25 de dezembro de 2021
Boa paz com boa guerra, quando necessária
"Querer paz sem Deus é absurdo. Onde não há Deus, não há justiça. Onde não há justiça, em vão nutre-se a esperança de paz."
22 de dezembro de 2021
A glória de Deus no alto dos céus, aspecto secundário do Natal?
O Arcanjo São Gabriel aparece aos pastores – Alfred Morgan (1836-1924). Coleção Privada
Não há paz na Terra sem
que os homens estejam voltados para Nosso Senhor Jesus Cristo. E “paz na Terra”
inclui a cessação de todas as lutas, exceto a incessante e gloriosa guerra
contra o demônio e seus aliados.
✅ Plinio Corrêa de Oliveira
Reprodução de Catolicismo, dezembro/1963, nº 156
Repousais,
Senhor, em vosso misérrimo e augustíssimo presépio, sob os olhos da Virgem,
vossa Mãe, que vertem sobre Vós os tesouros inauferíveis de seu respeito e de
seu carinho. Jamais uma criatura adorou com tão profunda e respeitosa humildade
o seu Deus. Nunca um coração materno amou mais ternamente seu filho.
Reciprocamente, jamais Deus amou tanto uma mera criatura. E nunca filho amou
tão plenamente, tão inteiramente, tão superabundantemente sua mãe.
Toda
a realidade desse sublime diálogo de almas pode conter-se nestas palavras que
indicam aqui todo um oceano de felicidade, e que em ocasião bem diversa
haveríeis de dizer um dia do alto da Cruz: “Mãe,
eis aí teu filho. Filho, eis aí tua Mãe” (cfr. Jo 19, 26). E, considerando
a perfeição deste recíproco amor, entre Vós e vossa Mãe, sentimos o cântico
angélico que se levanta das profundezas de toda alma cristã: “Glória a Deus no mais alto dos Céus, e paz
na Terra aos homens de boa vontade” (Lc 2, 14).
Fala-se
mais de paz do que da glória de Deus
“Paz na Terra aos homens de boa
vontade”: o jogo complicado, mas célere das associações de
imagens me faz sentir imediatamente que em numerosas ocasiões no ano que finda
ouvi falar de paz, e de homens de boa vontade. Curioso... dou-me conta de que
ouvi falar menos, e até muito menos, da glória de Deus no mais alto dos Céus. A
bem dizer, disto quase não ouvi falar. Nem mesmo implicitamente; pois
implicitamente se fala da glória de Deus quando se afirmam os soberanos
direitos d’Ele sobre toda a criação, e, por amor a Ele, se reivindica o
cumprimento de sua Lei por parte dos indivíduos, famílias, grupos
profissionais, classes sociais, regiões, nações, e toda a sociedade
internacional.
Por que este silêncio? — Pergunto-me. Por que os homens querem tanto a paz? Por que tantos homens se ufanam de ter boa vontade? E por que tão poucos são os que se preocupam com a glória de Deus, e se blasonam de por ela agir e lutar?
Adoração dos pastores – Gerard van Honthorst
(1592-1656). Pomeranian State Museum (Pomerânia). A Crucifixão – Bernardino Luini (1480-1532). Museu Hermitage, São Petersburgo (Rússia) |
A paz dos homens vale mais que a glória de Deus?
Em
outros termos, o fato essencial do vosso Santo Natal, Senhor, seria só a paz na
Terra para os homens de boa vontade? E a glória de Deus no mais alto dos Céus
seria como que um aspecto colateral, longínquo, confuso e insípido para os
homens, do grande evento de Belém?
Em
outros termos ainda, a paz dos homens vale mais que a glória de Deus? A Terra
vale mais que o Céu? O homem vale então mais do que Deus? E a paz na Terra pode
ser obtida, conservada e até incrementada sem que com isto nada tenha a ver a
glória de Deus?
Por
fim, o que é um homem de boa vontade? É o que só quer a paz na Terra,
indiferente à glória de Deus no Céu?
Todas estas questões convidam a uma detida análise do cântico angélico.
Meditar
no Santo Natal de modo transcendente
Admirável
profundidade de toda palavra inspirada! Tão simples que até uma criança o pode
compreender, o cântico dos Anjos de Belém encerra, entretanto, verdades das
mais profundas.
Como
é proveitoso, pois, nutrir o espírito com essas palavras, para participar devidamente
das festas do Santo Natal!
Ajudai-nos, Mãe Santíssima, Sede da Sabedoria, com vossas preces, para que, iluminados pelas claridades que de Jesus dimanam, possamos entender o cântico angélico que é o mais perfeito e autorizado comentário do Natal.
“Boa vontade” em relação a quem?
Adoração dos pastores
– Camillo Procaccini (1615). Igreja de Sant’Alessandro, Milão |
Para
o sabermos, basta indagar: boa vontade para com quem? A resposta salta
impetuosa e impaciente, como sói acontecer quando a pergunta tem algo de ocioso
por inquirir o que é quase evidente. Ora bolas, dirão muitos de nossos
coetâneos, boa vontade para com o próximo. Aquele que, ateu ou sequaz de uma
religião, seja ela qual for, adepto da propriedade privada, do socialismo ou do
comunismo, quer que todos os homens vivam alegres, na fartura, sem doenças, sem
lutas, sem riscos, aproveitando o mais possível esta vida, este é um homem de
boa vontade.
Visto nesta perspectiva, o homem de boa vontade é um artífice da paz. Diz o ditado que “em casa onde falta o pão, todos brigam e ninguém tem razão”. Logo, onde há pão todos têm razão e há paz. Onde há pão, teto, remédios, segurança, com maior razão há necessariamente a paz.
Paz
terrena libertada de implicações religiosas?
E
a glória de Deus? Para o “homem de boa
vontade” assim concebido, é ela um elemento supérfluo no que se refere à
paz na Terra. Pois é da adequada ordenação da economia que decorre a boa ordem
na vida social e política, e portanto a paz.
“Supérfluo”
é dizer pouco, a respeito da glória de Deus no Céu, considerada em função da
paz na Terra. Como alguns homens creem em Deus, e outros não creem, e como
entre os que creem há diversidade no modo de entender Deus, este último pode
atuar como perigoso fautor de divisões, discussões e polêmicas. Deus é um
senhor por demais comprometido há milhares de anos em polêmicas, para que dele
se fale a toda hora. Para ter paz na Terra é melhor não estar falando a todo
momento sobre Deus e sua glória no Céu.
E
depois... o Céu é tão vago, tão longínquo, tão incerto! Que dele falassem os
Anjos, vá lá, pois lá moram. Mas nós, homens, cuidemos da Terra.
Unir
a glória celeste à paz terrestre é para o “homem
de boa vontade” algo de tão incorreto, supérfluo e pejado de fatores de luta
como é, por exemplo, imprudente unir a Igreja ao Estado. A Igreja livre do
Estado e o Estado livre da Igreja, eis um anelo bem típico do “homem de boa vontade”. A paz terrena
libertada de implicações religiosas, e Deus no seu Céu e sua glória, sorrindo
de braços cruzados para a Terra em paz, a uma tal distância da Terra que lá não
chegue nem sequer o Lunik, eis o ideal
do “homem de boa vontade”.
Sem que os homens deem glória a Deus, não há paz no mundo
Estas
são as considerações do “homem de boa vontade”
entre aspas, cujo coração está longe do Céu e cujo olhar só se detém sobre a Terra.
Contudo,
quanto divergem elas do sentido próprio e natural do cântico angélico!
Realmente,
se o Natal dá glória a Deus no mais alto dos Céus e simultaneamente é a fonte
da paz na Terra para os homens de boa vontade — foi o que os Anjos proclamaram
em seu cântico — não se pode dissociar uma coisa da outra. Sem que os homens deem
glória a Deus, não há paz no mundo. E a guerra, enquanto considerada no
agressor culpado, é incompatível com a glória de Deus.
Vós, Senhor Jesus, Deus
humanado, sois entre os homens o Príncipe da Paz. Sem Vós a paz é uma mentira
e, afinal, tudo se converte em guerra.
E é porque os homens não compreendem isto, que procuram de todos os modos a paz, mas a paz não habita no meio deles.
A “boa vontade” inautêntica e agnóstica
O
que é então o homem de boa vontade, se não é o homem que ama o próximo? Será
porventura o que odeia seu próximo?
Ao
fariseu, que Vos chamou de bom Mestre, perguntastes: por que Me chamais de bom,
se só Deus é bom? (cfr. Lc 18, 19 ).
Se
só Deus é bom, a boa vontade autêntica é a que se volta toda para Deus, e ama o
próximo, não pelo mero amor do próximo, mas pelo amor de Deus. O homem é tal,
que não pode amar o próximo pelo próximo. Ou o ama por amor de si mesmo, e isto
é egoísmo. Ou o ama por Deus, e isto sim é amor verdadeiro.
Em
consequência, a “boa vontade” agnóstica e a paz terrena que ela tende a
instaurar, nem são boa vontade autêntica, nem paz verdadeira.
E o falso “homem de boa vontade” é em última análise um semeador de guerras e um artífice de ruínas.
Paz
é a mera abstração de controvérsias?
Mas, dirá alguém, como pode ser Jesus o fundamento da paz, se ninguém como Ele tem suscitado tanto ódio? O populacho, cumulado por Ele de favores espirituais e materiais de toda ordem, preferiu Barrabás, um bandido. Isto não é ódio? Os Imperadores contra Ele moveram perseguições atrozes. Os arianos contra Ele mobilizaram todas as potências da Terra. Depois vieram os maometanos. E depois, e depois, todos os grandes vagalhões da História, até o nazismo e o comunismo. Aliás, acrescentaria talvez alguém, Simeão bem exprimiu essa verdade, profetizando que Ele seria ao longo da História uma pedra de escândalo, um sinal de contradição para a morte e ressurreição de muitos (cfr. Lc 2, 34). Ele próprio disse de Si que trazia à Terra o gládio (cfr. Mt 10, 34). Por melhor que tudo isto seja — poderia argumentar um “homem de boa vontade” entre aspas —, a verdadeira paz, isto é, uma plena e completa desmobilização dos espíritos, uma inteira cessação não só de todas as guerras como de todas as polêmicas, não é possível com Jesus Cristo. A paz só é autêntica quando abstrai de todas as controvérsias, inclusive aquelas a que Jesus Cristo — sem culpa própria, concede o “homem de boa vontade” — dá ocasião.
A
verdadeira paz não exclui a luta do bem contra o mal
Sim, diria um homem de boa vontade autêntico, isto é, um homem que com todas as veras de sua alma ama a Deus.
Neste
caso, é por burla que a Escritura chama Jesus Cristo Príncipe da Paz (cfr. Is
9, 6), e a Igreja, fazendo eco ao Batista (cfr. Jo 1, 29 e 36), O apresenta
como um manso Cordeiro a quem os homens devem pedir o dom da paz: “Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, dona
nobis pacem” (Eis o Cordeiro de Deus, Aquele que tira o pecado do mundo —
Jo 1, 29).
Ou é por que a verdadeira paz não exclui a luta do bem contra o mal, a polêmica entre a luz e as trevas, o perpétuo esmagar da cabeça da Serpente pela Virgem sem mancha, a hostilidade entre a raça oriunda da Virgem e a raça da Serpente? A paz é a ordem de Cristo no Reino de Cristo. Ela tem, pois, como condição a luta dos sequazes de Cristo contra os inimigos de Cristo. A paz de Cristo não se identifica de modo nenhum com a falsa paz, sem lutas nem polêmicas, do pretenso “homem de boa vontade”.
Paz na Terra e guerra
contra o demônio e seus aliados
Três grandes lições, ó Deus-Menino, recolhemos do vosso Santo Natal. Ficamos sabendo que não há paz na Terra sem Vós. Que homem de boa vontade autêntico não é quem ama o homem pelo homem, mas quem o ama por amor de Vós. E que vossa Paz inclui a cessação de todas as lutas exceto a vossa incessante e gloriosa guerra contra o demônio e seus aliados, isto é, o mundo e a carne.
Virgem
Maria, Medianeira de todas as graças, debruçada em adoração sobre o
Deus-Menino, obtende-nos uma plena compenetração de todas estas verdades.
E
permiti que nas perspectivas que elas desvendam, cantemos convosco e com todas
as criaturas celestes e terrenas das quais sois Rainha:
“Glória a Deus no mais alto dos
Céus, e paz na Terra aos homens de boa vontade”.
20 de dezembro de 2021
PELO CHILE PAÍS IRMÃO: LUTO, LUTA E ORAÇÃO
17 de dezembro de 2021
Natal e o bom combate como condição para uma autêntica paz na Terra
A guerra contra o demônio e seus sequazes daqueles que desejam o estabelecimento da autêntica paz entre os homens
Além do artigo de Plinio Corrêa de Oliveira, duas outras matérias o complementam. Seus autores, Luís Dufaur e Paulo Américo de Araújo, acrescentam fatos e comentários evocativos do Santo Natal, quando há 2021 anos nascia em Belém o Príncipe da Paz, o Deus que faz guerra aos sequazes de Lúcifer e apresenta a única solução para as desordens que abalam o mundo e geram conflitos.
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13 de dezembro de 2021
HISTÓRIA DOS OLHARES
✅ Plinio Corrêa de Oliveira
Para se ter uma ideia do que pode produzir em nós o olhar de Nosso Senhor, pensemos no olhar mais famoso da História: aquele olhar que Ele deitou em São Pedro e que o mudou de um momento para outro.
12 de dezembro de 2021
ONTEM, HÁ TANTO TEMPO
25 de novembro de 2021
NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS
Foto: José Roberto Dias Tavares
Medalha Milagrosa de Nossa Senhora das Graças — cuja festividade celebra-se no dia 27 de novembro — é imagem-símbolo da luta e da vitória contra o poder das trevas
15 de novembro de 2021
Uma glória da Igreja na História do Brasil – II
Com este artigo concluímos a
série de publicações em homenagem à Princesa Imperial, no centenário de seu
falecimento.
✅ Plinio Corrêa
de Oliveira
Legionário, 4
de agosto de 1946
A
popularidade da Princesa Isabel sofreu, entretanto, rudes entrechoques. A
propaganda republicana jamais desarmou contra ela. E, ao mesmo tempo, Dona
Isabel teve de enfrentar dois rudes adversários: o anticlericalismo e, o que é
pior de tudo, o moderantismo “católico”.
O
Brasil vivia, naquele tempo, em plena modorra religiosa. Poucos eram os
anticatólicos declarados. Mas o anticlericalismo era aqui vivaz, agressivo,
intolerante. Dos que se diziam católicos, muitos sustentavam em teologia,
filosofia, direito, moral, as opiniões mais abstrusas, arrogando-se não raras
vezes a liberdade de discutir as próprias orientações doutrinárias ou
disciplinares da Igreja.
Em muitos lares onde se rezava em comum antes das refeições, o sacerdote era mal visto e mal recebido. Em algumas camadas sociais, ninguém frequentava os sacramentos. E todo o mundo se dizia católico. Até [anticatólicos] pertenciam às confrarias religiosas!
O ódio velado dos
“católicos” moderados foi a grande cruz de Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira. |
Diante de situação tão catastrófica, e aparentemente tão homogeneamente católica, havia duas tendências. Uns queriam contemporizar. Outros queriam lutar. Destes últimos foi Dom Vital [foto]. Contra ele se levantou a sanha do anticlericalismo em peso. Sabemos qual foi seu martírio. Sabemos, sobretudo, que em sua coroa nenhum espinho foi tão doloroso do que a hostilidade mais ou menos disfarçada, mas imensamente rancorosa e peçonhenta, do moderantismo “católico”. O ódio velado dos "católicos" moderados foi a grande cruz de Dom Vital.
A
Princesa Imperial sempre alarmou o anticlericalismo indígena. Católica, não de
fancaria ou de fachada, mas de um catolicismo férvido e autêntico, a Princesa
prometia ser um obstáculo insuperável aos empreendimentos dos inimigos da Fé.
Já
têm sido publicadas numerosas circulares [anticatólicas] recomendando
propaganda contra ela, para evitar sua ascensão ao trono. O ponto capital deste
rancor estava no procedimento da Princesa durante a chamada “questão religiosa”.
Sem se afastar da linha de respeito e obediência que devia ao Imperador, Dona
Isabel deixou transparecer claramente sua reprovação pela prisão dos Bispos.
Todo
o mundo que se levantou naquela ocasião contra Dom Vital aproveitou a
oportunidade para injuriar a Princesa. Dona Isabel não se abalou. Bebeu
resolutamente o mesmo fel de amargura de que transbordava o cálice de Dom
Vital. Dizem que a queda da Monarquia se deveu à libertação dos escravos.
O
acontecimento teve ainda outras causas profundas. Mas a razão mais ativa foi,
sem dúvida, o ódio [anticatólico] contra a Princesa. Se houvesse alguma
esperança de que, sob seu reinado, a opressão da Igreja pelo Estado regalista
continuasse, é bem possível que o trono não houvesse caído.
A Princesa Isabel, em Paris, na década de 1890 |
No
que diz respeito à libertação, ninguém ignora que a ação da Princesa não foi
apenas protocolar. Ela preparou com todas as suas forças o acontecimento,
embora sua situação constitucional lhe permitisse uma liberdade de movimentos
apenas relativa. Este ponto já está tão esclarecido, que não merece maior
insistência.
É
interessante notar, entretanto, os paradoxos de que está cheia a vida da
Princesa. Aqui vem mais um. Seu trono foi derrubado não só por positivistas e
[anticatólicos], como também por grandes proprietários agrícolas, que são os
sustentáculos naturais do trono em todas as monarquias.
No
momento, Dona Isabel se beneficiou de um surto de popularidade formidável. Ela
mesma, entretanto, não confiava nessas manifestações que tinham muito de
sincero, mas algum tanto também de demagógico. Quando veio a República, ela não
se surpreendeu. E caminhou para o exílio sem repudiar as duas grandes causas a
que se sacrificara: a Igreja e a libertação [dos escravos].
No
exílio, Dona Isabel formou uma estirpe de autênticos brasileiros. No castelo
d’Eu, onde residia, os hóspedes brasileiros eram sempre os preferidos. As
reminiscências do Brasil se encontravam a cada passo. Toda uma galeria do
castelo está ocupada por um verdadeiro museu de raridades relacionadas com
nossos índios. O arquivo da família imperial, ali instalado, é um dos mais
ricos repositórios de documentos brasileiros, e está primorosamente organizado.
Tudo ali fala de saudades, intensas saudades do Brasil.
Os
visitantes que vão a Paray-le-Monial, Santuário mundial do Sagrado Coração de
Jesus, se espantam em ver como, nos ex-votos de todos os países do mundo,
sobressaem os do Brasil. Foi a Princesa Imperial que providenciou estas
oferendas. Tolhida de bem fazer a sua Pátria, por outros modos seu delicado
coração encontrou este meio de servir ainda o Brasil.
E
os católicos de todos os credos políticos hão de reconhecer, comovidos, que as
preces da grande e piedosa Princesa hão de ter sido bem recebidas pelo Sagrado
Coração de Jesus, em favor da Terra de Santa Cruz.
14 de novembro de 2021
Uma glória da Igreja na História do Brasil
Princesa Isabel com seu neto e sucessor D. Pedro Henrique. Fotografia colorida digitalmente. |
Continuação da matéria publicada na revista Catolicismo deste mês, e reproduzida neste blog ontem (13-11-21), em homenagem à Princesa Isabel, no centenário de seu falecimento.
✅ Plinio
Corrêa de Oliveira
Legionário,
28 de julho de 1946
Transcorrendo
agora o primeiro centenário do nascimento da Princesa Isabel, é da maior
conveniência que se ponham em relevo alguns aspectos de sua personalidade, que
a opinião pública ainda não conhece devidamente.
Não
vale a pena analisar, é claro, as mil pequenas calúnias e maldades com que a
propaganda republicana procurou, durante os últimos anos da monarquia, açular
contra a herdeira da coroa, a opinião pública. “Mentez, mentez, il en restera toujours quelque chose” (Menti,
menti, sempre ficará alguma coisa), escrevia Voltaire.
O
caso da Princesa Isabel constitui significativa exceção à regra geral. Hoje em
dia, não há quem perca tempo em discutir os leitmotivs
da propaganda anti-isabelina: todos tiveram a vida efêmera das mentiras mal
contadas, e se desacreditaram por si.
Entretanto,
apesar de tudo isto, a figura da Princesa Isabel ainda não é bem conhecida
pelos brasileiros. Os compêndios a apresentam tão somente como a libertadora da
raça escrava. Ela emerge da sombra discreta da vida do lar, para penetrar na
grande História em um momento fulgurante. Assina a lei de abolição. Cerimônia da assinatura da Lei Áurea
(Quadro de Victor Meirelles)
Volta,
depois, à vida de família, numa penumbra que o exílio, pouco depois, ainda
tornará mais densa. E nesta penumbra se extingue docemente, e quase sem ruído,
a sua vida terrena, numa época em que sua figura já tinha saído inteiramente da
atualidade política. Desta vida familiar transcorrida numa nobre discrição, se
desprende perfume da genuína virtude cristã.
Reunindo
estes escassos elementos informativos, o quadro psicológico da Princesa parece
compor-se facilmente: excelente dama, que viveu sempre para o lar e que teve a
felicidade de assinar em dado momento a lei de emancipação.
Por certo, estes traços gerais são verdadeiros e eles bastam inteiramente para justificar a glória da "Redentora". Não há dúvida, entretanto, de que uma análise histórica mais pormenorizada enriqueceria muito, com novos e belos aspectos, esta noção que, se bem que bela, é no fundo bastante sumária.
Família Imperial | (Crédito da foto: Otto_Hees-Restoration) |
Para
que tenhamos disto alguma ideia, é preciso considerarmos o exemplo inglês, a
suma atenção com que a opinião de todas as camadas sociais e correntes
partidárias acompanha os gestos e feitos da família real, e a importância que
atribui a qualquer acontecimento que ocorra neste terreno.
A
família reinante deve, a um tempo, ser o espelho e o modelo do ideal familiar e
social do país. Espelho, no sentido de que deve possuir do modo mais acentuado
e autêntico, o que a mentalidade doméstica e social do país tem de típico. A
família reinante deve ser como que a concretização simbólica do espírito
nacional, no que diz respeito à vida social e familiar.
Modelo,
no sentido de que cabe à dinastia a função discreta de dirigir a evolução da
mentalidade nacional, no lar e na sociedade. Munida do prestígio social
inerente à sua categoria, pode a família reinante, sobre a qual convergem todos
os olhares, por meio de seu exemplo, fazer cair em desuso os costumes menos
bons e os substituir gradualmente por outros, exercendo assim sobre o espírito
público uma função pedagógica de imensa importância.
Foi
este o papel social com que deparou a Princesa, desde seus primeiros anos.
Digamos desde logo que ela o desempenhou modelarmente.
* * *
Se
investigarmos bem a fundo as razões da popularidade que a Família Imperial
conservou, mesmo depois da República, veremos que reside em boa parte, no êxito
de sua tarefa social. O velho Imperador, com a grande respeitabilidade de sua
figura, seu porte grave e afável, sua longa barba precocemente encanecida,
representava bem o tipo ideal do excelente pai de família brasileiro daquela
época, coluna do lar, protetor suave e varonil dos seus. Nas ruas do Rio de Janeiro, o povo celebrou
a promulgação da Lei Áurea
Os
costumes privados do Imperador eram sabidamente excelentes. O Imperador era
como que o tipo exemplar que concentrava em si as virtudes que cada brasileiro
estimava em seu próprio Pai. O mesmo se poderia dizer da Imperatriz, Dona
Teresa Cristina. Era italiana, da Casa de Bourbon Duas Sicílias.
Adaptou-se
a nosso ambiente com a naturalidade com que o fazem os de sua terra. Feia, boa,
acolhedora, era ela mesma o protótipo da dama brasileira, algum tanto desinteressada
naquele tempo dos encargos de representação, mas exímia em tudo quanto dissesse
respeito aos deveres do lar. Todo o mundo, consciente ou inconscientemente, se
sentia um pouco parente daquela família-tipo.
Cabia
à Princesa Isabel sustentar esta tradição, representar ela mesma a geração em
que nascera, com a exatidão e fidelidade com que seus pais haviam logrado
encarnar a geração anterior. Incumbia-lhe aliar à representação própria ao
regime monárquico, a simplicidade de que os brasileiros sempre foram tão
ardentes apreciadores.
À
delicadeza, essencial ao verdadeiro ideal feminino, a firmeza de pulso própria
a uma herdeira da coroa. Em uma época em que as mulheres viviam tão arredadas
da política que nem tinham direito de voto, ela, a Princesa Imperial, se
encontrava bem no âmago da vida política, onde devia agir de modo a inspirar
confiança aos homens e evitar a antipatia das mulheres!
Até que ponto foi bem sucedida em tudo isto? Não lhe faltaram críticas. A alguns parecia excessiva sua simplicidade, seu desinteresse pela vida de sociedade. Por uma contradição muito própria à política brasileira, este ponto era explorado, não pelos altos círculos sociais..., mas pela propaganda republicana.
Outros
receavam que, como dama que era, não tivesse o pulso forte que deve ter quem
carrega o cetro. Mais uma vez, foram sobretudo os republicanos que se alarmaram
com a ideia de que de futuro o cetro não fosse manuseado com suficiente força,
eles que queriam a queda do trono, precisamente para evitar os excessos do
poder.
Mas
é preciso dizer que não foram só os republicanos que se desagradaram por vezes
com este aspecto da atuação da Princesa. Mesmo em círculos monárquicos, estas
críticas causavam certa impressão. E alguns dos mais férvidos defensores da
coroa eram os primeiros a achar que o trono exigia mais representação e mais
força.
Até
que ponto estas críticas foram fundadas? A questão se prestaria a um muito
amplo desenvolvimento. Ela pertence sobretudo ao domínio da história dos
costumes, capítulo complexo da grande História, que não se trata razoavelmente
senão com um amplo desenvolvimento de reflexões e um grande reforço de fatos e
documentos, coisa que, evidentemente, escapa aos limites de um artigo.
Uma
coisa, porém, é certa. A Princesa Imperial se conservou muito popular durante
todo o tempo da monarquia e esta popularidade perdurou até sua morte. Quando
ela faleceu, os jornais publicaram com destaque a sua fotografia, os
brasileiros fitaram comovidamente sua figura de anciã maternal e veneranda. A
lei de 13 de Maio já estava longe e a todos parecia tão natural que não
houvesse escravos no Brasil, que ninguém sentia mais a sagrada emoção do dia da
abolição.
O
pesar que sua morte causou foi, para todos, um pouco como o da morte de um
membro de sua própria família. Era uma popularidade pessoal, que lhe vinha de
suas virtudes, vistas sobretudo deste ângulo fundamental: a Princesa soubera,
ela também, encarnar perfeitamente o que havia de melhor entre as brasileiras
de sua geração. Era o tipo da grande dama brasileira de seu tempo, nobre,
maternal, bondosa, que sabia fazer-se respeitar sobretudo pelo amor.
É
possível que algo pudesse ter sido mais perfeito no seu modo de desempenhar o
papel representativo de seu cargo. Somente hoje, começam os historiadores a
poder pronunciar-se sobre o assunto com isenção. E a questão ainda depende de
estudo. De um modo ou do outro em linhas gerais é inegável que ela acertou: a
sua durável popularidade prova-o de modo claríssimo.
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[Amanhã
postaremos outro artigo dentro da série de homenagens à Princesa Isabel, em seu
centenário de falecimento]
13 de novembro de 2021
A Rosa de Ouro da Princesa Imperial
Dom Pedro
Henrique
de Orleans
e Bragança, com a “Rosa de Ouro” |
Em continuação da matéria publicada na revista Catolicismo deste mês, e reproduzida neste blog ontem (12-11-21), em homenagem à Princesa Isabel, no centenário de seu falecimento.
✅Plinio
Corrêa de Oliveira
Legionário,
14 de julho de 1946
Segundo
notícias veiculadas pela imprensa, acaba de chegar da Europa S. A. o Príncipe
Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança, que trouxe consigo a “Rosa de Ouro”
doada pelo Santo Padre Leão XIII à Princesa Isabel. Segundo consta, essa
preciosa joia será doada à Catedral do Rio de Janeiro, por ocasião do 1º
Centenário do nascimento daquela ínclita Princesa.
O
fato tem atraído a atenção de todo o nosso público, quer pela significação,
quer pelo valor histórico e intrínseco da preciosa joia. E oferece ao
“Legionário” a oportunidade de pôr em evidência a atuação da Santa Sé em um dos
episódios mais marcantes da História brasileira.
Como
se sabe, um dos títulos de glória da civilização cristã consiste em haver
abolido a escravidão na Europa. Em todas as grandes civilizações pagãs da
África e da Ásia, a escravidão era um instituto geralmente admitido e adotado.
A Grécia herdou do Oriente esta tradição e durante toda a história helênica a
escravidão existiu. Roma, herdeira da civilização grega, também conheceu a
escravidão.
Fac-símile da Lei Áurea |
Com
os primeiros albores do Cristianismo, começou a luta lenta da Igreja contra a
escravidão. Numerosos eram os senhores que libertavam seus escravos, em vida ou
por testamento, para expiar seus pecados e dar glória a Deus. Sobrevindo a
Idade Média, o destino dos escravos foi sendo lentamente melhorado, e por fim a
escravidão cessou inteiramente em território europeu.
Pela
primeira vez na História, um continente inteiro deixou de ter escravos, para só
ter homens livres. E este imenso fenômeno de elevação social se verificou —
como ulteriormente no Brasil — sem as perturbações tremendas que a libertação
dos escravos trouxe nos Estados Unidos.
A
Renascença foi uma verdadeira ressurreição do paganismo, e trouxe consigo uma
ressurreição da escravidão. O homem cúpido e prepotente do Renascimento
restaurou em terras da América o cativeiro. Lutando obstinadamente contra este
fato, a Igreja conseguiu evitar de um modo geral o cativeiro dos índios. Mas
não chegou a evitar o dos negros.
Ficava, pois, a nódoa.
Era preciso apagá-la.
Desejoso de precipitar o desfecho da luta abolicionista, Joaquim Nabuco deliberou pedir, em apoio da causa, o prestígio e a influência de Leão XIII. E, atendendo ao pedido do grande brasileiro, o Santo Padre escreveu uma Carta Encíclica em que se mostrava favorável à libertação dos escravos no Brasil.
Costuma-se
interpretar o gesto de Nabuco como sendo destinado especialmente a fazer
pressão sobre a Princesa Imperial, católica modelar, a fim de conseguir dela o
gesto de libertação final. O fato é que qualquer palavra do Pontífice teria por
certo a maior ressonância junto à Princesa. Mas se bem que esta pudesse sentir
uma ou outra hesitação quanto à oportunidade da medida, o fato é que a causa
abolicionista já era causa vencedora no nobre coração de Da. Isabel.
Ninguém
ignora que ela era abolicionista de todo o coração, a tal ponto que no próprio
Paço Imperial seus filhos, ainda pequenos, confeccionavam um pequeno jornal
abolicionista que circulava com grande irritação dos escravagistas.
De fato, a Carta de Leão XIII teve um alcance ainda maior. Nação profundamente católica, o Brasil sempre foi dócil à voz de Pedro. O vigor da opinião católica se atestou no Império tão claramente, por ocasião do “caso” de Dom Vital [Maria Gonçalves de Oliveira], que nem é necessário insistir sobre isto.
A
palavra do Pontífice colocaria na caudal do movimento abolicionista a imensa
massa católica do país. No plano puramente político, este efeito da Carta de
Leão XIII talvez ainda não tenha sido devidamente apreciado por nossos historiadores.
E
veio a abolição. Leão XIII quis dar, a este propósito, um testemunho de sua
paternal admiração à nobre Princesa que assinara o decreto, e de aplauso ao
povo que tão bem o recebera. Daí o enviar o Pontífice à grande Princesa
brasileira a “Rosa de Ouro”, o mais alto testemunho de apreço que o Papa dá aos
membros de Casa reinante.
Esta joia de inestimável valor põe, portanto, em foco, a figura de Leão XIII e da grande Princesa Isabel, e evoca uma página brilhante, a um tempo da História da Igreja e do Brasil.
[Amanhã postaremos outro artigo dentro da série de homenagens à Princesa Isabel, em seu centenário]