao longo da História uma pedra de escândalo, um sinal de contradição para a morte e ressurreição de muitos (cfr. Lc 2, 34). Ele próprio disse de Si que trazia à Terra o gládio (cfr. Mt 10, 34). Por melhor que tudo isto seja — poderia argumentar um “homem de boa vontade” entre aspas —, a verdadeira paz, isto é, uma plena e completa desmobilização dos espíritos, uma inteira cessação não só de todas as guerras como de todas as polêmicas, não é possível com Jesus Cristo. A paz só é autêntica quando abstrai de todas as controvérsias, inclusive aquelas a que Jesus Cristo — sem culpa própria, concede o “homem de boa vontade” — dá ocasião. 

A verdadeira paz não exclui a luta do bem contra o mal

Na Batalha de Lepanto, representação do momento em que as forças católicas
abordam a nau capitânia maometana provocando o pânico
 e apressando a derrota do Islã. Foi a salvação da Cristandade no século XVI
Sim, diria um homem de boa vontade autêntico, isto é, um homem que com todas as veras de sua alma ama a Deus.

Neste caso, é por burla que a Escritura chama Jesus Cristo Príncipe da Paz (cfr. Is 9, 6), e a Igreja, fazendo eco ao Batista (cfr. Jo 1, 29 e 36), O apresenta como um manso Cordeiro a quem os homens devem pedir o dom da paz: “Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, dona nobis pacem” (Eis o Cordeiro de Deus, Aquele que tira o pecado do mundo — Jo 1, 29).

Ou é por que a verdadeira paz não exclui a luta do bem contra o mal, a polêmica entre a luz e as trevas, o perpétuo esmagar da cabeça da Serpente pela Virgem sem mancha, a hostilidade entre a raça oriunda da Virgem e a raça da Serpente? A paz é a ordem de Cristo no Reino de Cristo. Ela tem, pois, como condição a luta dos sequazes de Cristo contra os inimigos de Cristo. A paz de Cristo não se identifica de modo nenhum com a falsa paz, sem lutas nem polêmicas, do pretenso “homem de boa vontade”. 

Paz na Terra e guerra contra o demônio e seus aliados

Três grandes lições, ó Deus-Menino, recolhemos do vosso Santo Natal.
 Ficamos sabendo que não há paz na Terra sem Vós.
 Que homem de boa vontade autêntico não é quem ama o homem pelo homem,
 mas quem o ama por amor de Vós, ó Príncipe da Paz

Três grandes lições, ó Deus-Menino, recolhemos do vosso Santo Natal. Ficamos sabendo que não há paz na Terra sem Vós. Que homem de boa vontade autêntico não é quem ama o homem pelo homem, mas quem o ama por amor de Vós. E que vossa Paz inclui a cessação de todas as lutas exceto a vossa incessante e gloriosa guerra contra o demônio e seus aliados, isto é, o mundo e a carne.

Virgem Maria, Medianeira de todas as graças, debruçada em adoração sobre o Deus-Menino, obtende-nos uma plena compenetração de todas estas verdades.

E permiti que nas perspectivas que elas desvendam, cantemos convosco e com todas as criaturas celestes e terrenas das quais sois Rainha:

“Glória a Deus no mais alto dos Céus, e paz na Terra aos homens de boa vontade”.

20 de dezembro de 2021

PELO CHILE PAÍS IRMÃO: LUTO, LUTA E ORAÇÃO


✅  Paulo Roberto Campos 

Ontem foi um dia muito triste para o Chile e para todos nós. O candidato de extrema-esquerda, Gabriel Boric, venceu as eleições presidenciais. Meus pêsames aos chilenos que ainda prezam os valores da civilização.

Essa vitória comunista se deveu tanto à moleza dos chilenos centristas, que não quiseram votar no candidato de direita, José Antonio Kast, quanto ao clero progressista, velho companheiro de viagem do comunismo. Agora, aguentem as consequências... 

Esse triunfo esquerdista nos remete à vitória do marxista Salvador Allende em 1970 com o apoio da URSS, quando o Chile viveu os três piores anos de sua história, afundado na mais tenebrosa miséria moral e material. 

Remete-nos também a uma memorável campanha da TFP brasileira e de outros países. Em 50 cidades do Brasil o público viu erguerem-se seus estandartes rubros com o leão dourado, e ouviu os slogans de sua campanha: "Leiam nosso manifesto: Pastores entregaram o Chile ao lobo vermelho!" — "Plinio Corrêa de Oliveira denuncia trama progressista no Chile!" 

Em Belo Horizonte, então a terceira cidade mais populosa do Brasil, sócios e militantes da TFP organizaram um desfile encabeçado por um estandarte enlutado, de 12 metros de altura, e por uma grande faixa com os seguintes dizeres: "Pelo Chile, país irmão, luto, luta e oração" [foto]. 

Que o atual desastre chileno sirva de alerta a nós brasileiros, para agirmos enquanto é tempo a fim de evitar que nas eleições presidenciais de outubro de 2022 os propugnadores das velhas ideias comunistas prevaleçam como no Chile, conduzindo-nos à trágica situação de Cuba e da Venezuela.

17 de dezembro de 2021

Natal e o bom combate como condição para uma autêntica paz na Terra


A guerra contra o demônio e seus sequazes daqueles que desejam o estabelecimento da autêntica paz entre os homens 

Fonte: Editorial da Revista Catolicismo, Nº 852, Dezembro/2022

É uma tradição da revista Catolicismo publicar na sua edição de dezembro matérias concernentes ao Santo Natal do Menino Jesus, que constitui com a Páscoa as duas maiores festas da Cristandade. 

Neste ano reproduzimos um artigo do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, publicado no mensário em dezembro 1963, no qual ele chama a atenção para o fato de que a imensa maioria das pessoas não atenta para o verdadeiro sentido da expressão “Paz na Terra”, contida na citação de São Lucas “Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade”. 

Dr. Plinio mostra que não pode haver “Paz na Terra aos homens de boa vontade” (nem aos de má vontade...) se a humanidade não estiver voltada para a “Glória de Deus”. Como nos ensinou o Divino Mestre, “buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo” (Mt 6, 33). Só assim teremos a “Paz na Terra”; se esquecermo-nos de Deus, não teremos o seu Reino e nem o acréscimo. Não teremos a verdadeira paz! 

Em nossa época narcotizada pelo desejo de paz a qualquer preço — mesmo à custa da renúncia aos ideais católicos —, convém ter bem presente o que disse Santo Agostinho: “A paz é a tranquilidade da ordem de todas as coisas”. Segundo esta definição, paz não é apenas um período de tranquilidade, mas de “ordem de todas as coisas”; e tudo estará desordenado se os mandamentos de Deus forem transgredidos. 

Outro aspecto importante dessa temática é que a “Paz na Terra — como consta no artigo em pauta — inclui a cessação de todas as lutas, exceto a incessante e gloriosa guerra contra o demônio e seus aliados, isto é, o mundo e a carne”. Aliados que atuam para tentar apagar da memória a lembrança de Deus. Daí os Natais secularizados de nosso século, parecidos com festas do comércio. Não se conseguiu eliminar inteiramente a lembrança do Natal, mas se conspira para que um dia isso aconteça. 


Além do artigo de Plinio Corrêa de Oliveira, duas outras matérias o complementam. Seus autores, Luís Dufaur e Paulo Américo de Araújo, acrescentam fatos e comentários evocativos do Santo Natal, quando há 2021 anos nascia em Belém o Príncipe da Paz, o Deus que faz guerra aos sequazes de Lúcifer e apresenta a única solução para as desordens que abalam o mundo e geram conflitos. 

Um Santo e Feliz Natal a todos os diletos leitores de Catolicismo, com os nossos melhores votos de um Ano Novo repleto das mais seletas graças e bênçãos do Menino Jesus e de sua Mãe Santíssima.

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Para assinar a revista Catolicismo envie um e-mail para catolicismo@terra.com.br

13 de dezembro de 2021

HISTÓRIA DOS OLHARES



  
Plinio Corrêa de Oliveira

Desejaria um dia estudar um capítulo especial da História da humanidade: a história dos olhares! Dos olhares magníficos, dos olhares esplendorosos, dos olhares suaves, dos olhares doces, dos olhares tristes, dos olhares de esperança, dos olhares de perplexidades! Dos olhares de indagação, de ordenação, de planejamento, de imprecação, de castigo!

Ou o olhar bondoso e jubiloso de Nossa Senhora ao pousar sobre seus devotos, ou ainda o olhar tão poderoso de Nosso Senhor Jesus Cristo! 


Para se ter uma ideia do que pode produzir em nós o olhar de Nosso Senhor, pensemos no olhar mais famoso da História: aquele olhar que Ele deitou em São Pedro e que o mudou de um momento para outro. 

Pense na dureza de São Pedro... Antes da negação, ele tinha proclamado que Nosso Senhor era Deus! Dirigindo-se ao Apóstolo, Nosso Senhor afirmou: “E eu digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16,18). Podemos imaginar como Nosso Senhor olhou São Pedro nessa hora. O Apóstolo ficou enlevadíssimo! 

Entretanto, depois ele manifestou uma dureza tal que chegou a negar Nosso Senhor. Foi quando o galo cantou que ele caiu em si... Jesus passou por ele e o olhou... E São Pedro começou a chorar. Arrependeu-se tão profundamente que chorou até o fim de sua vida, de tristeza pelo seu pecado. 

Se o olhar de Nosso Senhor pode exprimir tanta tristeza que mude a vida de um homem, e que transforme um tíbio numa tocha de admiração, podemos imaginar de quanto gáudio o olhar de Deus pode encher um homem! Este poderia exclamar: “Meu Deus, o que são os vitrais das catedrais? O que são as estrelas do firmamento? O que são os reflexos do céu sobre as águas do oceano, em comparação, simplesmente, com um minuto em que eu pudesse fitar o vosso olhar?! Meu Deus, um só olhar para mim e minha alma estará salva!”.

Outro exemplo do olhar divino: ver Jesus olhar Nossa Senhora, e vê-Los se fitarem um no olhar do outro. Que cena! Na eternidade poderemos ver o prolongamento dos colóquios que em Belém havia entre o Menino Jesus e Sua Mãe Santíssima. Essas são as alegrias do Céu! Elas nos lembram as palavras de Nosso Senhor, que têm uma harmonia e uma beleza incomparáveis: “Serei Eu mesmo a vossa recompensa demasiadamente grande” (Gen. 15, I).

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Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 10 de setembro de 1983. Esta transcrição não passou pela revisão do autor.

12 de dezembro de 2021

ONTEM, HÁ TANTO TEMPO


✅  Plinio Corrêa de Oliveira 

Todos estarão com as vistas voltadas para as festas de fim de ano. E assim virão os clássicos e inevitáveis retrospectos para o balanço de quanto ficou para trás. 

Poder-se-á dizer que, para o mundo, este ano [1980] constituiu propriamente uma caminhada? Parece-me — pelo ocorrido até aqui — que foi antes uma imensa resvalada, ao longo da qual, de trambolhão em trambolhão, tudo inesperadamente pareceu cair várias vezes, de cada vez tudo (ou quase...) se reergueu também inesperadamente, de tal maneira que, por fim, nada está irreparavelmente quebrado, mas tudo traumatizado. 

Falo do Brasil. Falo do Mundo. Falo, por exemplo, de ti, meu leitor. De ti, sim. Pois o fenômeno que tento descrever em escala mundial parece-me repetir-se em escala individual. 

Quando vejo pessoas pela rua, quando observo nos jornais fotografias, de grupos como de multidões, tenho a impressão de que incontáveis são hoje os entes humanos sujeitos, em sua vida diária, a esta estranha cadência do acontecer. Talvez isso explique um não menos estranho comportamento de nossa memória em função do passado. 

Dir-se-ia que, quando o presente é lento, o passado parece sobreviver agradavelmente em cada instante novo que vem chegando. 

Quão diferente é nas fases em que o tempo corre, sacudido por trambolhões. Cada susto atrai tão inteiramente a atenção para o presente, com tal veemência transporta o espírito nas asas negras da apreensão, rumo a um futuro hostil, que o passado desaparece da memória. E, quando volta, está tão desbotado, tão lacerado, que por vezes toma o aspecto de um maço informe de farrapos. 

Em virtude dessa debilitação da memória, o que se passou de manhã pode parecer-nos já à noite tão longínquo, tão remoto... O presente e o futuro de tal maneira absorvem a atenção que o dia de ontem, meio sumido da memória, parece relegado há um ano. 

O que assim se observa na escala de um dia pode-se dizer de um mês ou até de um ano. Quando este ano der sua última badalada, e em sua derrapada final abismar no passado, várias das emoções que viveste intensamente, leitor, te parecerão já tão distantes, tão distantes!... 

A ti, à tua pessoa. A ti, sim, que não posso ver senão como uma das milhões de gotas constitutivas desse maremagno que é a opinião pública. Quantas vezes esta última foi solicitada pelos meios de comunicação social, para vibrar intensamente em função de algum tema do momento! Quanta atualidade tiveram esses temas! E, entretanto, quão longínqua é a ressonância deles neste findar do ano! 

Por assim dizer, passou-se tudo isto ontem. Há tanto tempo! 

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Excertos do artigo “Ontem, há tanto tempo” de Plinio Corrêa de Oliveira, publicado na “Folha de S. Paulo” em 25-10-1980.

25 de novembro de 2021

NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS

Foto: José Roberto Dias Tavares

Medalha Milagrosa de Nossa Senhora das Graças — cuja festividade celebra-se no dia 27 de novembro — é imagem-símbolo da luta e da vitória contra o poder das trevas 


  Plinio Corrêa de Oliveira 

Gosto muito dessa imagem de Nossa Senhora das Graças. Aos pés d’Ela uma serpente, símbolo do demônio, tem sua cabeça esmagada pelos pés celestiais. Ela, pisando naquela imunda serpente, não se suja — o que é símbolo da Imaculada Conceição. 

Mas é também símbolo da derrota do demônio pelos devotos da pureza de Nossa Senhora, daqueles que reagem contra a ação do demônio, daqueles que não permitem a menor influência diabólica em suas almas. 

O demônio é esmagado e inutilizado sob os pés da Virgem das virgens — outro símbolo da luta e da vitória da Igreja contra o poder das trevas. 

Inspirados pelo amor ardente e puríssimo a Nossa Senhora e, por meio d’Ela, a Nosso Senhor Jesus Cristo, calcamos o demônio como nesta imagem de Nossa Senhora das Graças, que esmaga o demônio e olha para seus fiéis com uma doçura sem par. E, enquanto olha para seus filhos, Ela esmaga a hidra infernal. É a imagem-símbolo da luta dos filhos de Maria Santíssima vencendo o demônio.

Quantas vezes, lendo episódios históricos, se tem a impressão de que há um quebranto que torna impossível a resistência aos ataques da Revolução gnóstica e igualitária. Isso porque não se conhece o poder daqueles que lutam pela Santíssima Virgem, não se conhece o poder da oração e o quanto a oração pode flagelar, exorcizar e enxotar os demônios. 
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Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 11 de março de 1995. Esta transcrição não passou pela revisão do autor.

15 de novembro de 2021

Uma glória da Igreja na História do Brasil – II


Com este artigo concluímos a série de publicações em homenagem à Princesa Imperial, no centenário de seu falecimento.

✅ Plinio Corrêa de Oliveira

Legionário, 4 de agosto de 1946

 

A popularidade da Princesa Isabel sofreu, entretanto, rudes entrechoques. A propaganda republicana jamais desarmou contra ela. E, ao mesmo tempo, Dona Isabel teve de enfrentar dois rudes adversários: o anticlericalismo e, o que é pior de tudo, o moderantismo “católico”.

O Brasil vivia, naquele tempo, em plena modorra religiosa. Poucos eram os anticatólicos declarados. Mas o anticlericalismo era aqui vivaz, agressivo, intolerante. Dos que se diziam católicos, muitos sustentavam em teologia, filosofia, direito, moral, as opiniões mais abstrusas, arrogando-se não raras vezes a liberdade de discutir as próprias orientações doutrinárias ou disciplinares da Igreja.

Em muitos lares onde se rezava em comum antes das refeições, o sacerdote era mal visto e mal recebido. Em algumas camadas sociais, ninguém frequentava os sacramentos. E todo o mundo se dizia católico. Até [anticatólicos] pertenciam às confrarias religiosas!

O ódio velado dos “católicos” moderados foi
a grande cruz de Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira. 

Diante de situação tão catastrófica, e aparentemente tão homogeneamente católica, havia duas tendências. Uns queriam contemporizar. Outros queriam lutar. Destes últimos foi Dom Vital [
foto]. Contra ele se levantou a sanha do anticlericalismo em peso. Sabemos qual foi seu martírio. Sabemos, sobretudo, que em sua coroa nenhum espinho foi tão doloroso do que a hostilidade mais ou menos disfarçada, mas imensamente rancorosa e peçonhenta, do moderantismo “católico”. O ódio velado dos "católicos" moderados foi a grande cruz de Dom Vital.

A Princesa Imperial sempre alarmou o anticlericalismo indígena. Católica, não de fancaria ou de fachada, mas de um catolicismo férvido e autêntico, a Princesa prometia ser um obstáculo insuperável aos empreendimentos dos inimigos da Fé.

Já têm sido publicadas numerosas circulares [anticatólicas] recomendando propaganda contra ela, para evitar sua ascensão ao trono. O ponto capital deste rancor estava no procedimento da Princesa durante a chamada “questão religiosa”. Sem se afastar da linha de respeito e obediência que devia ao Imperador, Dona Isabel deixou transparecer claramente sua reprovação pela prisão dos Bispos.

Todo o mundo que se levantou naquela ocasião contra Dom Vital aproveitou a oportunidade para injuriar a Princesa. Dona Isabel não se abalou. Bebeu resolutamente o mesmo fel de amargura de que transbordava o cálice de Dom Vital. Dizem que a queda da Monarquia se deveu à libertação dos escravos.

O acontecimento teve ainda outras causas profundas. Mas a razão mais ativa foi, sem dúvida, o ódio [anticatólico] contra a Princesa. Se houvesse alguma esperança de que, sob seu reinado, a opressão da Igreja pelo Estado regalista continuasse, é bem possível que o trono não houvesse caído.

A Princesa Isabel, em Paris, na década de 1890


No que diz respeito à libertação, ninguém ignora que a ação da Princesa não foi apenas protocolar. Ela preparou com todas as suas forças o acontecimento, embora sua situação constitucional lhe permitisse uma liberdade de movimentos apenas relativa. Este ponto já está tão esclarecido, que não merece maior insistência.

É interessante notar, entretanto, os paradoxos de que está cheia a vida da Princesa. Aqui vem mais um. Seu trono foi derrubado não só por positivistas e [anticatólicos], como também por grandes proprietários agrícolas, que são os sustentáculos naturais do trono em todas as monarquias.

No momento, Dona Isabel se beneficiou de um surto de popularidade formidável. Ela mesma, entretanto, não confiava nessas manifestações que tinham muito de sincero, mas algum tanto também de demagógico. Quando veio a República, ela não se surpreendeu. E caminhou para o exílio sem repudiar as duas grandes causas a que se sacrificara: a Igreja e a libertação [dos escravos].


No exílio, Dona Isabel formou uma estirpe de autênticos brasileiros. No castelo d’Eu, onde residia, os hóspedes brasileiros eram sempre os preferidos. As reminiscências do Brasil se encontravam a cada passo. Toda uma galeria do castelo está ocupada por um verdadeiro museu de raridades relacionadas com nossos índios. O arquivo da família imperial, ali instalado, é um dos mais ricos repositórios de documentos brasileiros, e está primorosamente organizado. Tudo ali fala de saudades, intensas saudades do Brasil.

Os visitantes que vão a Paray-le-Monial, Santuário mundial do Sagrado Coração de Jesus, se espantam em ver como, nos ex-votos de todos os países do mundo, sobressaem os do Brasil. Foi a Princesa Imperial que providenciou estas oferendas. Tolhida de bem fazer a sua Pátria, por outros modos seu delicado coração encontrou este meio de servir ainda o Brasil.

E os católicos de todos os credos políticos hão de reconhecer, comovidos, que as preces da grande e piedosa Princesa hão de ter sido bem recebidas pelo Sagrado Coração de Jesus, em favor da Terra de Santa Cruz.

14 de novembro de 2021

Uma glória da Igreja na História do Brasil

 

Princesa Isabel com seu neto e sucessor D. Pedro Henrique. Fotografia colorida digitalmente.

Continuação da matéria publicada na revista Catolicismo deste mês, e reproduzida neste blog ontem (13-11-21), em homenagem à Princesa Isabel, no centenário de seu falecimento.

✅ Plinio Corrêa de Oliveira

Legionário, 28 de julho de 1946

 

Transcorrendo agora o primeiro centenário do nascimento da Princesa Isabel, é da maior conveniência que se ponham em relevo alguns aspectos de sua personalidade, que a opinião pública ainda não conhece devidamente.

Não vale a pena analisar, é claro, as mil pequenas calúnias e maldades com que a propaganda republicana procurou, durante os últimos anos da monarquia, açular contra a herdeira da coroa, a opinião pública. “Mentez, mentez, il en restera toujours quelque chose” (Menti, menti, sempre ficará alguma coisa), escrevia Voltaire.

O caso da Princesa Isabel constitui significativa exceção à regra geral. Hoje em dia, não há quem perca tempo em discutir os leitmotivs da propaganda anti-isabelina: todos tiveram a vida efêmera das mentiras mal contadas, e se desacreditaram por si.

Cerimônia da assinatura da Lei Áurea
(Quadro de Victor Meirelles)
Entretanto, apesar de tudo isto, a figura da Princesa Isabel ainda não é bem conhecida pelos brasileiros. Os compêndios a apresentam tão somente como a libertadora da raça escrava. Ela emerge da sombra discreta da vida do lar, para penetrar na grande História em um momento fulgurante. Assina a lei de abolição.

Volta, depois, à vida de família, numa penumbra que o exílio, pouco depois, ainda tornará mais densa. E nesta penumbra se extingue docemente, e quase sem ruído, a sua vida terrena, numa época em que sua figura já tinha saído inteiramente da atualidade política. Desta vida familiar transcorrida numa nobre discrição, se desprende perfume da genuína virtude cristã.

Reunindo estes escassos elementos informativos, o quadro psicológico da Princesa parece compor-se facilmente: excelente dama, que viveu sempre para o lar e que teve a felicidade de assinar em dado momento a lei de emancipação.

Por certo, estes traços gerais são verdadeiros e eles bastam inteiramente para justificar a glória da "Redentora". Não há dúvida, entretanto, de que uma análise histórica mais pormenorizada enriqueceria muito, com novos e belos aspectos, esta noção que, se bem que bela, é no fundo bastante sumária.

Família Imperial(Crédito da foto: Otto_Hees-Restoration)

Antes de tudo, é preciso compreender bem o que significa, em regime monárquico, a vida de família de uma Princesa. Não se pense que é uma vida privada, com sua agradável irresponsabilidade e doce despreocupação. A função social da família reinante é subtil e difícil de definir. Nem por isto, deixa de ser muito real e importante.

Para que tenhamos disto alguma ideia, é preciso considerarmos o exemplo inglês, a suma atenção com que a opinião de todas as camadas sociais e correntes partidárias acompanha os gestos e feitos da família real, e a importância que atribui a qualquer acontecimento que ocorra neste terreno.

A família reinante deve, a um tempo, ser o espelho e o modelo do ideal familiar e social do país. Espelho, no sentido de que deve possuir do modo mais acentuado e autêntico, o que a mentalidade doméstica e social do país tem de típico. A família reinante deve ser como que a concretização simbólica do espírito nacional, no que diz respeito à vida social e familiar.

Modelo, no sentido de que cabe à dinastia a função discreta de dirigir a evolução da mentalidade nacional, no lar e na sociedade. Munida do prestígio social inerente à sua categoria, pode a família reinante, sobre a qual convergem todos os olhares, por meio de seu exemplo, fazer cair em desuso os costumes menos bons e os substituir gradualmente por outros, exercendo assim sobre o espírito público uma função pedagógica de imensa importância.

Foi este o papel social com que deparou a Princesa, desde seus primeiros anos. Digamos desde logo que ela o desempenhou modelarmente.

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Nas ruas do Rio de Janeiro, o povo celebrou
a promulgação da Lei Áurea
Se investigarmos bem a fundo as razões da popularidade que a Família Imperial conservou, mesmo depois da República, veremos que reside em boa parte, no êxito de sua tarefa social. O velho Imperador, com a grande respeitabilidade de sua figura, seu porte grave e afável, sua longa barba precocemente encanecida, representava bem o tipo ideal do excelente pai de família brasileiro daquela época, coluna do lar, protetor suave e varonil dos seus.

Os costumes privados do Imperador eram sabidamente excelentes. O Imperador era como que o tipo exemplar que concentrava em si as virtudes que cada brasileiro estimava em seu próprio Pai. O mesmo se poderia dizer da Imperatriz, Dona Teresa Cristina. Era italiana, da Casa de Bourbon Duas Sicílias.

Adaptou-se a nosso ambiente com a naturalidade com que o fazem os de sua terra. Feia, boa, acolhedora, era ela mesma o protótipo da dama brasileira, algum tanto desinteressada naquele tempo dos encargos de representação, mas exímia em tudo quanto dissesse respeito aos deveres do lar. Todo o mundo, consciente ou inconscientemente, se sentia um pouco parente daquela família-tipo.

Cabia à Princesa Isabel sustentar esta tradição, representar ela mesma a geração em que nascera, com a exatidão e fidelidade com que seus pais haviam logrado encarnar a geração anterior. Incumbia-lhe aliar à representação própria ao regime monárquico, a simplicidade de que os brasileiros sempre foram tão ardentes apreciadores.

À delicadeza, essencial ao verdadeiro ideal feminino, a firmeza de pulso própria a uma herdeira da coroa. Em uma época em que as mulheres viviam tão arredadas da política que nem tinham direito de voto, ela, a Princesa Imperial, se encontrava bem no âmago da vida política, onde devia agir de modo a inspirar confiança aos homens e evitar a antipatia das mulheres!

Até que ponto foi bem sucedida em tudo isto? Não lhe faltaram críticas. A alguns parecia excessiva sua simplicidade, seu desinteresse pela vida de sociedade. Por uma contradição muito própria à política brasileira, este ponto era explorado, não pelos altos círculos sociais..., mas pela propaganda republicana.

Outros receavam que, como dama que era, não tivesse o pulso forte que deve ter quem carrega o cetro. Mais uma vez, foram sobretudo os republicanos que se alarmaram com a ideia de que de futuro o cetro não fosse manuseado com suficiente força, eles que queriam a queda do trono, precisamente para evitar os excessos do poder.

Mas é preciso dizer que não foram só os republicanos que se desagradaram por vezes com este aspecto da atuação da Princesa. Mesmo em círculos monárquicos, estas críticas causavam certa impressão. E alguns dos mais férvidos defensores da coroa eram os primeiros a achar que o trono exigia mais representação e mais força.

Até que ponto estas críticas foram fundadas? A questão se prestaria a um muito amplo desenvolvimento. Ela pertence sobretudo ao domínio da história dos costumes, capítulo complexo da grande História, que não se trata razoavelmente senão com um amplo desenvolvimento de reflexões e um grande reforço de fatos e documentos, coisa que, evidentemente, escapa aos limites de um artigo.

Uma coisa, porém, é certa. A Princesa Imperial se conservou muito popular durante todo o tempo da monarquia e esta popularidade perdurou até sua morte. Quando ela faleceu, os jornais publicaram com destaque a sua fotografia, os brasileiros fitaram comovidamente sua figura de anciã maternal e veneranda. A lei de 13 de Maio já estava longe e a todos parecia tão natural que não houvesse escravos no Brasil, que ninguém sentia mais a sagrada emoção do dia da abolição.

O pesar que sua morte causou foi, para todos, um pouco como o da morte de um membro de sua própria família. Era uma popularidade pessoal, que lhe vinha de suas virtudes, vistas sobretudo deste ângulo fundamental: a Princesa soubera, ela também, encarnar perfeitamente o que havia de melhor entre as brasileiras de sua geração. Era o tipo da grande dama brasileira de seu tempo, nobre, maternal, bondosa, que sabia fazer-se respeitar sobretudo pelo amor.

É possível que algo pudesse ter sido mais perfeito no seu modo de desempenhar o papel representativo de seu cargo. Somente hoje, começam os historiadores a poder pronunciar-se sobre o assunto com isenção. E a questão ainda depende de estudo. De um modo ou do outro em linhas gerais é inegável que ela acertou: a sua durável popularidade prova-o de modo claríssimo.

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[Amanhã postaremos outro artigo dentro da série de homenagens à Princesa Isabel, em seu centenário de falecimento]

13 de novembro de 2021

A Rosa de Ouro da Princesa Imperial

Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança,
 com a “Rosa de Ouro”
 

Em continuação da matéria publicada na revista Catolicismo deste mês, e reproduzida neste blog ontem (12-11-21), em homenagem à Princesa Isabel, no centenário de seu falecimento.

Plinio Corrêa de Oliveira

Legionário, 14 de julho de 1946

 

Segundo notícias veiculadas pela imprensa, acaba de chegar da Europa S. A. o Príncipe Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança, que trouxe consigo a “Rosa de Ouro” doada pelo Santo Padre Leão XIII à Princesa Isabel. Segundo consta, essa preciosa joia será doada à Catedral do Rio de Janeiro, por ocasião do 1º Centenário do nascimento daquela ínclita Princesa.

O fato tem atraído a atenção de todo o nosso público, quer pela significação, quer pelo valor histórico e intrínseco da preciosa joia. E oferece ao “Legionário” a oportunidade de pôr em evidência a atuação da Santa Sé em um dos episódios mais marcantes da História brasileira.

Como se sabe, um dos títulos de glória da civilização cristã consiste em haver abolido a escravidão na Europa. Em todas as grandes civilizações pagãs da África e da Ásia, a escravidão era um instituto geralmente admitido e adotado. A Grécia herdou do Oriente esta tradição e durante toda a história helênica a escravidão existiu. Roma, herdeira da civilização grega, também conheceu a escravidão.

Fac-símile da Lei Áurea 
É sabido que por várias causas, e especialmente em consequência das conquistas, os romanos, que consideravam escravos os prisioneiros de guerra, acresceram desmesuradamente o número dos escravos, que nos mercados de Roma um homem chegou a custar menos que um rouxinol.

Com os primeiros albores do Cristianismo, começou a luta lenta da Igreja contra a escravidão. Numerosos eram os senhores que libertavam seus escravos, em vida ou por testamento, para expiar seus pecados e dar glória a Deus. Sobrevindo a Idade Média, o destino dos escravos foi sendo lentamente melhorado, e por fim a escravidão cessou inteiramente em território europeu.

Pela primeira vez na História, um continente inteiro deixou de ter escravos, para só ter homens livres. E este imenso fenômeno de elevação social se verificou — como ulteriormente no Brasil — sem as perturbações tremendas que a libertação dos escravos trouxe nos Estados Unidos.

A Renascença foi uma verdadeira ressurreição do paganismo, e trouxe consigo uma ressurreição da escravidão. O homem cúpido e prepotente do Renascimento restaurou em terras da América o cativeiro. Lutando obstinadamente contra este fato, a Igreja conseguiu evitar de um modo geral o cativeiro dos índios. Mas não chegou a evitar o dos negros.

Ficava, pois, a nódoa. Era preciso apagá-la.

Desejoso de precipitar o desfecho da luta abolicionista, Joaquim Nabuco deliberou pedir, em apoio da causa, o prestígio e a influência de Leão XIII. E, atendendo ao pedido do grande brasileiro, o Santo Padre escreveu uma Carta Encíclica em que se mostrava favorável à libertação dos escravos no Brasil.

Costuma-se interpretar o gesto de Nabuco como sendo destinado especialmente a fazer pressão sobre a Princesa Imperial, católica modelar, a fim de conseguir dela o gesto de libertação final. O fato é que qualquer palavra do Pontífice teria por certo a maior ressonância junto à Princesa. Mas se bem que esta pudesse sentir uma ou outra hesitação quanto à oportunidade da medida, o fato é que a causa abolicionista já era causa vencedora no nobre coração de Da. Isabel.

Ninguém ignora que ela era abolicionista de todo o coração, a tal ponto que no próprio Paço Imperial seus filhos, ainda pequenos, confeccionavam um pequeno jornal abolicionista que circulava com grande irritação dos escravagistas.

De fato, a Carta de Leão XIII teve um alcance ainda maior. Nação profundamente católica, o Brasil sempre foi dócil à voz de Pedro. O vigor da opinião católica se atestou no Império tão claramente, por ocasião do “caso” de Dom Vital [Maria Gonçalves de Oliveira], que nem é necessário insistir sobre isto.

A palavra do Pontífice colocaria na caudal do movimento abolicionista a imensa massa católica do país. No plano puramente político, este efeito da Carta de Leão XIII talvez ainda não tenha sido devidamente apreciado por nossos historiadores.

E veio a abolição. Leão XIII quis dar, a este propósito, um testemunho de sua paternal admiração à nobre Princesa que assinara o decreto, e de aplauso ao povo que tão bem o recebera. Daí o enviar o Pontífice à grande Princesa brasileira a “Rosa de Ouro”, o mais alto testemunho de apreço que o Papa dá aos membros de Casa reinante.

Esta joia de inestimável valor põe, portanto, em foco, a figura de Leão XIII e da grande Princesa Isabel, e evoca uma página brilhante, a um tempo da História da Igreja e do Brasil.

[Amanhã postaremos outro artigo dentro da série de homenagens à Princesa Isabel, em seu centenário]