29 de julho de 2021

A impostação de alma de Santo Inácio de Loyola

Santo Inácio de Loyola, pintado por Jacopino del Conte (único quadro pintado em vida do santo fundador jesuíta)

Lucidez, distensão e força de vontade diante das coisas grandes ou pequenas, no fundador da Companhia de Jesus para combater a pseudo-reforma protestante e impulsionar a Contra-Reforma. Tinha como lema “Tudo para a maior glória de Deus”. Dele disse o Papa Gregório XV, “tinha a alma maior que o mundo”. Sua festividade é comemorada no dia 31 de julho.

✅  Plinio Corrêa de Oliveira 

Neste quadro, Santo Inácio mostra bem o temperamento espanhol, com o qual a única combinação possível é que não há combinação. 

Sua força de vontade está toda posta na última consequência do que ele quer. A determinação de um homem que, a qualquer momento, está pronto a partir para qualquer guerra, sem o menor frêmito, susto, estranheza ou excitação. 

Lucidíssimo, há nele algo em que a inteligência e a vontade formam um unum — eu o denominaria espírito de Santo Inácio — que me faz lembrar um anjo. 

É uma pessoa que foi capaz de descolar seu pensamento de tudo que é inferior, ou que pode conduzir para cogitações secundárias. Ele mantém seu pensamento no fim último que deseja conquistar. Isto porque operou o descolamento sacrossanto e sadio daquilo que é secundário. 

Um homem sem a menor tensão, completamente distendido, com uma deliberação total, absoluta e estável. Podemos notar essa distensão em seu queixo e no lábio inferior. 

Ele encara o horizonte remoto, mas vê todas as etapas intermediárias e tem a vista tranquilamente posta na última consequência do que viu. Seu olhar é capaz de assestar com a mesma atenção, penetração e lucidez nos objetos mais remotos e nos mais próximos; mas de modo indiferente, como quem vê com clareza tanto a ponta do sapato quanto o alto do Himalaia. É senhor das situações, tão rei na hora de limpar o sapato como no momento de dar um golpe contra os protestantes. 

A fronte tem uma luminosidade difusa, exprimindo largos horizontes. Usa o famoso barrete jesuíta, o que ajuda a compor o quadro. Tudo que ele fazia era pensado, até mesmo o simples gesto de tirar o barrete para cumprimentar um noviço da Companhia de Jesus. Afirmou ele que poderia enumerar umas 20 ou mais razões justificando o modo como fez aquele gesto. 

Aquilo que São Francisco de Assis foi para a pobreza, Santo Inácio foi para essa impostação de alma.
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Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 8-8-1980. Esta transcrição não passou pela revisão do autor.

28 de julho de 2021

Os fiéis têm pleno direito de se defenderem de uma agressão litúrgica – mesmo quando esta provém do Papa


José Antonio Ureta 

Fonte: Revista Catolicismo, Nº 848, Agosto/2021 

Com um golpe de caneta, no dia 16 de julho (festa de Nossa Senhora do Carmo), o Papa Francisco tomou medidas concretas para abolir na prática o rito latino da Santa Missa, que vigorou substancialmente desde São Dâmaso, no fim do século IV — com acréscimos de São Gregório Magno no fim do século VI —, até o missal de 1962, promulgado por João XXIII. 

A intenção de restringir gradualmente, até a sua extinção, o uso desse rito imemorial, patenteia-se na carta que acompanha o ‘motu próprio’ Traditionis Custodes, na qual o pontífice reinante insta os bispos do mundo inteiro a “atuar para que se regresse a uma forma celebrativa unitária” com os missais de Paulo VI e João Paulo II, que passam a ser “a única expressão da lex orandi do Rito Romano”. Sua consequência prática é que os sacerdotes de rito latino não têm mais o direito de celebrar a missa tradicional, só podendo fazê-lo com permissão do bispo — e da Santa Sé, para os que doravante forem ordenados!

A pergunta óbvia que surge diante dessa drástica medida é a seguinte: um tem um Papa poder para derrogar um rito que vigorou na Igreja por 1400 anos e cujos elementos essenciais provêm dos tempos apostólicos? Porque, se de um lado o Vigário de Cristo tem a plena et suprema potestas nas matérias atinentes “à disciplina e ao governo da Igreja difundida pelo orbe”,[1] conforme ensina o Concilio Vaticano I , de outro lado ele deve respeitar os costumes universais da Igreja em matéria litúrgica. 

A resposta é dada de maneira peremptória no parágrafo n° 1125 do Catecismo da Igreja Católica promulgado por João Paulo II: “Nenhum rito sacramental pode ser modificado ou manipulado ao arbítrio do ministro ou da comunidade. Nem mesmo a autoridade suprema da Igreja pode mudar a liturgia a seu bel-prazer, mas somente na obediência da fé e no respeito religioso do mistério da liturgia”. 

Comentando esse texto, o então Cardeal Joseph Ratzinger escreveu: “Parece-me muito importante que o Catecismo, ao mencionar os limites do poder da suprema autoridade da Igreja com relação à reforma, chame a atenção para aquela que é a essência do primado, tal como é sublinhado pelos Concílios Vaticanos I e II: o papa não é um monarca absoluto cuja vontade é lei, mas o guardião da autêntica Tradição e, por isso, o primeiro a garantir a obediência. Ele não pode fazer o que quiser, e justamente por isso pode se opor àqueles que pretendem fazer tudo o que querem. 

 A lei a que deve se ater não é a ação ad libitum, mas a obediência à fé. Por isso, diante da liturgia, tem a função de um jardineiro e não a de um técnico que constrói máquinas novas e joga as velhas fora. O ‘rito’, ou seja, a forma de celebração e de oração que amadurece na fé e na vida da Igreja, é forma condensada da Tradição viva, na qual a esfera do rito expressa o conjunto de sua fé e de sua oração, tornando assim experimentáveis, ao mesmo tempo, a comunhão entre as gerações e a comunhão com aqueles que rezam antes de nós e depois de nós. Assim, o rito é como um dom concedido à Igreja, uma forma viva de parádosis.”[2]  [Termo grego usado 13 vezes na Bíblia, o qual pode ser traduzido por tradição, instrução, transmissão.] 

Na sua excelente obra A Reforma da Liturgia Romana, Mons. Klaus Gamber — considerado pelo Cardeal Joseph Ratzinger como um dos maiores liturgistas do século XX — desenvolve esse pensamento. Parte ele da constatação de que os ritos da Igreja Católica, tomada a expressão no sentido de formas obrigatórias de culto, remontam em definitivo a Nosso Senhor Jesus Cristo, mas foram se desenvolvendo e se diferenciando gradualmente a partir do costume geral, sendo depois corroborados pela autoridade eclesiástica.

Dessa realidade, o ilustre liturgista alemão tira as seguintes conclusões: 

1. “Se o rito nasceu do costume geral — e sobre isto não há dúvida para o conhecedor da história da liturgia —, não pode ser recriado na sua totalidade”. Nem no começo da Igreja isso aconteceu, pois “as formas litúrgicas das jovens comunidades cristãs também se separaram progressivamente do ritual judaico”. 

2. “Como o rito foi se desenvolvendo no transcurso dos tempos, poderá continuar fazendo o mesmo no futuro. Mas este desenvolvimento deverá ter em conta a atemporalidade de cada rito e efetuá-lo de maneira orgânica [...] sem ruptura com a tradição e sem uma intervenção dirigista das autoridades eclesiásticas. Estas não tinham outra preocupação nos concílios plenários ou provinciais senão de evitar irregularidades no exercício do rito”. 

3. “Existem na Igreja vários ritos independentes. No Ocidente, além do rito romano, existem os ritos galicano (já desaparecido), ambrosiano e moçárabe; no Oriente, entre outros, os ritos bizantinos, armênio, siríaco e copta. Cada um desses ritos percorreu uma evolução autônoma, no transcurso da qual suas particularidades específicas foram formadas. Este é o motivo pelo qual não se pode simplesmente intercambiar entre eles elementos desses ritos diferentes”. 

4. “Cada rito constitui uma unidade homogênea. Portanto, a modificação de qualquer de seus componentes essenciais significa a destruição de todo o rito. Exatamente isto é o que ocorreu pela primeira vez nos tempos da Reforma, quando Martinho Lutero fez desaparecer o cânon da missa e uniu o relato da Instituição diretamente com a distribuição da comunhão”. 

5. “O regresso a formas primitivas não significa, em casos isolados, que se modificou o rito, e de fato este regresso é possível dentro de certos limites. Desta forma, não houve ruptura com o rito romano tradicional quando o Papa São Pio X voltou a estabelecer o canto gregoriano em sua primitiva forma”.[3]

O ilustre fundador do Instituto Teológico de Regensburg prossegue comentando que “enquanto a revisão de 1965 havia deixado intacto o rito tradicional [...], com o ‘ordo’ de 1969 se criava um novo rito”, que ele chama de ritus modernus, já que “não basta, para falar de uma continuidade do rito romano, que no novo missal tenham sido conservadas certas partes do anterior”. 

Para comprová-lo do ponto de vista estritamente litúrgico — dado que os graves erros teológicos, como o rebaixamento do caráter sacrificial e propiciatório da missa, mereceriam artigo à parte —, basta citar o que disse sucintamente o Prof. Roberto de Mattei a respeito dessa verdadeira devastação litúrgica: 

“Durante a Reforma, introduziu-se gradualmente toda uma série de novidades e variantes, algumas delas não previstas nem pelo Concílio nem pela constituição Missale Romanum de Paulo VI. O quid novum não pode se limitar à substituição do latim pelas línguas vulgares. 

Consiste também no desejo de conceber o altar como uma ‘mesa’, para enfatizar o aspecto do banquete em vez do sacrifício; na celebratio versus populum, em substituição daquela versus Deum, tendo como consequência o abandono da celebração para o Oriente, isto é, para Cristo simbolizado pelo sol nascente; na ausência de silêncio e meditação durante a cerimônia e na teatralidade da celebração, muitas vezes acompanhada de cantos que tendem a profanar uma Missa na qual o sacerdote é frequentemente reduzido ao papel de ‘presidente da assembleia’; na hipertrofia da Liturgia da Palavra em relação à Liturgia Eucarística; no ‘sinal’ da paz, que substitui as genuflexões do sacerdote e dos fiéis, como ação simbólica da passagem da dimensão vertical à horizontal da ação litúrgica; na Sagrada Comunhão, recebida pelos fiéis em pé e na mão; no acesso das mulheres ao altar; na concelebração, tendendo à ‘coletivização’ do rito. 

Consiste, sobretudo e finalmente, na mudança e substituição das orações do Ofertório e do Cânon. A eliminação em particular das palavras mysterium fidei da fórmula eucarística pode ser considerada, como o Cardeal Stickler observa, como o símbolo da desmistificação e, portanto, da humanização do núcleo central da Santa Missa”.[4]

A maior revolução litúrgica ocorreu de fato no Ofertório e no Cânon. O Ofertório tradicional, que preparava e prefigurava a imolação incruenta da Consagração, foi substituído pelas Beràkhôth do Kiddush, ou seja, pelas bênçãos da ceia pascal dos judeus. 

O Pe. Pierre Jounel, do Centro de Pastoral Litúrgica e do Instituto Superior de Liturgia de Paris, um dos especialistas do Consilium que preparou a reforma litúrgica, descreveu no jornal La Croix o elemento fundamental da reforma da Liturgia da Eucaristia: “A criação de três Orações Eucarísticas novas quando até então não existia senão uma, a Oração Eucarística I, fixada no Canon Romano desde o século IV. 

A Segunda foi retomada da Oração Eucarística de [Santo] Hipólito (século III) tal como foi descoberta numa versão etíope no fim do século XIX. A Terceira se inspirou do esquema das liturgias orientais. A Quarta foi elaborada numa noite, por uma pequena equipe em torno do Pe. Gelineau”.[5]

O referido Pe. Joseph Gelineau S.J. [foto] não estava enganado quando saudava entusiasmado a reforma, declarando: “Na verdade, é uma outra liturgia da Missa. É preciso dizê-lo sem rodeios: o rito romano tal como nós o conhecíamos não existe mais, ele foi destruído”.[6]

Como, então, pretende o Papa Francisco afirmar, em sua recente carta aos bispos, que “quem queira celebrar com devoção segundo a anterior forma litúrgica não terá dificuldade em encontrar no Missal Romano reformado segundo a mente do II Concílio do Vaticano todos os elementos do Rito Romano, em particular o cânone romano, que constitui um dos seus elementos mais caracterizantes”? Parece uma ironia tão amarga quanto o título do ‘motu próprio’ Custódios da Tradição... 

Se o Novus Ordo Missae não é uma mera reforma e implica uma tal ruptura com o rito tradicional, a celebração deste último não pode ser proibida, pois, como reitera Mons. Klaus Gamber, “não existe um só documento, nem sequer o Codex Iuris canonici, que diga expressamente que o Papa, enquanto Pastor supremo da Igreja, tenha o direito de abolir o rito tradicional. Tampouco se fala em alguma parte que tenha o direito de modificar os costumes litúrgicos particulares. No caso presente, este silêncio é de grande significado. 

Os limites da plena et suprema potestas do Papa têm sido claramente determinados. É indiscutível que, para as questões dogmáticas, o Papa deve se ater à tradição da Igreja universal e, por conseguinte, segundo São Vicente de Lérins, ao que se tem crido sempre, em todas as partes e por todos (quod semper, quod ubique, quod ab omnibus). Vários autores expressamente adiantam que, em consequência, não compete ao poder discricionário do Papa abolir o rito tradicional”. 

Mais ainda, caso o fizesse, incorreria no risco de separar-se da Igreja. Mons. Gamber escreve, de fato, que “o célebre teólogo Suárez (+ l6l7), referindo-se a autores mais antigos como Caetano (+ 1534), pensa que o Papa seria cismático se não quisesse, como é seu dever, manter a unidade e o laço com o corpo completo da Igreja, como por exemplo, se excomungasse toda a Igreja ou se quisesse modificar todos os ritos confirmados pela tradição apostólica”. 


Foi provavelmente para evitar esse risco que oito dos nove cardeais — da Comissão nomeada por João Paulo II em 1986 para estudar a aplicação do Indulto de 1984 — declararam que Paulo VI não tinha realmente proibido a Missa antiga. Mais ainda, à pergunta: “- Pode um bispo proibir hoje a um sacerdote em situação regular de celebrar uma missa tridentina?”, o Cardeal Stickler [foto] afirmou que “os nove cardeais foram unânimes em dizer que nenhum bispo tinha o direito de proibir um padre católico de celebrar a missa tridentina. Não há nenhuma proibição oficial, e eu penso que o Papa não decretará nenhuma proibição oficial”.[7] 

O Papa Francisco, porém, no ‘motu próprio’ Traditionis Custodes, autorizou de fato aos bispos a proibir dita celebração. Tanto é assim que a Conferência Episcopal da Costa Rica se apressou em decretar coletivamente que “não se autoriza o uso do ide 1962 nem de nenhuma das expressões da liturgia anterior a 1970”, pelo que “nenhum presbítero tem autorização para continuar celebrando segundo a liturgia antiga”.[8]

Por todo o anterior, subscrevemos plenamente as conclusões tiradas pelo Presb.º Francisco José Delgado: “Acho que a coisa mais inteligente a fazer agora é defender com muita calma a verdade sobre as leis perversas. O Papa não pode mudar a Tradição por decreto ou dizer que a liturgia pós-Vaticano II é a única expressão da lex orandi no Rito Romano. Como isso é falso, a legislação que brota desse princípio é inválida e, segundo a moral católica, não deve ser observada, o que não implica em desobediência.” 

Não é preciso possuir um conhecimento especializado de eclesiologia para compreender que a autoridade e a infalibilidade papais têm limites e que o dever de obediência não é absoluto. São numerosos os tratadistas do melhor quilate que reconhecem explicitamente a legitimidade da resistência pública às decisões ou ensinamentos errados dos pastores, inclusive do Soberano Pontífice. Eles foram amplamente citados no estudo de Arnaldo Xavier da Silveira intitulado “Resistência pública a decisões da autoridade eclesiástica”, publicado pela revista Catolicismo em agosto de 1969.[9]

No caso atual, é lícito não apenas “não observar” o ‘motu próprio’ do Papa Francisco, mas até resistir à sua aplicação, segundo o modelo ensinado por São Paulo (Gal. 2, 11). Não se trata de pôr em discussão a autoridade pontifícia, pela qual devem sempre crescer nosso amor e nossa veneração. É o próprio amor ao Papado que nos deve levar a denunciar Traditionis Custodes, por pretender eliminar ditatorialmente o rito mais antigo e venerável do culto católico, no qual todos os fiéis têm o direito de abeberar-se. 

Observa o ilustre teólogo Francisco de Vitoria (1483-1486): “Por direito natural é lícito repelir a violência pela violência. Ora, com tais ordens e dispensas, o Papa exerce violência, porque age contra o Direito, conforme ficou acima provado. Logo, é lícito resistir-lhe. Como observa Caetano, não afirmamos tudo isto no sentido de que cabe a alguém ser juiz do Papa ou ter autoridade sobre ele, mas no sentido de que é lícito defender-se. A qualquer um, com efeito, assiste o direito de resistir a um ato injusto, de procurar impedi-lo e de se defender”[10]

O modelo de resistência firme, mas impregnada de veneração e respeito pelo Sumo Pontífice, através da qual os católicos podem hoje pautar a sua própria reação, é a Declaração de Resistência à Ostpolitik do Papa Paulo VI, redigida pelo saudoso Prof. Plinio Corrêa de Oliveira e intitulada “A política de distensão do Vaticano com os governos comunistas - Para a TFP: omitir-se? ou resistir?”. Dizia ela, no seu parágrafo crucial: 

“O vínculo da obediência ao Sucessor de Pedro, que jamais romperemos, que amamos com o mais profundo de nossa alma, ao qual tributamos o melhor de nosso amor, esse vínculo nós o osculamos no momento mesmo em que, triturados pela dor, afirmamos a nossa posição. E de joelhos, fitando com veneração a figura de S.S. o Papa Paulo VI, nós lhe manifestamos toda a nossa fidelidade. 

“Neste ato filial, dizemos ao Pastor dos Pastores: Nossa alma é Vossa, nossa vida é Vossa. Mandai-nos o que quiserdes. Só não nos mandeis que cruzemos os braços diante do lobo vermelho que investe. A isto nossa consciência se opõe.”[11]

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Notas: 

1. Cfr. Denz.-Rahner 1827. 

2. “O desenvolvimento orgânico da liturgia”, 30 Giorni, http:// www.30giorni.it/articoli_id_7298_l6.htm

3. http://www.obrascatolicas.com/livros/Liturgia/A_reforma_ da_liturgia_romana__.pdf. As demais citações de Mons. Gamber ao longo do artigo, provém dessa obra. 

4. “Considérations sur la reforme liturgique”, texto lido com ocasião do Congresso Litúrgico de Fontgombault, 22- 24 de julho de 2001, en presença do Cardeal Joseph Ratzinger. 

5. Cfr. La Croix, 28 de abril de 1999, p. 19. 

6. Demain la liturgie – Essai sur l’évolution des assemblées chrétiennes, Cerf, 1979, in Cristophe Geoffroy et Philippe Maxence, Enquête sur la mese traditionnelle, La Nef hors série n° 6, pp. 51-52. 

7. Essas declarações do Cardeal Stickler apareceram pela primeira vez na revista americana The Latin Mass e foram reproduzidas pela revista francesa La Nef, no número 53 de setembro de 1995. 

8. https://www.facebook.com/169949476400642/ posts/4383320898396791/ 

9. https://catolicismo.com.br/Acervo/Num/0280/P01.html 

10. Obras de Francisco de Vitoria, p. 487. 

11. https://catolicismo.com.br/Acervo/Num/0280/P01.html

19 de julho de 2021

Por que tanto silêncio, Papa Francisco?


O
ntem postei a carta, original em castelhano, da senhora católica cubana, María Victoria Olavarrieta (professora de espanhol e ética), agora segue a tradução para o português, que foi feita por um colega jornalista, Hélio Diaz Viana, a quem agradeço o trabalho. 

Dona María Victoria [foto] afirma ter escrito com dor na alma esta carta ao Papa Francisco. Afirma também ser católica, apostólica e romana, mas que dói demasiadamente o silêncio do Papa sobre as recentes manifestações do povo cubando contra a tragédia que há décadas se abateu sobre Cuba, com a tirania comunista dos irmãos Castro. Assim, ela quis falar pelos que não podem fazê-lo: “Hoje quero ser a voz das mães cubanas que estão vendo seus filhos passar fome, que não têm remédio; quero lhe apresentar a dor das avós cujos netos foram fuzilados gritando 'Viva Cristo Rei!', a vergonha dos pais que não conseguem sustentar os filhos com o fruto de seu trabalho, e vivem mal, esperando as remessas enviadas por seus familiares do exterior”

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A Sua Santidade Papa Francisco 

Os católicos cubanos, desde que começaram os protestos em Cuba, estamos esperando que o senhor levante sua voz. Dói muito que, enquanto reprimem o povo que saiu às ruas pedindo liberdade, o senhor tenha palavras para felicitar o triunfo da Argentina na Copa América, fale dos resíduos plásticos nos mares, e não tenha feito uma oração em público pelas mortes, os detidos, os desaparecidos, e todos os que estão atemorizados em suas casas, em toda a extensão de nossa Pátria. 

Nos mares de Cuba, Santidade, além de plástico, jazem os restos dos muitos cubanos que morreram afogados, tentando escapar da grande prisão em que os Castros transformaram meu País. 

Nossa Igreja foi perseguida, ameaçada, vigiada, invadida pelos agentes de segurança do Estado. Neste momento temos um seminarista desaparecido, Rafael Cruz Débora. Se os bispos cubanos têm medo de falar, de se colocar ao lado do povo, eu os entendo, não sabemos as ameaças que lhes foram feitas; mas o senhor, com a imunidade que sua hierarquia lhe confere, pode falar e nos defender. 

Ontem em Havana tentaram recrutar um jovem que já havia feito o serviço militar obrigatório, para treiná-lo a espancar os manifestantes. Entraram em sua casa, o ameaçaram na frente dos pais, e como o rapaz se recusou, fizeram-no assinar um texto dizendo que não iria aonde a Revolução precisava dele, e o advertiram de que, ao acabar tudo isso, iria preso. 

Este episódio se passou ontem. Hoje eles estão sendo levados arrastados, sem lhes perguntar nada. Os pais com filhos em idade de fazer o serviço militar estão aterrorizados. 

O senhor disse aos jovens: “Lutem por seus sonhos, mas sonhem em grande, não deixem de sonhar”. Os jovens cubanos que nasceram na ditadura e foram doutrinados, educados em escolas ateias, em uma sociedade de partido único, que cresceram — alguns comendo e se vestindo com as ajudas de seus familiares no exílio, e outros na miséria mais absoluta —, estão sonhando em ver seu país livre. O senhor os convidou a sonhar, e agora que os estão matando por gritarem seus sonhos, o senhor guarda silêncio! [soluços de dor e indignação] 

O senhor pediu a seus pastores que tivessem cheiro de ovelhas. Dos sacerdotes cubanos que se colocaram abertamente ao lado do povo, alguns estão sendo espancados pela polícia, detidos e silenciados por seus bispos, que temem por suas vidas. E do assédio do governo aos bispos, o senhor, que é o Papa, deve saber mais do que eu. 

Como lhes dói, Santo Padre, às religiosas e sacerdotes cubanos com os quais pude falar, e o senhor olha para o outro lado. Hoje uma freira cubana me dizia que não podia conceber que o senhor não tivesse algumas palavras para Cuba, neste momento em que o mundo inteiro fala sobre os abusos do regime. E muito baixinho, com a voz embargada pela dor, quase como falando consigo mesma, sussurrou: “Algum dia terá de se confrontar com o Senhor”

Santidade, o senhor conhece a Mensagem da Virgem de Fátima. O comunismo deve ser muito ruim. Quando entre todas as coisas ruins que há no mundo, nossa Mãe quis deixar instruções de como podíamos evitar que esse mal se espalhasse pelo mundo. 

Tive diversos alunos venezuelanos e vi o sofrimento de seus pais, porque o senhor guardou silêncio quando assassinavam os estudantes nas ruas de Caracas. As pessoas morrem de fome na Venezuela, e o senhor não condena publicamente os responsáveis

O sangue correu na Nicarágua. O Papa fala de tudo, mas dos crimes dos ditadores e dessas três tiranias irmãs o senhor não opina. 

Santo Padre, a Cristandade não precisa de um líder social nem de um diplomata; nós anelamos um pastor, uma pedra firme onde a Igreja possa sustentar-se! O Vigário de Cristo na Terra não deve discriminar suas ovelhas. As ovelhas vítimas dos regimes comunistas, sentimo-nos como se fôssemos suas ovelhas negras. 

O senhor sempre pede que rezemos pelo senhor, eu lhe peço que reze para que não morram mais pessoas na Nicarágua, na Venezuela e em Cuba.

Teria gostado de lhe ter escrito em outro tom. Em todos meus artigos onde o menciono, sempre o defendi. Mas hoje quero ser a voz das mães cubanas que estão vendo seus filhos passar fome, que não têm remédio; quero lhe apresentar a dor das avós cujos netos foram fuzilados gritando “Viva Cristo Rei!”, a vergonha dos pais que não conseguem sustentar os filhos com o fruto de seu trabalho, e vivem mal, esperando as remessas enviadas por seus familiares do exterior. 

Apresento-lhe a tortura dos presos políticos; o ódio de irmão contra irmão que os Castros semearam; os idosos que viram partir a família que criaram, e morreram sem nunca mais verem seus filhos e netos! 

Clama ao Céu que neste 13 de julho, ao mesmo tempo em que recordamos as crianças, mulheres e homens que morreram afogados no rebocador “13 de março”, que o governo cubano afundou em alto mar, tivemos de cuidar sem ter o quê, dos ferimentos que a polícia e seus cães causaram nos manifestantes pacíficos em muitas povoações e cidades de Cuba. 

Nós, cubanos, nos sentimos abandonados à nossa sorte. Em 62 anos, não fomos capazes de nos libertar. Hoje estamos enfrentando um exército armado, sem líderes, e, até agora, órfãos do Papa. 

Papa Francisco, perdoe-me se o ofendi, mas tive de escolher entre a respeitosa aquiescência devida a um bispo e a defesa das vítimas do comunismo. Dói-me que digam que o senhor é um papa comunista. O comunismo destrói a moral dos povos, sua religião, sua esperança. 

Ontem, em Miami, quatro freiras Filhas da Caridade saíram às ruas para protestar junto ao povo, algumas delas idosas: Irmã Consuelo, do México, e Irmã Elvira, Irmã Reinelda e Irmã Rafaela, cubanas. Entre as pessoas ouvi dizer: “[Aqui] não há Papa, mas há freiras. Cristo está conosco!”

Ajude-nos! Eu continuo rezando pelo senhor. 

María Victoria Olavarrieta

18 de julho de 2021

Católica cubana implora ao Papa que rompa o silêncio e condene o comunismo


Que o Pastor proteja suas ovelhas e não permita que elas sejam devoradas pelo lobo... 

✅  Paulo Roberto Campos 

María Victoria Olavarrieta, uma senhora católica cubana, mandou uma muito importante carta ao Papa Francisco. 

Em termos respeitosos, mas firmes, ela suplica que o Pontífice — em vista dos recentes protestos em várias cidades de Cuba contra o cruel regime fidelcastrista — rompa o silêncio e condene o comunismo cubano. 

Ela pede também que condene a ditadura venezuelana e a nicaraguense, que, assim como em Cuba, tiraniza suas populações, levando muitas famílias a passar fome, muitos a fugir de seus países e causar numerosas mortes. 

Entre várias advertências, a Senhora María Victoria Olavarrieta chama a atenção para fato de o Papa ser sempre muito loquaz em questões de menor importância, como felicitando a Argentina pela vitória na Copa América, ou condenar o fato de pessoas jogarem garrafas de plástico no mar, mas não diz nada, por exemplo, de que, além de plástico, nas águas marítimas de Cuba haver restos de muitos cadáveres de pessoas que morreram afogadas na tentativa de escapar da tirania comunista na ilha-presídio subjugada pelos irmãos Castro. 

A seguir a gravação da comovente carta e, mais abaixo, seu texto (publicado no “Diário Las Américas”, 16 de julho de 2021) que, esperamos, comova também o Papa e que, por fim, ele condene firmemente o comunismo e o bolivarianismo que destroem nações irmãs na América Latina.

     

 TEXTO DA CARTA DA SRA. MARÍA VICTORIA OLAVARRIETA 

“Los católicos cubanos, desde que empezaron las protestas en Cuba estamos esperando que usted alce su voz. Duele mucho que mientras reprimen al pueblo que salió a las calles pidiendo libertad, usted tenga palabras para felicitar el triunfo de Argentina en la Eurocopa, hable de los residuos plásticos en los mares y no haya hecho una oración en público por los muertos, los detenidos, los desaparecidos y todos los que están atemorizados en sus hogares a lo largo de toda nuestra patria. 

En los mares de Cuba, Santidad, además de plástico, yacen los restos de los muchos cubanos que han muerto ahogados tratando de escapar de la gran cárcel en la que los Castro convirtieron mi país. 

Nuestra iglesia ha sido perseguida, amenazada, vigilada, penetrada por los agentes de la seguridad del estado. En estos momentos tenemos a un seminarista desaparecido, Rafael Cruz Débora. Si los obispos cubanos sienten miedo de hablar, de ponerse del lado del pueblo, los entiendo, no sabemos las amenazas que les han hecho, pero usted, con la inmunidad que le confiere su jerarquía, puede hablar y defendernos. 

Ayer, en La Habana, intentaron reclutar a un joven que ya había cumplido el servicio militar obrigaio. para entrenarlo en golpear a los manifestantes. Entraron a su hogar, delante de sus padres lo amenazaron y como el muchacho se negó, le hicieron firmar un escrito donde decía que él no iba a donde la revolución lo necesitaba y le advirtieron que cuando todo esto pasara, iría preso. 

Eso fue ayer, hoy se los están llevando arrastrados, sin preguntarles nada. Los padres con hijos en edad de hacer el servicio militar están aterrados. 

Usted le dijo a los jóvenes: ..."Luchen por sus sueños, pero sueñen en grande, no dejen de soñar". Los jóvenes cubanos que han nacido en dictadura, que han sido adoctrinados, educados en escuelas ateas, en una sociedad de partido único, que han crecido, unos comiendo y vistiéndose de las ayudas de sus familias en el exilio y otros en las absolutas miseria, están soñando con ver a su libre país. Usted los invitó a soñar y ahora que los están matando por gritar su sueño, usted guarda silencio. 

Usted pidió a sus pastores que olieran a oveja. De los sacerdotes cubanos que se han puesto del lado del pueblo abiertamente, algunos están siendo golpeados por la policía, detenidos y silenciados por sus obispos que temen por sus vidas. Y del acoso del gobierno a los obispos, usted que es su Papa, debe saber más que yo. 

Cómo les duele Padre, a las religiosas y sacerdotes cubanos con los que ele podido hablar que usted mire para otro lado. Hoy una monjita cubana me decía que no podía concebir que usted no haya tenido unas palabras para Cuba en estos momentos en que el mundo entero habla de los abusos del régimen. Y muy bajito, con la voz quebrada por el dolor, casi como hablando con ella misma, susurró: Algún día tendrá que confronta con el Señor. 

Santidad, usted conoce el mensaje de la Virgen de Fátima. Muy malo debe ser elunismo com, cuando entre todas las cosas malas que hay en el mundo, nuestra Madre quiso dejar instrucciones de cómo podíamos evitar que ese mal se extendiera por el mundo. 

Ele tenido muchos alumnos venezolanos y ele visto el sufrimiento de sus padres porque usted mantuvo silencio cuando asesinaban a los estudiantes en las calles de Caracas, la gente se muere de hambre en Venezuela y usted no condenando públicamente a los responsíveis. 

La sangre ha corrido en Nicarágua y el Papa habla de todo, pero de los crímenes de los dictadores de estas tres tiranías hermanas usted no opina. 

Santo Padre, la cristiandad no necesita un líder social, ni un diplomático, nosotros queremos un Pastor, una piedra firme donde se pueda sostener la iglesia. El vicario de Cristo en la tierra no debe discriminar a sus ovejas. Las ovejas víctimas de los regímenes comunistas, nos sentimos como si fuéramos sus ovejas negras. 

Usted siempre pide que oremos por usted, yo le pido que ore y actúe para que no muera más gente en Nicarágua, en Venezuela y en Cuba.

Me hubiera gustado escribirle en otro tono, en todos mis artículos donde lo menciono siempre lo hedesed. Pero hoy quiero ser la voz de las madres cubanas, que están viendo a sus hijos pasar hambre, que no tienen medicinas, quiero presentarle el dolor de las abuelas a las que les fusilaron sus nietos gritando "Viva Cristo Rey", la vergüenza de los padres que no pueden mantener a sus hijos con el fruto de su trabajo y mal viven esperando las remesas que les envían sus familiares en el exterior. 

Le presento las torturas a los presos políticos, el odio de hermano contra hermano que los Castros sembraron, los ancianos que vieron partir la familia que crearon y murieron sin ver nunca más a sus hijos y nietos. 

Clama al cielo que este 13 de julio, al mismo tiempo que recordábamos los niños, mujeres, hombres que murieron ahogados en el remolcador "13 de marzo" que el gobierno cubano hundió en alta mar, tuvimos que curar, sin tener con qué, las heridas que la policía y sus perros causaron a los manifestantes pacíficos en muchos pueblos y ciudades de Cuba. 

Los cubanos nos sentimos abandonados a nuestra suerte, en 62 años no hemos podido liberarnos. Hoy se están enfrentando a un ejército armado, sin líderes y hasta ahora, huérfanos de Papa. 

Papa Francisco, perdóneme si le ele ofendido, pero he tenido que elegir entre la respetuosa aquiescencia que se le debe a un obispo y la defensa de las víctimas del comunismo. Eu duelo que me digan que usted es un Papa comunista. El comunismo acaba con la moral de los pueblos, con su religión, con su esperanza. 

Ayer en Miami salieron a protestar por las calles, junto al pueblo, 4 Hijas de la Caridad, algunas de ellas ancianas. Sor Consuelo, de México y Sor Elvira, Sor Reinelda y Sor Rafaela, cubanas. Entre la gente escuché decir: Sem feno Papa, pero hay monjas. Cristo está con nosotros! 

Ayúdenos, Padre. 

Sigo rezando por usted. 

María Victoria Olavarrieta 

Católica cubana

CUBA LIVRE OU FOSSILIZAÇÃO DA ILHA-PRISÃO?


✅  Paulo Roberto Campos 

Inéditos protestos estão tomando as ruas de diversas cidades cubanas. Apesar da feroz repressão do governo, os manifestantes têm enfrentado a polícia comunista. Já ocorreram algumas mortes e centenas de pessoas foram presas, algumas apenas por portar um cartaz ou camiseta com os dizeres “Abajo la dictadura comunista”, ou simplesmente “Libertad para Cuba! Pátria e vida!” 

Muito ao contrário do que propala a mídia esquerdista, o fracasso do comunismo cubano não se deve ao embargo econômico promovido pelos Estados Unidos, mas sim ao próprio sistema comuno-socialista com sua doutrina igualitária. 

Por que então jogar a culpa nas costas do dito embargo? — Para esconder essa evidente verdade: 60 anos de regime comunista não foram suficientes para tornar a ilha dos irmãos Castro próspera ou, pelo menos, independente de outras economias e auto-suficiente. 

O embargo é utilizado como um mero pretexto para tentar justificar o vergonhoso fracasso do socialismo, a vergonhosa situação de miséria material e espiritual do povo cubano. 

A final, Fidel e seus camaradas não implantaram a revolução comunista alegando, entre outras baboseiras, que Cuba ficaria livre dos EUA? Agora os fidelcastristas (de Cuba, do Brasil e alhures) têm o direito de reclamar do embargo norte-americano? Querem então voltar a ficar dependentes dos EUA? Dependentes do capitalismo americano? Não há remédio que cure tal incoerência! Haja incoerência na cabeça desses fidelcastristas! Estes são incuráveis e abundantes, inclusive, nas fileiras da igreja (progressista), dita católica. E isso desde a base, passando por religiosos, como Frei Betto, até a mais alta cúpula...

A respeito do fracasso do sistema comunista, abaixo seguem alguns pensamentos oportunos para esse momento de grandes manifestações dos cubanos contrários à ditadura de carcereiros que dominam a ilha-prisão — outrora muito próspera e conhecida como a “pérola do Caribe”. 

Para os verdadeiros patriotas cubanos é fundamental que não ocorra um desembargo, que não haja países ajudando Cuba, pois isso só ajudaria a dar uma sobrevida ao governo e a manter o país fossilizado para sempre no regime comunista. 

“O socialismo, quer se considere como doutrina, quer como fato histórico [...], não pode conciliar‑se com a doutrina católica, pois concebe a sociedade de um modo completamente avesso à verdade cristã”. 

(Pio XII) 


“O socialismo é a filosofia do fracasso, o credo da ignorância e o evangelho da inveja. Sua virtude inerente é a partilha igual da miséria”. 

(Winston Churchill) 


“Quando metade da população percebe que não precisa trabalhar, pois a outra metade irá sustentá-la; e quando esta outra metade entende que não vale mais a pena trabalhar para sustentar a primeira metade, então chegamos ao começo do fim de uma nação”. 

(Margaret Thatcher) 


“O socialismo não é um animal selvagem, suscetível de ser domado e domesticado. É um monstro apocalíptico, reunindo a falsidade da raposa à violência do tigre. Não nos esqueçamos disto, pois senão os fatos acabarão por no-lo ensinar de modo muito doloroso”.

(Plinio Corrêa de Oliveira) 


“Os marxistas inteligentes são patifes. Os marxistas honestos são burros. E os inteligentes e honestos nunca são marxistas”. 

(Meira Penna)


 

15 de julho de 2021

SANTÍSSIMA VIRGEM — Síntese de todas as perfeições do universo


A
devoção a Nossa Senhora do Carmo e a consagração a Ela como verdadeiros vassalos significam assumir importantes compromissos:

● Ter como símbolo dessa vassalagem o escapulário do Carmo; 
● Agir na sociedade temporal em defesa da cultura e da civilização cristã; 
● Combater o processo revolucionário, que corrói os restos da Cristandade; 
● Fazer apostolado para a salvação das almas; 
● Procurar sempre a maior glória de Deus; 
● Combater aqueles que O combatem; 
● Contemplar a maravilhosa estética do Universo e a Santa Igreja Católica na consideração das coisas criadas, elevando-nos assim às belezas infinitas e incriadas de Deus; 
● Organizar a ordem temporal, os ambientes e os costumes, na medida do possível, a fim de que tudo esteja voltado para o Criador e seja reflexo d’Ele; 
● Venerar a Santíssima Virgem, a obra-prima criada por Deus, como o seu ápice no mundo visível, a mais perfeita das criaturas; 
● Recorrer a Ela como o meio mais excelente para nos santificarmos e chegarmos ao Ser absoluto, que é o próprio Criador de todas as coisas, a fim de podermos contemplá-lo face a face no Céu. 

As linhas acima sintetizam o tema do texto que a seguir oferecemos aos nossos leitores, neste mês cuja principal comemoração litúrgica é a festa de Nossa Senhora do Carmo. 

Há exatamente 770 anos, na manhã de 16 de julho de 1251, São Simão Stock[1] recebeu das mãos de Nossa Senhora o escapulário do Carmo, que corresponde a uma extraordinária graça de salvação eterna, prometida por Ela aos que portarem esse santo escapulário [ver Catolicismo, nº 751, Julho/2013]. 

O texto é de autoria de Plinio Corrêa de Oliveira, fundador da TFP brasileira, inspirador e principal colaborador de Catolicismo, que pertenceu à Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo,[2] e cujo escapulário ele jamais deixou de portar diuturnamente, até o seu falecimento em 1995. Trata-se de uma memorável conferência, proferida por ele em novembro de 1958 na cidade de São Paulo, transcrita em maio de 1959 na revista O Mensageiro Carmelitano
Da redação de Catolicismo 
Reprodução de matéria publicada na revista Catolicismo, Nº 847, Julho/2021* 

A ESTÉTICA DO UNIVERSO E A CONSAGRAÇÃO A NOSSA SENHORA 


✅  Plinio Corrêa de Oliveira 

Neste brilhante congresso da Ordem Terceira do Carmo, foi-me dado dissertar sobre o tema: “O escapulário e a profissão da Ordem Terceira do Carmo constituem um ato de principal consagração a Nossa Senhora. É indispensável que essa verdade seja propagada com grande zelo, para um conhecimento mais profundo e mais perfeito da espiritualidade carmelitana”

Nossa Senhora entrega o escapulário a
São Simão Stock
O enunciado da tese manifesta o louvável propósito de evitar que, em matéria de Ordem Terceira do Carmo, fiquemos apenas em exterioridades. Com efeito, o escapulário é um objeto palpável que simboliza de um modo muito sensível nossa ligação com Nossa Senhora. Mas precisamente porque tal símbolo apresenta essas qualidades, podem certos espíritos facilmente cair na ideia de que sua simples posse, e seu mero uso, são suficientes para nos manter ligados a Ela. 

Também a profissão na Ordem Terceira do Carmo, feita habitualmente de modo tão solene e festivo, fala muito aos sentidos e à imaginação. Por isto mesmo, podem certas pessoas facilmente formar a ideia de que o simples ato da profissão estabelece entre nós e Nossa Senhora um vínculo tão profundo, que basta por si mesmo e para todo o sempre, sem mais deveres, para nos manter unidos a Ela. 


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Consagração especial e interior à Virgem do Carmo 

Tal é a condição do homem nesta Terra, que mesmo as melhores coisas, e as mais louváveis, são suscetíveis de abuso. Não porque nelas haja qualquer coisa de mal, mas porque o mal está no homem, cuja natureza decaiu com o pecado original. Assim se pode dizer que essas exterioridades tão úteis, tão oportunas, tão sábias, tão necessárias à natureza do homem, podem entretanto ser usadas de modo errado, fazendo com que tudo aquilo que o símbolo significa seja esquecido, e apenas a realidade material do símbolo fique, como elemento evidentemente insuficiente para os fins que a instituição do símbolo tivera em vista. 

Realmente, é preciso que nos compenetremos bem de que a posse do escapulário ou o seu uso, ou o simples ato de profissão na Ordem Terceira do Carmo, não constituem toda a essência de nossa vinculação a Nossa Senhora, e nada seriam se não fosse nossa consagração especial e interior à Virgem do Carmo. Este, sim, é o elemento básico da nossa condição de Terceiros carmelitas. E o uso do escapulário, bem como a profissão na Ordem Terceira, não são senão um objeto material e um ato jurídico — um e outro de grande significação e importância, aliás — que exprimem essa consagração. O principal, portanto, é que o Terceiro esteja consagrado a Nossa Senhora, numa consagração que, feita no ato oficial da profissão, se conserve e aumente em intensidade ao longo da vida inteira.

O Terceiro carmelita deve, pois, compreender que é nesse ato interior — o qual, em última análise, se desenvolve no terreno misterioso da relação das almas com Deus, indevassável para qualquer olhar humano e posto diretamente sob os olhos do próprio Deus — que consiste o liame que nos prende a Nossa Senhora do Carmo e faz de nós, no sentido pleno da palavra, verdadeiros carmelitas. 

Portanto, por maior que seja o nosso apreço ao escapulário e à nossa profissão na Ordem Terceira, é de capital importância que nossa consagração interior seja por nós reputada o elemento capital da nossa vida carmelitana. É o que bem diz o enunciado da tese que nos foi dado desenvolver na noite de hoje. Afirma ela uma verdade que deve ser propagada com grande zelo, pois assim se evita o inconveniente de que numerosas pessoas levem uma vida carmelitana completamente desviada do seu espírito, do seu sentido mais verdadeiro e profundo. 

Consagração a Nossa Senhora e a vida no século 

Plinio Corrêa de Oliveira (2º à esquerda)
portando o hábito da Ordem Terceira do Carmo
Se estas verdades são muito fáceis de enunciar, e por si mesmas se provam, entretanto é mais difícil precisar bem no que consiste a verdadeira consagração a Nossa Senhora, e especialmente de que modo essa consagração deve efetivar-se em nosso século. 

O Revmo. Padre Provincial, Frei Bonifácio Harink, numa das alocuções deste congresso, frisou bem que o Terceiro carmelitano vive no século. E o Revmo. Padre Frei Kiliano Lynch, Geral da nossa Ordem do Carmo — na esplêndida carta que aqui está sendo distribuída — e que Sua Paternidade dirigiu aos participantes deste congresso, ressaltou que a característica do apostolado dos leigos, portanto dos Terceiros carmelitanos também, consiste em desenvolver-se no século, em agir no seio da sociedade civil, para promover a salvação das almas por todos os meios lícitos, inclusive pela impregnação do espírito da Igreja em todos os valores próprios à esfera temporal. 

Não se trata portanto, para nós, de evitar as coisas do século enquanto tais, não se trata de fugir para uma Tebaida ou para o recesso sagrado de uma Ordem estritamente contemplativa, nem sequer de vivermos a vida conventual numa Ordem consagrada ao apostolado externo. Trata-se para nós, isto sim, de estarmos dentro do século e de ordenarmos para Deus os valores do século, que foram criados para Ele, e dos quais se deve exigir que Lhe deem glória. Trata-se de comunicar a esses valores o seu verdadeiro caráter cristão. 

Em tais condições, é preciso termos uma ideia exata de como a consagração a Nossa Senhora se realiza no século. Mas falar do século apenas em tese é dizer pouco. Cumpre tomar em consideração como a sociedade temporal vive em nossos dias, e as peculiaridades da época em que estamos. Fazendo-o, devemos ter em mente os elementos positivos bem conhecidos, mas não devemos esquecer o elemento negativo. 

Quem é o príncipe deste mundo? Qual é o inimigo ao qual nós não devemos servir? Qual é aquele outro “senhor”, que também nos pede que nos consagremos a ele, e que é incompatível com a Senhora Excelsa a quem protestamos servir? Sem que recusemos a este “senhor” toda forma de serviço e vassalagem, sem que o combatamos sempre e por toda parte, nossa consagração a Nossa Senhora não será verdadeiramente plena. 

Sendo Deus o fim de todas as coisas, é normal que todas sejam ordenadas para Ele. Pintura de Fra Angélico, O Juízo Final.

Deus, causa final do Universo 

E assim nós passamos de termos genéricos de nossa tese para o ponto flagrante de nossa consagração, como ela deve ser realizada em nossa vida de filhos da Igreja militante neste século. Isto implica em perguntarmos no que consiste a consagração a Nossa Senhora de nossas pessoas, e dos genuínos valores da sociedade temporal. 

A noção corrente a tal respeito, inteiramente verdadeira e imensamente preciosa, parte da consideração de Deus como causa final do Universo. Sendo Deus o fim de todas as coisas, é normal que todas sejam ordenadas para Ele, o que se dá mediante a ordenação de todos para o cumprimento da Lei, a salvação das almas e a exaltação da Igreja na Terra. São tão verdadeiros, tão claros e tão conhecidos estes princípios, que não me deterei em os expor mais longamente. 

Mas ao par deles há um aspecto que corresponde a várias das preocupações da filosofia contemporânea, e que ficou mais ou menos soterrado no acervo dos conhecimentos da doutrina católica, correntes em grandes massas de fiéis. Parece que sobre eles é conveniente que eu me detenha mais. Trata-se da consideração de Deus como causa exemplar do Universo. 

Basílica do Vaticano em Roma: a Igreja Católica é o Corpo Místico de Cristo

Deus, causa exemplar do Universo 

Deus criou o Universo, e depois deu ao homem a faculdade de completar vários aspectos da ordem e da beleza universal por meio de sua ação. De maneira que, no dizer de Dante, todas as coisas são filhas de Deus, e as obras do engenho humano devem ser consideradas netas de Deus. Assim, Deus, ao criar o universo, teve em vista um admirável plano de harmonia e beleza, mas deixou a realização de parte desse plano confiada às luzes, ao arbítrio, ao engenho do homem. 

Para que todo esse plano, todo esse universo de ordem e beleza instituído por Deus? Insisto na ideia de universo de beleza, porque habitualmente em nossos dias se considera de preferência o Universo como uma grande máquina de funcionamento perfeito. 

Assim, quando se fala a respeito da sabedoria do Criador, mostra-se quase sempre como as coisas estão concatenadas de tal forma que elas não se destroem, nem colidem umas com as outras, mas coexistem com harmonia e mutuamente se apoiam. É uma visão funcional do Universo; inteiramente verdadeira, por certo, mas que mostra apenas um aspecto que nossa época mecanicista e ultra-técnica mais facilmente compreende. 

Mas há um outro aspecto do universo relacionado com Deus enquanto causa exemplar, enquanto Ser incriado e infinitamente belo, que se reflete de mil maneiras em todos os outros seres que Ele criou. De maneira tal que não há nenhum ser que a um título ou outro não seja um reflexo da beleza incriada de Deus. Sobretudo a beleza de Deus se reflete no conjunto hierárquico e harmônico de todos esses seres, de tal maneira que não há, em certo sentido, um modo melhor de conhecermos a beleza infinita e incriada de Deus do que analisando a beleza finita e criada do Universo, considerado não tanto em cada ser, mas no conjunto de todos eles. 

Deus se reflete ainda em uma obra-prima mais alta e mais perfeita do que o cosmos. É o Corpo Místico de Cristo, a sociedade sobrenatural que veneramos com o nome da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Constitui Ela mesma todo um universo de aspectos harmônicos e variegados, que cantam e refletem, cada um a seu modo, a formosura santa e inefável de Deus e do Verbo Encarnado. Na contemplação do Universo, de um lado, e de outro lado a Santa Igreja Católica, podemos elevar-nos à consideração da beleza santa, infinita e incriada de Deus. 

Regras da estética do Universo 

Há um conjunto de regras de estética que nos podem facilitar o conhecimento da beleza que Deus pôs no Universo, como ponto de partida para subirmos à consideração de sua beleza incriada. A mais fundamental dessas regras é a coexistência harmônica da unidade e da variedade. 

Em vez de nos atermos, entretanto, a uma enumeração e definição fria desses princípios, seria talvez mais interessante que os consideremos enquanto realizados em alguns dos seres que mais facilmente nos caem debaixo dos olhos. 

O mar: exemplo esplêndido das perfeições de Deus
Unidade
– Comecemos pelo mar. Um dos primeiros elementos de sua grandeza é precisamente a unidade. Todos os mares da Terra comunicam-se entre si, e constituem uma imensa massa de água que cinge o globo terrestre. Assim, postos em qualquer orla do mar, em qualquer ponto do mundo, uma das considerações mais agradáveis que nos é dado fazer é lembrar que a imensa massa líquida, que se estende diante de nós até as fímbrias do horizonte, não se encerra ali e tem atrás de si imensidades a que se sucedem outras imensidades, para formar a grande e única imensidade do mar que se move, que se joga e que brinca por toda a superfície da Terra. 

Variedade – Mas ao mesmo tempo que o mar nos apresenta essa unidade esplêndida, impressiona pela grande variedade que nele podemos observar. Variedade, em primeiro lugar, quanto ao movimento. Ora o mar se apresenta manso e sereno, parecendo satisfazer todos os desejos de paz, tranquilidade e quietude de nossa alma; ora ele se move discreta e suavemente, formando em sua superfície pequenas ondas que parecem brincar diante de nós, para fazer sorrir e distender-se nosso espírito, como se tivesse diante de si as realidades amenas e aprazíveis da vida; ora, por fim, ele se mostra majestoso e bravio, erguendo-se em movimentos sublimes, arremetendo furiosamente contra rochedos altaneiros e deslocando de seus abismos massas de água insondáveis, para submergir ilhas e invadir continentes. Neste estado, o mar parece dominado de uma fúria avassaladora, e canta com seus rugidos e sua grandeza todo um poder que existe no mais profundo dele, mas do qual não se suspeitava nem um pouco nos seus momentos de mansidão e de graça. Parece-nos então presenciar os lances mais empolgantes e heroicos da História. 

Variedade estética
– Também há variedades estéticas no mar. Às vezes é ele tão claro, que se pode ver através de uma grande massa líquida até o fundo de suas águas; outras vezes ele se mostra escuro, impenetrável, profundo, misterioso. Se em certos panoramas o mar se apresenta em superfícies imensas e quase sem limites, em outros panoramas está circunscrito pelos acidentes do litoral, e forma pequenos golfos fechados em que, por assim dizer, ele se compraz em estar em intimidade conosco, fazendo-se pequeno para melhor se deixar ver e amar. 

Pelos seus ruídos, o mar não é menos variado. Ora seu murmúrio dá a impressão de uma carícia que embala e faz dormir, ora não passa de um fundo auditivo que se parece com a prosa de um velho amigo, que já muitas vezes se ouviu. Mas pouco depois ele nos fala com o bramido dominador de um rei, que deseja impor a sua vontade a todos os elementos. 

O modo como ele se “comporta” na praia é igualmente variado. Às vezes o mar chega à terra célere e ofegante, outras vezes caminha para ela tardio e preguiçoso, em ondas que se movem languidamente. Outras vezes parece tão completamente parado, que se diria quase que ele se contenta em ver a terra sem tocá-la. 

Ora, todas essas diversidades do mar não teriam para nós concatenação nem encanto, se não se apresentassem sobre o grande fundo de uma unidade fixa, invariável e grandiosa. Esta é a beleza da unidade na variedade. 

Devemos entretanto reconhecer que a variedade do mar é um elemento de beleza tão poderoso por não ser uma variedade qualquer, mas oferecer em alto grau os caracteres específicos da verdadeira variedade harmônica. Tais caracteres são: 

Oposição – Essa variedade chega até a oposição. Quer dizer, é tão grande que seus pontos extremos chegam a atingir aspectos opostos, e como que contraditórios entre si. Esta variedade, pelo próprio fato de que reúne em uma só gama extremos tão pronunciados, tem uma suprema harmonia, uma indiscutível beleza. Nós não encontraríamos tanta beleza no mar se ele não soubesse ser, por exemplo, tão extremamente manso e tão extremamente furioso; tão extremamente majestoso e tão extremamente gracioso. É na harmonização do extremo da mansidão com o extremo da fúria, por exemplo, que se verifica a perfeição da variedade do mar. 

Simetria – Esta variedade de oposição deve comportar uma certa simetria. Quer dizer, é necessário que quando uma coisa tem um caráter, e o leva a um extremo, o lado oposto chegue a um extremo igualmente acentuado. Se o mar fosse extremamente furioso em certos movimentos, e apenas um pouco calmo em outros, sua beleza não seria grande. Para que a oposição seja perfeita, cumpre que o mar possa ser tão furioso em umas horas quanto é profundamente manso em outras. E só com esta simetria é ele inteiramente belo. 

Gamas intermediárias – Mas, ao mesmo tempo, as variedades harmônicas das gamas intermediárias também concorrem notavelmente para a beleza do mar. Essas situações de transição são tão harmônicas, que nós em determinados momentos nem podemos dizer bem como o mar nos parece. Estará bravo? Estará manso? Estará claro? Estará escuro? Não o sabemos dizer, porque o mar vai passando de um extremo para outro através de várias fases intermediárias; tão esplendidamente matizadas e harmônicas, que a linguagem humana não é suficiente para as descrever, e o único processo para tal é o da comparação. Por exemplo, quem viu o mar que esteve furioso e está ficando manso pode dizer que ele está manso; mas quando se lembra do mar verdadeiramente manso, e o considera nesse momento de transição, tem ainda a impressão do mar furioso. Por esta espécie de contradição de aspectos opostos existentes no mesmo meio termo, tem-se bem a ideia de toda a riquíssima gama de estados intermediários que o mar atravessa. 
Nas diversas cores do firmamento: harmoniosa sucessão de aparências que remetem às perfeições de Deus


Verdadeira continuidade – Mas a relação entre esses próprios estados intermediários deve apresentar uma verdadeira continuidade. De um extremo a outro o mar não salta, mas passa sempre com rapidez maior ou menor por todos os estados intermediários. Esses estados são habitualmente perceptíveis em suas sucessões, como matizes que se substituem uns aos outros. Mas quando a sucessão dos matizes é muito perfeita, dá por vezes a impressão de que não muda. Ao cabo de pouco tempo, e sem saber como, o observador está diante de um quadro diverso. É que essas mudanças foram tão delicadas e tão imperceptíveis, que elas excederam a precisão de nossos sentidos, ou pelo menos a acuidade de nossa atenção. 

Variedade do progresso – Há uma forma de variedade que não é tão nítida no mar, mas é muito relevante no céu: a variedade do progresso. No firmamento há uma variedade de aspectos que vão desde a aurora até a noite posta; de maneira tal que na aurora oferece um quadro encantador, primaveril, matutino; depois vem ganhando em colorido, em força e majestade, até chegar à gloriosa plenitude do meio dia; em seguida ele se vai esvaindo lentamente, até chegar às tristezas do crepúsculo; e por fim ele toma o seu aspecto noturno, que se conserva mais ou menos contínuo e imóvel até os primeiros clarões da aurora. Há assim, ao longo do dia, uma harmoniosa sucessão de aparências, que vão dos primórdios ao apogeu e deste à decadência, um ciclo de aspectos variados de progresso e retrocesso, que o céu percorre. 

Princípio monárquico – Outro princípio de variedade, que confere ao céu uma beleza peculiar, é o princípio dito monárquico. É a ordenação das múltiplas formas e variedades em torno de um elemento ou ponto central, em função do qual elas se harmonizam e reciprocamente se explicam. É o papel do sol no firmamento. Em função dele, no céu, todas as variedades não são senão fundos de quadro, que cooperam para realçar de mil modos toda a sua beleza. 

Assim temos os vários princípios da beleza realizados no mar e no céu, isto é, em duas criaturas que estão frequentemente diante dos nossos olhos, e que são esplêndidas semelhanças da beleza incriada e espiritual de Deus Nosso Senhor. 

Belezas de Deus em Nossa Senhora 

Sabemos pela doutrina católica que a formosura de todas essas coisas é imagem de Deus, Espírito puro e infinitamente perfeito. Assim, já que o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus, elas também são imagens do homem, e que o céu e o mar, em seus vários estados, fazem lembrar a alma humana em suas várias disposições: o jogo complexo das paixões humanas, as virtudes da alma humana quando esta realmente reflete a santidade de Deus Nosso Senhor. 

Estas regras de estética são meios para considerarmos a verdadeira beleza da santidade no homem. E portanto a beleza e santidade da mais alta de todas as meras criaturas, Nossa Senhora, que com tanta e tão esplêndida propriedade tem sido e deve ser comparada ao céu e ao mar. Alma de uma imensidade inefável, na qual todas as formas de virtude e beleza existem com perfeição supereminente, da qual nenhum de nós pode ter uma ideia exata. Nossa Senhora é bem aquele mar, aquele céu de virtudes diante do qual o homem deve ficar estarrecido e enlevado, e com todas as suas forças deve procurar amar e imitar. Em Nossa Senhora se encontra também a mesma unidade na variedade dos dons de Deus. Isto se nota bem no fato de que, sendo una, Ela se apresenta a nós na variedade admirável das suas invocações. Ela é Nossa Senhora da Paz e Nossa Senhora dos Prazeres, mas também é Nossa Senhora das Dores; é a Saúde dos Enfermos, mas é Nossa Senhora da Boa Morte. Nela todos os contrastes se harmonizam. Ela é ao mesmo tempo Auxílio dos Cristãos e Refúgio dos Pecadores; Ela é glorificada pela sua humildade incomparável, mas todos os videntes que tiveram a felicidade de A contemplar comentam a sua soberana majestade; Ela se apresenta “ut castrorum acies ordinata”,[3] mas ao mesmo tempo é “Mater clementiæ et misericordiæ”.[4] 

Poderíamos fazer um estudo de Nossa Senhora com o auxílio dos mesmos princípios que aplicamos na análise do céu e do mar. Podemos contemplar, numa perfeita harmonia, contrastes aparentemente irreconciliáveis, como o da Mãe chamada a Virgem das Virgens, mas que também poderia, muito lícita e validamente, ser chamada a Mãe das Mães.

Consagração a Nossa Senhora, obra-prima da criação 

Se assim é Nossa Senhora, impõe-se que o homem se consagre a Ela, obra-prima da Criação, para, por meio d’Ela, poder amar mais profunda e estritamente a obra de Deus no Universo. 

Ora, a consagração a Nossa Senhora consiste em o homem dar-se a Ela. E, já que ele pode realizar em si de algum modo as virtudes que n’Ela refulgem, dar-se à Mãe de Deus significa, para o homem, procurar imitá-La e também servi-La. O conhecimento de Nossa Senhora, a admiração por Ela, a imitação e o serviço d’Ela são os elementos integrantes desta completa consagração a Maria Santíssima, que nós queremos verdadeiramente realizar. 

Daí passamos a uma pergunta: Qual a influência exercida pelas condições peculiares à vida no século, no modo de vivermos nossa consagração? A vida no século deve ser de tal modo, que os mesmos princípios de beleza universal, que revertem em última análise em princípios de moralidade e santidade universal, se reflitam não só nas almas, mas em tudo aquilo que cerca o homem. 

Por uma misteriosa afinidade, formas, sons, cores e perfumes podem exprimir estados de espírito do homem. É necessário, pois, que reflitam estados de espírito virtuosos, para que nos ambientes o homem encontre os recursos necessários para a sua santificação. Devem ser imagens de Deus, que lhe falem aos sentidos e lhe deem o atrativo da virtude, o estimulem por essa forma a conhecer e ter apetência daquela beleza incriada de Deus, que ele só verá face a face na glória dos Céus. Organizar uma ordem temporal que assim forme as almas e as convide para o Céu, eis uma alta missão dos leigos vivendo no século. 

Claro está que tal ordem temporal teria uma consonância profunda com a Revelação, os ensinamentos e as leis da Igreja, bem como com os ditames da verdadeira ciência. Ela seria pois o reinado de Jesus Cristo, o reinado de Maria na Terra. 

Consagração a Nossa Senhora em nosso século 

Imagem milagrosa de Nossa Senhora
de Fátima. Em uma das aparições
de 1917 em Portugal, a Virgem
Santíssima apareceu vestida
com o hábito do Carmo  
A esta altura podemos nos perguntar: No nosso século, em que consiste o serviço de Nossa Senhora? Consiste em salvar as almas por todos os meios lícitos, dentre os quais queremos acentuar este: tomar todas as coisas, ordená-las dentro desse espírito e construir a cultura e a Civilização Cristã. Pois estas, sob certo aspecto, não são senão a disposição das coisas de maneira que elas sejam nesta vida o reflexo de Deus, e assim orientem as almas para a vida eterna. Estar consagrado a Nossa Senhora e servi-La é sustentar, promover e defender, contra os seus adversários, a cultura e a civilização, comparáveis àquela pérola preciosa que o homem deve procurar, vendendo todas as coisas que tenha. Cultura e civilização estas que são aquela paz na Terra, prometida aos homens de boa vontade pelos Anjos de Belém, a única paz de Cristo no reinado de Maria. 

Assim, todo verdadeiro Terceiro carmelita, que compreenda o que é a sua consagração, é não só um homem profundamente interior, mas soldado nato da cultura e da civilização cristã. 




Problemas peculiares à ação da alma consagrada 

Para que compreendamos bem como servir Nossa Senhora em nosso século, é preciso que tenhamos bem em consideração as circunstâncias peculiares a ele. Vivemos em nossos dias em um processo revolucionário que, tendo começado com o protestantismo e o humanismo no século XVI, alcançou um triunfo universal pela Revolução Francesa no século XVIII, e pela extensão dos princípios desta ao mundo inteiro no século XIX. Esse processo chega agora aos extremos de si mesmo na afirmação do comunismo. Nós estamos, portanto, no clímax de uma longa série de apostasias. Nisto está a marca dominante dos acontecimentos de nossos dias, e das circunstâncias dentro das quais a Igreja age, vive e luta atualmente. 

Em outras épocas a Igreja também tem tido adversários a enfrentar. Nunca, talvez (e nesse sentido são tão numerosas as citações pontifícias, que eu me dispenso de as lembrar aqui), teve Ela que enfrentar uma tão profunda investida, que a ataque com tal furor em todos os pontos de sua doutrina, de seus costumes, de suas instituições e de suas leis. Nunca seus inimigos mostraram tanta coerência, tanta unidade de objetivos e tanto rancor quanto em nossos dias. 

Assim, e seja qual for o ângulo do qual vejamos o panorama hodierno, é preciso que coloquemos no centro de toda a nossa perspectiva este fenômeno: a investida multissecular das forças do mal, chegada hoje a seu paroxismo. 

Esse processo revolucionário mina e corrói uma realidade gloriosa, que é a Civilização Cristã. Assim, portanto, temos um inimigo a atacar e um patrimônio a defender. O patrimônio é todo o imenso e inapreciável tesouro de tradições desses 20 séculos de Civilização Cristã, que tivemos atrás de nós. Patrimônio esse que não deve ser considerado como um valor estático, mas ao qual, pelo contrário, cada século foi dando o seu contributo. Também nós, pela nossa fidelidade e pela nossa vida, devemos aumentar este glorioso acervo. Em face de nós está essa Revolução, que é justamente o contrário de tudo que amamos, e devemos atacá-la em todas as suas manifestações. 

Assim se explica um dos aspectos essenciais de nosso apostolado, realmente adequado aos nossos dias. Tal aspecto merece uma explanação conveniente, para que compreendamos bem o que vem a ser in concreto, e em sua plenitude, a perseverança na nossa consagração a Nossa Senhora. Com efeito, costuma-se dizer que o católico deve ser o homem de seu tempo, deve ter a vista aberta para todos os progressos, deve ser um homem que se acomoda tanto quanto possível às circunstâncias da época em que vive. Ninguém poderia dizer que, em si mesmas, essas expressões são falsas. Mas devemos saber distinguir uma aceitação inteligente e cheia de discernimento de uma aceitação simplória, impensada, fraca, tíbia, que abrange não só o que as condições da época têm de bom, mas também o que o espírito da Revolução instilou veladamente, até em muitas das boas condições da nossa época. De modo que há aceitações a fazer, e deve-se ser homem do tempo, mas há também recusas categóricas a fazer. É exatamente a linha divisória entre uma coisa e outra que deve ser por nós marcada com todo o cuidado. 

Abolir defeitos e melhorar qualidades da época 

Em que sentido um católico pode e deve ser homem do seu tempo? 

Toda época costuma diferenciar-se da anterior por conter alguns defeitos que ferem a atenção, e que se deseja corrigir, mas muitas vezes dissente dela por discordar das suas qualidades. Em relação ao passado próximo de que nós provimos, nós não queremos, não devemos e não podemos aceitar tudo, mas rejeitar certos elementos criteriosamente. A época passada apreciava, por exemplo, a oratória florida, farfalhante, verbosa e torrencial, que se manifestava em todas as ocasiões possíveis. Um aniversário, uma formatura, um casamento, o regresso de uma longa viagem, tudo era ocasião para um discurso. E tais discursos eram tão padronizados, que já havia manuais contendo peças oratórias de circunstâncias. Essas peças podiam ser repetidas, por exemplo, em todo o Brasil, desde o Amazonas até o Rio Grande do Sul, em Portugal e nas colônias. 

Nós achamos que o tipo de homem romântico que nos antecedeu era pouco eficiente, tinha o espírito povoado de sonhos vácuos e uma imaginação em fogo, não primava pelo rigor da lógica nem pelo desejo de traduzir em fatos concretos aquilo com que sonhava. Para nós, evidentemente, toda essa abundância de discursos se patenteia supérflua. Os poucos discursos que se fazem hoje devem ser rápidos, em linguagem menos convencional, menos hirta, uma linguagem viva. Para nós, todas as flores daquela retórica estão já gastas pelo uso, e portanto devem ser relegadas ao museu. Nenhum de nós se extasiaria, como um velho amigo meu, ouvindo um discurso de Rui Barbosa a bordo de um navio; no qual, para dizer uma mesma coisa [o chicote], o expansivo tribuno empregara 14 sinônimos. Quanto a nós, pensaríamos em 14 minutos perdidos, e nos aborreceríamos com essa prolixidade supérflua. 

Segundo os cânones do romantismo passado, por exemplo, o gosto pela tristeza era um atributo essencial do espírito. Um moço, segundo o estilo em voga, deveria ser doente e infeliz, deveria exalar a sua infelicidade e a sua doença numa guitarra, deveria trocar a noite pelo dia, deveria ser um daqueles sonhadores de garoa e de orgias, tão típicos da velha Faculdade de Direito [de São Paulo]. A nós, isso tudo hoje nos parece errado. Sem esquecer a orgia, parece-nos que essa glorificação da melancolia, esse amor à doença, essa mania de se sentir triste, são antinaturais e ridículas. 

Palácio do Catete no Rio de Janeiro
Desta ordem de ideias poderíamos passar facilmente para outra. A incompreensão dos homens para com o mar, por exemplo, é flagrante de uns 120 ou 130 anos para cá, e no Brasil muito mais recentemente. Quem é que, tendo recursos para construir um palácio com o vulto do Catete [no Rio de Janeiro], haveria de o fazer, como seu proprietário, com os fundos para o mar e a frente para a cidade, num alheamento patente das belezas do panorama do Flamengo? Conta-se que esse senhor queria ao mesmo tempo construir nos outros ângulos da praça do palácio três outras moradias iguais para seus filhos, de maneira que o mar, nessa concepção arquitetônica e urbanística, estava completamente excluído. Quem de nós pode achar que se deve voltar a essa concepção? O Palácio do Itamarati, visitado com encanto até hoje pelos diplomatas estrangeiros, quem de nós, se o construísse hoje, haveria de o colocar no fundo do Rio de Janeiro, em vez de o situar em uma bonita ilha, ou pelo menos em um ponto pitoresco do litoral? 

Nenhuma época do passado pode ou deve ser intocada. É sempre possível, por um movimento verdadeiramente progressivo, abolir defeitos e melhorar qualidades. Mas isto não basta, é preciso também que nós nos lembremos de que muitas das transformações instituídas no presente não representam um trabalho inteligente para depurar e fazer progredir as tradições que recebemos; mas, pelo contrário, constituem um esforço de destruição clara ou de falseamento sub-reptício dos valores da Civilização Cristã. 

Em carta dirigida ao Eminentíssimo Cardeal Arcebispo Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota pelo Exmo. Mons. Angelo Dell'Acqua, então substituto da Secretaria de Estado da Santa Sé, falando com a responsabilidade de seu cargo, pudemos ler que o mundo contemporâneo, por efeito do laicismo, perdeu quase completamente o senso cristão da vida. Chamo a atenção para estas palavras. Ora, sabemos que um homem não fica desprovido de senso. Se ele perde o senso cristão, o senso anticristão o substitui. Portanto, quase todos que existem hoje estão marcados, em escala maior ou menor, pelo senso anticristão da vida. Somos infelizmente filhos de nosso tempo, e estamos todos expostos ao risco de trazer em nós, insuspeitadas, muitas das infiltrações desse senso anticristão da vida. 

Preservar a tradição cristã em Nossa Senhora 

São frequentes em torno de nós as pessoas que supõem ter verdadeiro espírito católico, porque recebem uma ou outra vez os sacramentos e praticam alguns atos de piedade. Entretanto, os seus modos de pensar, de sentir e de agir são marcados por um espírito oposto ao da Igreja. Até mesmo entre as pessoas piedosas dá-se, em escala menor embora, o mesmo fato. Nessas condições, há razão para sentirmos uma verdadeira desconfiança até de nós mesmos. E devemos, com suma diligência e um grande temor, dedicar-nos à tarefa de distinguir em nossa época aquilo que há de bem e de mal. Obriga-nos a tal o santo receio de renunciar a alguma coisa daquele depósito de tradições católicas que recebemos de nossos maiores, e que devemos transmitir aos pósteros não só intacto, mas até acrescido. 

Está bem corrigir judiciosamente o passado. Mas modificá-lo sem esse discernimento, levianamente, a todo propósito, e às vezes pelo simples gosto da modificação, eis o que não se deve de modo algum fazer. Não se pode imaginar algo mais contrário à verdadeira consagração a Nossa Senhora do que esta falta de cuidado no proteger a tradição cristã. Porquanto, se o Terceiro carmelitano se entrega sem critério nem reservas ao século, ele serve a dois senhores, não é um verdadeiro carmelita, e a sua consagração não é uma consagração efetiva. 

Assim, embora repudiando formalmente a ideia de que devemos conservar imóvel o passado, afirmamos que nunca, na história da Civilização Cristã, foi tão difícil a alguém fazer esta discriminação entre os valores verdadeiros do passado e aquilo que nele deve ser retificado. 

Disso dão bem uma noção as palavras iluminadas do discurso do Santo Padre Pio XII ao Patriciado e à Nobreza Romana, no dia 19 de janeiro de 1944. Elas deixam bem ver que, em tudo aquilo que é renovação feita segundo o espírito da Igreja, deve entrar um sentido de profundo amor à tradição [Ver trecho no final desta matéria]. 

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Como conclusão, podemos afirmar que a nossa consagração no século, a nossa consagração a Nossa Senhora, expressa pelo ato efetivo da profissão e rememorado pelo uso e pela posse do escapulário, é realizada em nossos dias pela recondução das almas e de todos os valores da sociedade temporal, para darem glória a Deus dentro das sendas da Civilização Cristã, tendo em Deus a sua causa final, tendo em Deus a sua causa exemplar, dentro de um rumo que, se é um rumo de verdadeiro progresso, é por isso mesmo, e nisso mesmo, um rumo indicado pelos princípios magníficos da Tradição Cristã. 
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Fonte: Revista Catolicismo, Nº 847, Julho/2021. 
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Notas da redação
1. São Simão Stock (1164-1265), Prior Geral da Ordem do Carmo, em 16 de julho de 1251 recebeu da Santíssima Virgem o Escapulário, como símbolo de proteção e eterna aliança. O próprio santo carmelita relatou ao Pe. Pedro Swayngton, seu secretário e confessor, que “a Virgem me apareceu em grande cortejo, e, tendo na mão o hábito da Ordem, disse-me: ‘Recebe, diletíssimo filho, este Escapulário de tua Ordem como sinal distintivo e a marca do privilégio que eu obtive para ti e para todos os filhos do Carmelo; é um sinal de salvação, uma salvaguarda nos perigos, aliança de paz e de uma proteção sempiterna. Quem morrer revestido com ele será preservado do fogo eterno’” (Ver Catolicismo, nº 629, maio/2003). 
2. Existem três ordens dos que se inspiram no Monte Carmelo. A Ordem Primeira do Carmo, representada por aqueles que se entregam à vida religiosa e às regras de uma vida monástica. A Segunda Ordem do Carmo, que diz respeito às mulheres que se dedicam ao serviço religioso e mantêm-se castas durante toda a vida. E a Ordem Terceira do Carmo (chamada também de Venerável Ordem dos Terceiros Carmelitas), é a dos que não fazem uso do hábito e das obrigações próprias dos religiosos. São irmãos leigos que dedicam a suas vidas pessoais separadamente da Igreja, mas igualmente seguem uma regra de conduta e fé. 
3. “Quæ est ista quæ ascendit sicut aurora consurgens pulchra ut luna electa ut sol terribilis ut castrorum acies ordinata?” (Quem é esta que surge como a aurora, bela como a lua, brilhante como o sol, terrível como um exército em ordem de batalha? [Cant. 6,10]). 
4. Mãe clemente e misericordiosa. 

TRADIÇAO NÃO É APEGO AO PASSADO, MAS CAMINHO PARA FRENTE 

Trecho do discurso do Papa Pio XII ao Patriciado e à Nobreza Romana, em 19 de janeiro de 1944 

Papa Pio XII na Sedia Gestatoria
“A
s coisas terrenas fluem como um rio no alvéolo do tempo: o passado cede necessariamente o lugar e o caminho ao porvir, e o presente não é senão um instante fugaz que vincula um e outro. É um fato, um movimento, uma lei; não é um mal em si. O mal seria se esse presente, que deveria ser uma onda tranquila na continuidade da corrente, chegasse a se tornar uma tromba marinha, convulsionando todas as coisas como um tufão ou ciclone no seu avançar, escavando com fúria destruidora e voraz um abismo entre o que passou e o que está por vir. 

“Tais saltos desordenados, que a História faz em seu curso, constituem e determinam então o que se chama uma crise, ou seja, uma passagem perigosa que pode conduzir à salvação ou à ruína irreparável, mas cuja solução está ainda envolta em mistérios, dentro das nuvens negras das forças em choque. 

“Patriciado e nobreza, vós representais e continuais a tradição. “Esta palavra, como bem sabeis, soa desagradavelmente a muitos ouvidos. Ela desagrada com razão quando pronunciada por certos lábios. E são exatamente os lábios, dizemos nós, daqueles que quereriam conservar o passado numa imobilidade impossível. 

“Muitos espíritos, mesmo sinceros, imaginam e creem que tal tradição não seja mais do que a lembrança, o pálido vestígio de passado que não existe mais, que não pode voltar, e que, quando muito, é com veneração — e, se vos agrada, com gratidão — relegado em um museu. 

“Mas a tradição é muito diferente de um simples apego ao passado já desaparecido. É justamente o contrário de uma reação que desconfia de todo são progresso. O próprio vocábulo é etimologicamente sinônimo de caminho e marcha para a frente; sinônimo, e não identidade. Com feito, enquanto o progresso indica somente o caminho para a frente, passo após passo, procurando com o olhar um incerto porvir, a tradição indica também um caminho para a frente, mas caminho contínuo, que se desenvolve ao mesmo tempo tranquilo e vivaz, de acordo com as leis da vida. 

“Por força da tradição, a juventude, iluminada e guiada pela experiência dos anciãos, avança com passo mais seguro, e a velhice transmite e entrega confiantemente o arado a mãos mais vigorosas, que continuam o sulco já iniciado. Como indica seu nome, a tradição é um dom que passa de geração em geração; é a tocha que o corredor a cada revezamento põe na mão e confia a outro corredor, sem que a corrida pare ou diminua de velocidade. Tradição e progresso reciprocamente se completam com tanta harmonia que, assim como a tradição sem progresso se contraria a si mesma, assim também o progresso sem tradição seria um empreendimento temerário, um salto no escuro”.
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