O Instituto Plinio Corrêa de Oliveira alertou a
opinião pública sobre os perigos do Decreto presidencial 8.243, em comunicado
intitulado “Importante passo rumo ao modelo venezuelano”. Destacava o texto que
a efetivação do Decreto poderia ser qualificada como uma tentativa de golpe de
Estado incruento; e acrescentava: “Fica assim instituído um sistema paralelo de
poder, que consagra na prática uma ditadura do Executivo, na pessoa do
Secretário-Geral da Presidência da República, o ex-seminarista Gilberto
Carvalho, quem habitualmente faz a ponte entre o governo e a CNBB”.
É, pois, muito preocupante constatar – especialmente para os católicos –
que a CNBB, no seu documento de nº 91 [foto ao lado], defende a existência de tais “conselhos
populares” e a “radicalização da democracia”, um eufemismo para a chamada
“democracia popular”, aos moldes da aplicada pelos “soviets” na Rússia e em
outros países, e que deu origem a regimes políticos materialistas, ditatoriais
e sanguinários.
Em artigo publicado recentemente, o Prof. Hermes Rodrigues Nery,
coordenador da Comissão Diocesana em Defesa da Vida e do Movimento Legislação e
Vida, da Diocese de Taubaté, mostra como o sistema de “conselhos” já é uma
realidade na organização eclesial instituída pelas correntes progressistas
dentro da Igreja.
Mostra ainda o artigo como continua a ser a “esquerda católica”, com
base numa interpretação distorcida da doutrina católica, a impulsionar uma ação
revolucionária e libertadora, cuja ação específica é a derrocada do statu quo
atual; a CNBB, intervindo uma vez mais em assuntos da competência
especificamente temporal, silencia sua missão espiritual, quando tantas
investidas são feitas contra a família cristã e o sagrado direito de
propriedade.
Este site convida seus leitores a conhecer a descrição, feita pelo Prof.
Hermes Rodrigues Nery, dos métodos utilizados pelas correntes progressistas
para silenciar aqueles que querem impedir os graves atentados da legislação
estatal contra os mandamentos da Lei de Deus.
Ouviremos os conselhos!
Documento nº 91 da CNBB defende “conselhos” e “radicalização
da democracia”.
Hermes Rodrigues Nery (*)
Os progressistas assumiram postos de comando, tornaram-se ordenadores de
despesa, formaram seus “conselhos” e os doutrinaram na ideologia marxista, para
justificar e legitimar os encaminhamentos da “democracia radical” dentro da
Igreja, relegando os padres conservadores aos papéis secundários de vigários,
sem poder algum de decisão.
Em 2010, por ocasião da 48ª Assembleia Geral da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, realizada em Brasília (para
comemorar o jubileu de ouro da fundação da capital federal, em pleno planalto
central do País, o então secretário-geral da CNBB, Dom Dimas Lara Barbosa
apresentou o documento nº 91: “Por uma Reforma do Estado com Participação
Democrática”, assinado em 11 de março daquele ano, meses antes do pleito que
elegeria Dilma Rousseff como presidente. Naqueles dias da 48ª Assembleia,
estive em Brasília, e procurei vários bispos, inclusive o próprio Dom Dimas,
chamando a atenção do Plano
Nacional de Direitos Humanos 3, que o então presidente Lula havia
apresentado nas vésperas do Natal do ano anterior, e que causou grande
apreensão em vários setores da sociedade brasileira. Solicitamos que a CNBB
tivesse um posicionamento firme sobre o aspecto anticristão do PNDH3. Mas não
foi possível tal posição. Os temas da Assembleia vinham das bases, e um deles
era o documento nº 91. “Um tema para entrar aqui em discussão vem das bases,
dos conselhos!”, ressaltou um dos prelados. Em relação ao PNDH3, a apreensão
inicial foi apenas passageira. Logo as vozes se calaram, e vieram as
acomodações conhecidas. A execução do PNDH3 continuou como prioridade do
governo do PT, legitimado pelo silêncio e conivência de muitos. Depois que
passou a chiadeira inicial, o PT se sentiu respaldado a agir com mais
celeridade aos propósitos contidos no PNDH3.
Muitos bispos fizeram descaso dos apelos feitos, e
quando a voz solitária e heróica de Dom Luiz Gonzaga Bergonzini, o Leão de
Guarulhos, clamou em defesa dos nascituros, denunciando a agenda abortista do
PT em plena campanha eleitoral, muitos outros religiosos e leigos católicos da
esquerda se juntaram para assinarem uma carta de apoio a Dilma Rousseff,
incensada por Leonardo Boff, em evento no Rio de Janeiro. No ano seguinte,
estando com Dom Bergonzini em Londrina (PR), conversamos sobre a situação
nacional, e ele afirmou que continuaria quantas vezes fosse preciso se
posicionando em fidelidade ao Magistério da Igreja, à sã doutrina, denunciando
a agenda abortista do PT e o seu projeto de poder totalitário, confirmando
assim a valentia que faltava a muitos outros religiosos e leigos católicos.
Estivemos juntos novamente num ato público na Praça da Sé, em que saímos em
direção ao Fórum João Mendes, onde
ele protocolou uma ação contra as “Católicas pelo Direito de Decidir”.
No ano seguinte, nos reencontramos no plenário do Supremo Tribunal Federal, na
votação da ADPF 54, quando o STF decidiu aceitar o aborto em casos de
anencefalia. Havíamos
feito uma vigília durante a noite antes da votação, em frente o STF.
E ainda durante a votação, quando a maioria dos ministros já havia deliberado,
Dom Bergonzini saiu da sessão e foi rezar um terço em frente o STF. Ele sabia
que, naquele momento, pela via judiciária estava se abrindo uma brecha para a
legalização do aborto no Brasil, e que a Presidente Dilma Rousseff não
cumpriria sua promessa de campanha de que não tomaria iniciativa nesse sentido,
o que se confirmou, mais tarde, com a sanção da Lei 12.845/2013, de triste
memória. A imagem de Dom Bergonzini sozinho diante do STF, debaixo de um sol
escaldante, no meio da tarde, foi de cortar o coração. O Leão de Guarulhos não
se abateria até o último minuto de vida, dando o exemplo de um combatente,
enquanto Igreja militante.
Via crucis de uma campanha contra o aborto
No mesmo período, percorríamos as paróquias de algumas dioceses do
estado de São Paulo coletando assinaturas para a “Campanha São Paulo pela
Vida”, com o objetivo de incluir na constituição estadual paulista o direito a
vida, desde a concepção, via iniciativa popular. Foi então que comecei a
perceber uma realidade mais terrível, que ainda não tinha me dado conta. Ao
apresentar a campanha aos padres, nas reuniões diocesanas de presbíteros,
muitos deles disseram: “a proposta é boa, mas temos que primeiro ouvir “os
conselhos” paroquiais. “Pessoalmente sou a favor da campanha, acho bonita esta
iniciativa, mas temos que ouvir “os conselhos”. E de outro pároco: “Não posso
simplesmente apresentar um projeto bonito desses como se fosse coisa minha, ou
pior ainda, como se fosse coisa do bispo, você entende? Tudo será decidido nos
conselhos.”
E então, a coisa emperrou. Algo aconteceu que não entendíamos. Só
funcionou quando o pároco, com a sua prerrogativa de decisão, autorizou que
fossemos ao final da missa falar sobre a campanha e, em seguida, fizéssemos a
coleta de assinaturas. Em muitos casos, o pároco disse que colocaria a
disposição agentes pastorais. Mas quando chegávamos lá, para o mutirão pela
vida, nem mesa, nem canetas, nada de estrutura mínima. Tínhamos que levar tudo
por nossa conta, em certos casos, nem mesmo o pároco lá estava. A missa era
rezada por um vigário, que nem sabia do que estava acontecendo, porque ninguém
avisou nada. “Acho que vocês estão sendo boicotados”, nos disse uma senhora que
veio assinar o formulário contra o aborto.
A campanha contra o aborto no estado de São Paulo se tornou um calvário,
porque nos deu a constatação de que boa parte das paróquias visitadas está
dominada por “conselhos” imbuídos de ideologia marxista, que não consideravam
relevante a causa da defesa da vida desde a concepção. “Vocês estão obcecados
pela questão do aborto”, nos disseram. Se for um abaixo-assinado para dar
moradia aos sem teto, terras para o morador de rua e direitos sociais aos
afrodescendentes, então contem com a gente”. Mais tarde tivemos que ouvir de um
dos líderes dos conselhos: “Até o papa já disse que vocês estão obcecados pela questão
do aborto!” Um deles foi mais longe: “Direito primeiro ao já nascido!”. Mesmo
assim, continuamos percorrendo as dioceses, algumas nos acolhendo muito bem,
abrindo as portas, como o bispo de Campinas. Então fui pessoalmente falar com
Dom Damasceno, presidente da CNBB e arcebispo de Aparecida. Ele foi bem
receptivo e acolhedor, abrindo as portas da Basílica de Nossa Senhora da
Conceição Aparecida, onde fizemos um mutirão de coleta de assinaturas lá. E
também Dom Beni, que telefonou autorizando um dia de coleta na Canção Nova. Mas
foi apenas um único dia de mutirão. Depois, tínhamos que voltar às paróquias, e
submeter o abaixo-assinado à vontade dos “conselhos”. E quando isso acontecia,
emperrava de novo.
Bispos conservadores e fiéis ao Magistério da Igreja nos recebiam,
ouviam e acolhiam, anuindo com a proposta. Quando os formulários eram
encaminhados para às bases, meses decorriam sem que houvesse algum
retorno. O Regional Sul 1 da CNBB, graças ao Pe. Berardo Graz, dando
apoio, conseguimos mobilizar outras comissões em defesa da vida, e obter
juntos, mais de cento e cinquenta mil assinaturas. Mas precisávamos chegar a
trezentas e trinta mil. Tivemos então que fazer um mapeamento de paróquia por
paróquia, identificar qual padre acolheria, e mesmo assim, qual tomaria a
decisão dele mesmo fazer acontecer. Quando ia para os “conselhos”, estancava.
Mesmo assim, chegamos a mais da metade do número de assinaturas exigidas pela
legislação, e como desejávamos fazer a ação vir do seio da Igreja Católica, o
trabalho demorou mais para fluir. “Chamem os evangélicos, vocês precisam dos
evangélicos!” Mas queríamos muito a iniciativa dos católicos. A grande lição da
campanha foi a de constatar o aparelhamento ideológico da Igreja Católica no
Brasil. A maior parte dos “conselhos” foram criados para serem voz do
esquerdismo dentro da Igreja, minando-a por dentro, corroendo a sã doutrina,
fazendo com que muitos padres fiquem de mãos atadas, imobilizados, sem saber o
que fazer, como reféns dos conselhos. “A fidelidade dos sacerdotes católicos
deve ser com a sã doutrina”, disse eu certa vez, numa reunião de um desses
“conselhos”. E uma das lideranças, com voz num tom de saltar as veias,
respondeu: “Esta sã doutrina é eurocêntrica. Mas saiba que a experiência da
América Latina, que veio das CEBs, o protagonismo dos “conselhos populares”,
fará emergir a Igreja que queremos, a Igreja como “povo de Deus”, e não a
imposta pela hierarquia”. E completou: “A questão do aborto é um obsessão desta
igreja reacionária”. “O povo quer pão na mesa e terra, esse sim é o direito a
vida por qual temos que lutar. E conseguiremos isso com participação popular,
com ‘democracia radical’, efetivamente participativa.”
Outro aspecto percebido foi a crescente tomada de posição dos
progressistas, em todos os níveis, nas paróquias, nas escolas e universidades,
nas editoras, empresas e muitas instituições hoje apenas ditas católicas. Os
progressistas assumiram postos de comando, tornaram-se ordenadores de despesa,
formaram seus “conselhos” e os doutrinaram na ideologia marxista, para
justificar e legitimar os encaminhamentos da “democracia radical” dentro da
Igreja, relegando os padres conservadores aos papéis secundários de vigários,
sem poder algum de decisão. Boa parte se acomodaram, evitando criar problemas,
e preferindo tocar a rotina, em serviços burocráticos de atendimentos, sem
intervir nas decisões, aceitando se tornar reféns dos “conselhos”. Alguns
celebram a missa diária, como se fosse apenas uma obrigação profissional e nada
mais. Fazem os atendimentos necessários e somem. Vários são os casos de
depressão e alcoolismo, que sofrem sem saber o que fazer debaixo do mando de
tais “conselhos”, com a conivência do progressista ordenador de despesa.
Presenciei casos assim, nas minhas andanças em defesa da campanha contra o
aborto, nas muitas visitas feitas em paróquias, de padres cerceados de suas
atividades, vigiados, boicotados, que sofrem calados padecimentos incontáveis.
“O que acontece com a nossa Igreja?”, queixou-me um deles. E lembrou-me
uma frase de Bento XVI, em seu livro “Jesus de Nazaré”: “E como estamos todos
na realidade presos pelas potências que de um modo anônimo nos manipulam”. E me
contou: “Não apenas padres sofrem com isso, mas também bispos, e mais ainda
bispos eméritos conservadores, que padecem privações sob a dependência de
religiosos progressistas, idosos, muitas vezes, sem família, à mercê da vontade
dos progressistas. Tudo isso causa grande dor e sofrimento no seio da Igreja,
que foi tomada por dentro pela implacabilidade dos progressistas, dentre os
quais muitos recorrem aos “conselhos” para dar legitimidade a este cerco aos
conservadores dentro da instituição. Eles sabem que ninguém vai falar nada,
ninguém tem coragem de falar, e assim, aos poucos, eles avançam e ocupam mais
postos de decisão.”
E então nos indagamos: o que esperar, mais adiante, em termos de defesa
da sã doutrina católica, quando o próprio documento nº 91 da CNBB, em relação à
reforma do Estado brasileiro, prega uma “educação popular” capaz de questionar
os fundamentos do sistema político atual, questionando inclusive a “democracia
representativa”, e advogando a necessidade de dar poder a “novos sujeitos
históricos” (os tais “conselhos populares” defendidos pelo decreto 8243/2014 da
presidente Dilma Rousseff?), propondo inclusive no referido documento,
“radicalizar a democracia”, dizendo que “a democracia representativa não esgota
todas as formas de vivência democrática”, “rompendo com a supremacia
institucional da cultura ocidental”? Está no documento nº 91 a defesa dos
“conselhos”, de modo explícito: “os conselhos paritários formam, um campo
privilegiado de participação popular”, propondo “a institucionalização das
estruturas de participação popular”, para “uma nova forma de viver a
democracia”.
O fato é que o documento nº 91 está em muita sintonia com o pensamento
contido no decreto nº 8243/2014 da presidente Dilma Rousseff. Não é a toa que
Gilberto Carvalho se sente tão à vontade, ao saber que não haverá resistência
alguma da Igreja ao decreto, porque o documento nº 91, que já foi lido e
trabalhado em tantos finais de semanas, em muitas reuniões paroquiais, pelo
País afora, defende o que está no decreto 8243/2014, mesmo muitos sem saber
exatamente das consequências disso, para o País, e para a Igreja Católica no
Brasil. Gilberto Carvalho sabe que as poucas vozes reacionárias não têm lastro
mais nas bases já trabalhadas e tomadas, há muito tempo. Já não tem mais poder
algum. E poderá rir disso, no conforto do gabinete presidencial, certo de que poderá
agora avançar mais célere, em tudo aquilo que está lá contido no PNDH3, e que
os próprios bispos, reunidos na 48ª Assembleia, nada disseram a respeito.
Agora, poderão facilmente prosseguir no afã de sovietizar o País, repetindo
aqui o queria Lênin: “todo poder aos sovietes!”
Agora ficou clara a resposta dos párocos progressistas, ao receberem o
formulário da campanha contra o aborto: “ouviremos primeiro os conselhos”. E
entendemos o porquê tais formulários terem ficado meses esquecidos nas gavetas
dos escritórios paroquiais. Os “conselhos” decidiram que a questão do aborto
não é relevante. Mesmo sabendo que a maioria do povo brasileiro é contra o
aborto e pela vida (82% segundo pesquisa Vox Populi). Mas os “conselhos”
representam mesmo o “povo”?
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(*) Hermes Rodrigues Nery é coordenador da Comissão Diocesana em Defesa da
Vida e do Movimento Legislação e Vida, da Diocese de Taubaté. Especialista em
Bioética, é pós-graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro. E-mail: hrneryprovida@gmail.com