29 de dezembro de 2014

Alegrias de Natal nos bons velhos tempos

A fim de estimular nossos leitores a celebrar com a devida elevação de vistas o nascimento do Menino-Deus, Catolicismo lhes oferece, como matéria de meditação, belas considerações feitas pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a respeito dessa data magna. Elas lhes farão sentir as alegrias de que se cercavam e os perfumes que penetravam todos os ambientes da civilização cristã no período natalino — o oposto do mundo neopagão no qual vivemos. Esquecendo-se do principal, que é a glória de Deus, procura-se extinguir em nossos dias, como se possível fosse, a Luz que veio ao mundo, reduzindo cada vez mais a figura do Menino Jesus e transformando o Natal em mera troca de presentes e frenesi comercial. Ou, pior ainda, rebaixando-o à trivial condição de “feriadão”. 

Plinio Corrêa de Oliveira descreve o ambiente natalino e as graças próprias a esse abençoado dia em seu tempo de menino. São considerações de molde a despertar em nós, não apenas uma reconfortante recordação, mas sobretudo uma admiração autêntica pelas épocas de fé, e um desejo cada vez mais ardente da restauração completa da Cristandade. Então as graças natalinas voltarão a impregnar todos os povos redimidos por Aquele que veio ao mundo e derramou seu preciosíssimo sangue para a nossa Redenção. 

O texto que segue corresponde a excertos de uma conferência do Prof. Plinio para sócios e cooperadores da TFP em 21 de dezembro de 1984, tendo sido feitas pela redação apenas pequenas adaptações da linguagem falada para a escrita e inseridos subtítulos. 

Plinio Corrêa de Oliveira em 1912, contava então com 4 anos.

“No meu tempo de menino... 

 ...a noite de Natal era um hiato luminoso, cheio de algo que não se consegue descrever, mas que todos sentiam: era aquela suavidade, aquela paz, aquela doçura que dava a impressão de que todo o céu estrelado da noite estava como que impregnando a Terra de perfumes”. 

Plinio Corrêa de Oliveira
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 768, Dezembro/2014
www.catolicismo.com.br


A festa do Santo Natal, assim como a festa de Páscoa, têm especialmente este privilégio: elas interrompem o tempo. Pode alguém estar na situação aflitiva em que estiver, chega o Natal e se abre um paredão: desgraças e lágrimas de um lado, e de outro bimbalham os sinos; o Natal começou; Cristo nasceu; alegria para todos os homens! 

Uma alegria que não é a alegria vulgar do homem que fez um bom negócio; do homem que deu uma tacada política e venceu; do homem que se envaideceu e no qual os outros acreditaram; do homem que ganhou uma loteria... Não! É uma alegria muito mais interna, muito mais leve, uma alegria feita de luz, enquanto as outras são feitas de coisas palpáveis e de segunda ordem. Uma alegria toda ela feita de luz e de uma luz que é o lumen Christi — a luz de Nosso Senhor Jesus Cristo que brilhou uma vez na Terra, na noite de Natal, e nunca mais, de ano em ano, deixou de brilhar, trazendo uma verdadeira alegria e uma verdadeira paz de alma até para as pessoas mais atormentadas.


“Sangue de Cristo, embriaga-me!” 

Na noite de Natal, gosto de lembrar o que teria sido o Natal nas catacumbas. A catacumba de São Calixto, em Roma, é terrível. Eu nunca pensei que fosse o que é: corredores estreitos, altos, tem-se a impressão de que as duas paredes vão se encontrar no alto. Terra por todos os lados e sepulturas. De repente, uma clareira filtrava de cima um pouquinho de luz e via-se uma sala quadrangular com algumas pinturas, já muito velhas, feitas não sei com que técnica, diretamente sobre a terra. Elas representam de um modo ingênuo cenas do Evangelho. Percebo um altarzinho... E o guia explicou: “Esta era uma capela, aqui se rezava missa!” 

As sepulturas eram de mártires. Terminado para os pagãos o “espetáculo” de um martírio, o povo se retirava. Quando anoitecia, católicos heroicos — candidatos eles mesmos ao martírio, porque se fossem pegos seriam martirizados — arrastavam-se nas trevas da noite até o Circo Máximo, ou até o Coliseu, para resgatar aqueles restos de corpos trucidados pelas feras. Depois, passo a passo, talvez rastejando pelo chão, chegavam escondidos até à entrada da catacumba, que era um orifício no chão. Eles se esgueiravam, chegavam no subterrâneo.

Imediatamente, do fundo da terra ecoava um cântico de triunfo pelo irmão que padeceu e agora está no Céu. Os corpos deles eram gloriosamente trazidos para dentro da catacumba, corpos de mártires que morreram por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo. 

Havia mártires que morriam na alegria de enfrentar as feras. Eles iam de encontro a elas; triturados, morriam na alegria com a esperança da salvação eterna no Céu. 

Quando se canta o Anima Christi, há uma das invocações que diz: Sanguis Christi inebria-me! (Sangue de Cristo embriaga-me!). Pode-se perguntar o que quer dizer “Sangue de Cristo embriaga-me” O que é esta embriaguez do Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo?

Pode-se responder com um exemplo: um mártir que comungou o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor, embriagando-se da alegria e da graça do Espírito Santo, está como que ébrio. Diante do perigo e da dor ele não tem medo. Pelo contrário, a alegria sobrenatural que o enche é tal que, se lhe dissessem que a fera não vem, ele poderia ficar desapontadíssimo! Para ele, a boca do tigre é ocasião de entrar na eternidade no Céu! E as presas do animal são para ele as presas benfazejas que vão romper os laços que o prendem à Terra, para que a sua alma possa voar e ver Nosso Senhor Jesus Cristo! 

Há momentos em que a graça produz este efeito. Então se compreende bem a jaculatória sublime: Sanguis Christi inebria-me! Quantas vezes vemos sinais dessa ebriedade casta e temperante do Sangue de Cristo? 
Os mártires na catacumba – Jules Eugène Lenepveu, 1855. Musée d´Orsay, Paris.

Natal: alegria cheia de asas, cheia de brilho 

A vida de um católico autêntico pode ser difícil, uma vida de batalha, uma vida de renúncia e de sacrifício. Não há quem seja mais isolado, mais bloqueado, mais odiado do que um verdadeiro católico contra-revolucionário neste mundo de neopaganismo. 

Entretanto, como estamos alegres! Como nos enche de alegria a perspectiva do Santo Natal! Acontecimento que desfechou na maior das tragédias da História: a Crucifixão. Para pessoas mundanas esta consideração poderia ser tachada de loucura. Entretanto, é a casta embriaguez do Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo! Porque recebemos a graça no Batismo, porque muitas vezes confessamos e comungamos, porque rezamos, porque nossas almas se tornaram sensíveis a estas alegrias de uma categoria inteiramente superior, perto das quais as alegrias da Terra não valem absolutamente nada. Natal! Todos nos preparamos para a alegria do Santo Natal. Que maravilha! 

Essa alegria tira o homem de dentro de si mesmo e difunde uma atmosfera. Alegria, por assim dizer, cheia de asas, cheia de brilho. 

Os mais jovens não alcançaram o que era verdadeiramente uma noite de Natal. Quais eram as impressões da noite do Natal de outrora? — Lembro-me dos tempos em que Natal ainda era Natal... Assim, não seria descabido descrever um pouquinho dessas recordações e tentar fazer reviver aquilo que, numa grande cidade de hoje, tão rica e tão pobre, quase não se percebe mais. 


Natal na “São Paulinho” dos anos 20 

Como era um Natal de 1920? Como era o Natal dos últimos anos da minha infância? Que impressões causavam? 

Alguns poderão dizer que se trata de imaginação a descrição que eu vou fazer. Responderia que não tenho nenhuma prova de que não seja imaginação, mas é do que me recordo. Tenho a convicção interna de que não era imaginação, mas era a graça. A graça que era concedida a mim, mas era dada a todas as crianças do tempo que eu conheci. Era uma graça generalizada! 

As crianças, alguns dias antes do Natal já se sentiam invadidas por uma expectativa, por uma alegria que era muito curiosa, porque vinha sem dúvida da esperança das festas que se realizariam. A perspectiva da festa, no que ela tinha de humano e de terreno, essa perspectiva desempenhava um papel na alegria da criança. 

A criança sabia que tinha pedido a São Nicolau — o santo bispo afável que vinha à noite, enquanto as crianças dormiam, e colocava caixas de presentes junto a elas — presentes grandes nos lares abastados; caixinhas de presentes, afetuosas e pequenas, nos lares modestos; talvez uma florzinha, talvez uma bala, nos lares pobres. Mas em todo lar onde houvesse uma mãe, havia presentes. Ou num lar onde houvesse um pai solícito, alguma coisinha havia para colocar junto à cama do filho. E para a criança isto era uma maravilha, que ela esperava com alguns dias de antecedência. 


Alegria sobrenatural da alma limpa 

Essa alegria que eu sentia invadia minha casa alguns dias antes do Natal. A fräulein Mathilde [governanta da família] fazia conosco um armistício nos estudos de matemática, de geografia e de línguas. Tínhamos assim dias agradáveis na perspectiva do nascimento do Menino-Deus. Podia-se então passear um pouco, correr pelo jardim, brincar. Eram alegrias próprias à inocência da infância, na espera do Natal que se aproximava. Esta alegria era motivada por alguma coisa mais alta e que já era um prenúncio da alegria estritamente religiosa e definidamente religiosa do Natal que chegava. Algo de especial começava a nos encher a alma. 

Nesses dias, todas as crianças ficavam melhores. As que mentiam, mentiam menos; as que não mentiam, censuravam alguma criança que mentisse; as que vagabundeavam ou que sofismavam, ou chicanavam com os horários da casa, eram mais pontuais. Todo o mundo começava a sentir mais limpeza dentro da alma. E a alegria de ter a alma limpa é uma alegria que não tem igual na vida. Esta é a alegria, por exemplo, de quem se confessa e de quem sai do confessionário com a certeza de que foi perdoado.

Há certas alegrias da confissão que não se comparam com nada. Todos os senhores, uma vez ou outra, sentiram isso. Foram se confessar, às vezes era um mero escrúpulo que estava atormentando a alma. A criança sai do confessionário alegre, sentindo-se feliz. É a alegria sobrenatural da alma limpa. Enquanto estou falando, vejo vários dos senhores que sorriem, porque se lembram disso e têm saudades desta “alegria de confessionário”.

Era um pouquinho assim a alegria de Natal nos dias que se antecipavam ao dia 25 de dezembro. Sem que se tivesse confessado, havia uma ideia de um princípio de pureza, de limpidez, de honestidade, de bondade, de candura descida sobre a Terra, que alterava as almas de todos os homens. As pessoas começavam a ser mais benévolas umas com as outras, fazendo pequenos favores recíprocos. As crianças egoístas emprestavam de bom grado os seus brinquedos, as crianças birrentas faziam pequenos favores. E imaginava-se que no mundo dos mais velhos isso era assim também. E havia razão para imaginar isso.

Os mais velhos sabiam que esse já não era o mundo deles, já não estávamos na época de esplendor da Religião católica, mas eles sabiam que esse era o mundo em que nós crianças estávamos, e quando se aproximavam de nós, aproximavam-se como que desejando ver nos nossos olhos a recordação do que foram os Natais deles. O que me levava a achar que eles estavam impregnados da mesma alegria natalícia, pois era só chegar perto que eles cumprimentavam: “Ó, como vai?” E mais amáveis, mais afáveis, e cedendo a pequenos caprichos de criança, etc. Imaginava então que eles estavam tomados pela mesma alegria de Natal. 


Participação na alegria geral na época de Natal 

Propaganda de brinquedos de Natal da “Casa Fuchs”
Nas vésperas do Natal, éramos levados para ver os brinquedos nas casas que tinham exposição das peças. Naquela época, lembro-me que, em geral, eram casas alemãs e inglesas. Havia em São Paulo a “Casa Fuchs”, a “Casa Grumlach”. Havia uma casa portuguesa — a “Casa Lebre” — e outras, como a “Casa Mappin”. Nesta última, minha mãe e a fräulein iam conosco. Como o Natal se aproximava, íamos com roupa de gala, todos enfeitados. E quando saíamos para ver os presentes, admirávamos este presente, aquele, aquele outro... Mamãe ficava prestando atenção e vendo o que cada um queria. E o presente preferido era, “por coincidência”, aquele que São Nicolau levava... Maravilhávamo-nos com a coincidência: “Veja como São Nicolau sabe de todas as coisas...” 


Prédio da antiga “Casa Mappin” na Praça do Patriarca
Para mim, sensível à gastronomia desde muito cedo, uma das partes culminantes da preparação do Natal era quando, depois do circuito para ver presentes, íamos tomar um lanche no salão de chá da “Casa Mappin”. Chá, sanduíches, torradas, chocolate... Eu me regalava! Tinha a impressão de que a alegria do meu corpo em contato com aqueles ventos que sopravam era meio parecida com a alegria de minha alma em contato com as graças do Natal que se aproximava. Eu pensava: “É bem verdade, o Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo está chegando. Daqui a pouco se comemorará que Ele nasceu numa manjedoura, nasceu da Virgem Maria, sob o olhar de São José. Oh, que beleza! Vamos depressa, pois Ele está para chegar!”

Esta alegria se percebia em todas as mães que levavam crianças de um lado para outro do centro da cidade. Em São Paulo, no centro andavam todas as crianças, alegres e satisfeitas. Algumas já levando presentes, dando risadas, conversando. As mães, quando passava uma criança mais vistosa, mais engraçada, piscavam para a mãe daquela como que a dizer: “Mas que engraçadinha, etc.” A mãe ficava toda satisfeita... Era uma participação da alegria geral. 


Os preparativos, a árvore de Natal e a “Missa do Galo” 

Voltava-se para casa e começavam os mistérios... Numa sala
determinada, não se podia entrar. Era a árvore de Natal que estava sendo preparada. Cada ano com alguma novidade. Eram os enfeites de Natal das árvores anteriores, mas com alguma novidade: alguns enfeites diferentes; uma estrela muito grande e muito bonita; um anjo de papel colado num círculo dourado; enfim, diversos enfeites para a árvore de Natal. Às vezes, de esguelha, ouvia-se alguma coisa a respeito da árvore e ia-se contar para os outros: “Olha tem tal novidade...” E assim corriam os dias até a chegar a noite de Natal, a “Missa do Galo”. 

Morávamos perto da igreja do Sagrado Coração de Jesus e íamos a pé para a Missa. Todas as casas estavam abertas, todas as luzes acesas, todas as janelas e portas também abertas. E quando caminhávamos, percebíamos — tanto em casas modestas como em casas apalaciadas — uma árvore de Natal maior ou menor, acesa, e no interior das residências algum gramofone tocando roufenhamente umas músicas de Natal. Percebíamos a alegria da família: todos estavam acabando de se aprontar para sair, ficava apenas um criado ou outro tomando conta da casa. As famílias começavam a sair e os sinos a tocar, avisando que não tardaria muito o início da Missa. 

Chegava-se à igreja e estava iluminada — para a ótica da criança, iluminada feericamente. O altar todo cheio de flores, uma manjedoura e o Menino Jesus deitado. E quando batia a meia-noite, o padre entrava e começava a Missa. Era um recolhimento impressionante! Uma espécie de contradição: um recolhimento e uma explosão ao mesmo tempo. Uma explosão de recolhimento, um recolhimento explosivo, algo nesse sentido, que enchia literalmente a alma de alegria. 


Assistia-se à Missa e, quando já se tinha idade, comungava-se. A comunhão era o ápice. Recolhimento, a ideia de que Nosso Senhor Jesus Cristo tinha nascido em Belém numa noite daquelas e estava agora realmente presente em nós. Faziam-se os pedidos... Mas, sobretudo, uma sensação de intimidade. Eu tinha uma estampa do Sagrado Coração de Jesus que representava Nosso Senhor segurando um menino de cabelos pretos cacheados, e embaixo havia uma oração mais ou menos assim: “Ó Bom Jesus, tende piedade de mim!” Eu rezava pensando: “Espiritualmente, Nosso Senhor está fazendo isto comigo nesta hora. Eu peço a Ele: ‘Ó bom Jesus, tende piedade de mim!’”.



“Será que São Nicolau acertou?” 

Tinha-se a impressão de que, celebrada a Missa, as graças de Natal se difundiam por todas as casas. E quando se retornava, elas já não eram bem as mesmas. Havia algo de religioso nelas, algo de sacral, de recolhido, que era uma verdadeira maravilha! Mas ao mesmo tempo uma enorme alegria! Começavam os cumprimentos, os ósculos, as felicitações, etc.

Nem preciso falar dos carinhos e felicitações que recebia de minha mãe... Eu já chegava em casa contando com isso, que era um complemento da noite de Natal: a mãe católica osculando um filho que ela desejaria que ficasse católico também. Depois começava a festa de Natal, que terminava já com o sono pesado, mas sono delicioso. Como se sabia que São Nicolau viria durante a noite entregar o presente, tínhamos vontade de surpreendê-lo... Como ele era muito hábil, isto nunca acontecia. Mas tínhamos esperança. E quando chegavam mais ou menos as quatro horas da manhã, sentia-se às vezes sobre os pés o peso da caixa de presentes. 

E pensávamos: “Será que São Nicolau acertou?” Eu não podia
acender a luz do meu abat-jour para ver porque meus pais, que dormiam no quarto contíguo, notariam e me censurariam. Mas também pensava: “Como é gostoso sentir nos pés o peso desse presente grande”. E avaliava o valor e o prazer que o presente iria causar. Pouco depois o sono infantil dominava e a criança dormia. Mas mais tarde, a sofreguidão de acordar fazia com que a criança acordasse de novo e pensasse no presente. 

Um pouco antes de a criada chegar, para acordar com o café, eu já estava de pé, estraçalhando as fitas, os laços, os barbantes... Se fosse possível, arrebentando a caixa para ver o presente que estava dentro, que era sempre muito bonito e que tinha visto e gostado na “Casa Lebre”, na “Casa Grumbach” ou na “Casa Fuchs”... 


Um exército de soldadinhos de chumbo

Lembro-me de um dos presentes de Natal que recebi: uma caixa grande de soldadinhos de chumbo. Eram soldadinhos franceses, entre estes os meus bem-amados Dragões de Cavalaria, um dos quais tocando trompete. Havia outras tropas e canhões. Era a miniatura de um pequeno exército. Não estávamos ainda longe da Primeira Guerra Mundial e tudo isto para mim dizia muito. Falava-se de guerra e fui em toda minha vida muitíssimo militarista. Sempre tive entusiasmo pela condição militar. Assim, eu puxava aqueles soldadinhos para fora da caixa e ia constituindo paradas militares, ficava horas dispondo tropas e sonhando com batalhas. Foi um presente de Natal! 

O sono da noite de 25 para 26 era um sono pesado, gostoso, da consciência tranquila, do Natal sagrado, sob cujo bafejo se dormia, sabendo que no dia seguinte ainda seria de recordação do Natal. Ainda iríamos comer os últimos doces, beber os últimos ponches, brincar mais uma vez com os brinquedos até nos familiarizarmos com eles. 


Recordação... esperança... certeza... 

No meu tempo de menino, a noite de Natal era um hiato luminoso, cheio de algo que não se consegue descrever, mas que todos sentiam: era aquela suavidade, aquela paz, aquela doçura que dava a impressão de que todo o céu estrelado da noite estava como que impregnando a Terra de perfumes. Os sinos tocavam, o som se espalhava e o júbilo impregnava até os jardins. Era uma alegria enorme que circundava todos os homens, porque Cristo nasceu, nasceu em Belém! 

Creio que alguns dos mais velhos devem ter sentido essa atmosfera natalina. Receio que os mais jovens não tanto. Nos tempos atuais, as televisões ligadas o dia inteiro, rádios vociferando canções de Natal comercializadas, essas lâmpadas elétricas laicas penduradas em torno de árvores, em jardins de prédios de apartamentos... Nas igrejas, a missa não é mais tradicional, com toda a tristeza da realidade pós-conciliar. 

O que resta de todo o ambiente do Natal de outrora? Resta uma recordação. Resta muito mais do que uma recordação, resta uma esperança! E foi para avivar esta esperança que eu teci essas considerações. Resta mais do que uma esperança, resta uma certeza! Esta certeza é ligada a uma promessa divina: “As portas do Inferno não prevalecerão contra a Igreja!” 

Assim, um dia, depois de provações, de lutas, acontecerá que os verdadeiros Natais reflorescerão na Terra. A alegria do Santo Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo. 

Aquelas antigas noites de Natal eram ainda os últimos luzimentos da Cristandade. Nós olhamos para o futuro e esperamos ver, ou do Céu ou na Terra, os natais que florescerão no Reino de Maria — conforme anunciado por São Luís Grignion de Montfort e na Cova da Iria, em Fátima. São promessas tão celestes e tão confortadoras: “Por fim o meu Imaculado Coração triunfará”. Quando o Imaculado Coração de Maria triunfar, que glória, que doçura, que harmonia, que suavidade indescritível e única terão as festas do Santo Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo!

As comemorações natalícias da Sagrada Família 

Encerro imaginando como seria o Natal na Sagrada Família. É possível que, nas noites de Natal, Nossa Senhora e São José celebrassem o aniversário do Menino Jesus. O dia é tão grandioso que, quando Nosso Senhor nasceu, os anjos cantaram: “Glória a Deus no mais alto dos Céus e paz na Terra aos homens de boa vontade!” É impossível que Nossa Senhora e São José não festejassem esse tão grande dia. 

Podemos imaginar, por exemplo, Nosso Senhor com apenas dois anos deitado na sua caminha, e Nossa Senhora e São José aproximando-se à meia-noite e adorando-O no silêncio, com receio de acordá-Lo. Em certo momento, Ele acorda, abre os olhos... Que olhar! Em forma de cruz, Ele abre os braços para ambos, que se aproximam e Lhe osculam os pés. O Menino Jesus os abraça e os beija. Era o Natal na casa de Nazaré, a qual se encontra hoje na cidade italiana de Loreto. 

Pode-se imaginar que à medida em que Nosso Senhor Jesus Cristo crescia em graça e santidade diante de Deus e dos homens, o Natal ia ficando mais belo. Imagine Ele adolescente, depois Ele já maduro, irradiando aquela perfeição cada vez mais sensível aos homens e que deixava Nossa Senhora e São José cada vez mais encantados. 

Como seriam essas comemorações? Os anjos não cantariam? Não se ouviriam coisas extraordinárias naquela santa casa? Todas as conjecturas são possíveis, cada uma delas mais bela do que a outra. 

Pode-se imaginar o primeiro Natal depois da Ascensão de Nosso Senhor ao Céu? Na Igreja ainda pequenina e nova, que nascia como uma plantinha, cada ano que passava o Natal se tornava mais belo, mais sagrado, mais recolhido, introduzia-se mais uma cerimônia, mais um ritual, firmava-se uma tradição...

28 de dezembro de 2014

O ANIVERSARIANTE E O PALHAÇO GORDUCHO

Jacinto Flecha
Fonte: Revista Catolicismo, Nº 768, Dezembro/2014

Meu amigo americano olhou-me um tanto desconcertado, parou um pouco para pensar, e esclareceu: Os sinos festivos do Jingle bells acompanham a música e lhe dão o ritmo, lembrando os guizos do animal que puxa o trenó; e a época do Natal é muito boa para se passear de trenó na neve. Resumida assim a explicação, ele me fez saber que estranhara a minha pergunta, pois sempre julgou isso muito natural. 

É possível que algum leitor conheça apenas a versão brasileira do Jingle bells, impregnada de referências natalinas a sino de Belém, Deus menino, rezar na capela, noite bela, etc. Por isso, antes de alguém estranhar minha estranheza, responsável pela do meu amigo americano, informo que a letra original do Jingle bells não contém nenhuma referência ao Natal, gira apenas em torno de um alegre passeio de trenó pelos campos, que poderia realizar-se em qualquer período nevado do ano.

Bem distantes desses costumes, os brasileiros não compreenderiam a maioria das referências psico-atmosféricas presentes na música, daí um letrista vincular diretamente ao Natal a versão brasileira. Acho louvável a iniciativa, embora não me agrade o aspecto alegrote, bem pra lá do limite entre o leve e o leviano. A lentidão pensativa e respeitosa do Noite feliz, muito mais adequada para reverenciar a presença augustíssima de Deus entre os homens, não dispensa no entanto a alegria. Na música natalina alemã, a alegria atinge a alma em toda a sua profundidade, não é apenas epidérmica como a saltitante e sorridente musiqueta americana. 

Associar o Natal à neve é um costume proveniente dos países cristãos onde a neve cobre a natureza nessa época do ano. No Brasil, ela quase só existe no dicionário e na poesia, muito lembrada onde entram anciãos com cabelos marcados pela neve do tempo, ou para realçar o branco como a neve de alguma coisa. Em relação ao Natal, quase nada significa para nós, embora presente em cartões de Natal mais adequados ao Polo Norte ou à Lapônia. Parecem de brinquedo as casinhas quase sucumbindo às grossas coberturas brancas, as renas e trenós movimentando-se suavemente, os sinos bimbalhando em torres de capelinhas iluminadas… e o onipresente Papai Noel (ho! ho! ho!) — o sorridente, prestativo e vermelhão Papai Noel. 

(Será que ele acredita mesmo em Papai Noel?!) 

Sem dúvida nenhuma, caro leitor. Aproximando-se o Natal, basta ligar a TV, entrar num shopping, abrir uma revista ou jornal, surfar na internet, e lá está ele com seu sorriso elástico de velhote velhaco, sempre pronto a brincar com uma criança, indagar qual presente ela quer receber dos pais, e assim avalizar diante do comprador o que o comerciante precisa vender. Como duvidar de velhinho tão real e agradável, tão amigo das crianças e do cartão de crédito dos pais? 

Entendeu por que não posso deixar de acreditar em Papai Noel? Constato sua existência pelo que vejo, só isso. Mas quando a pergunta é se ele deveria existir, não vacilo numa resposta clara e definidamente negativa. Sou até propenso a supor você e eu em extremos opostos sobre este assunto. Como a maioria das pessoas, você pode achar o Papai Noel engraçado (todo palhaço tem de ser engraçado); tem uma roupa bonita, atraente (ridícula de ponta a ponta, das botas ao gorro de dormir); tem uma risada diferente (muito útil, se você quiser amestrar animais); resolve o problema dos pais na escolha dos presentes (espero que você saiba conversar com seus filhos). 

Se você perguntar aos seus amigos de onde surgiu o costume
Adoração – Mestre de Viena, 1410.
Szépmüvézeti Müzeum, Budapeste (Hungria).
natalino de dar presentes aos filhos, provavelmente muitos não o relacionarão com os presentes dos Reis Magos ao Menino Jesus. Na perspectiva da Boa Nova evangélica, os presentes aos filhos adquirem significado profundo, elevado, colocando-os na esfera do sobrenatural e divino. Dando ao filho um presente, homenageamos na pessoa dele o Menino Jesus, recém-nascido vinte séculos atrás, quando recebia presentes régios. Os presentes natalinos tomam assim o caráter de homenagem ao aniversariante


Será que a pantomima do Papai Noel remete as crianças a esse nível de cogitações? Não quero imaginar da sua parte uma resposta afirmativa. 

Desde o aparecimento do Papai Noel no fim do século XIX, ele não passa de um artifício propagandístico, comercial. Foi criado para vender Coca-cola, mas depois o instrumentalizaram para vender outras coisas. Funciona bem para essa finalidade. Mas ele faz só isso? Será só esta a sua função? Será só este o objetivo, ao popularizar esse personagem ridículo e interesseiro? Você já notou como o aniversariante ficou esquecido, marginalizado, depois que o Papai Noel ajudou a comercializar o Natal? 

O Menino inocente de Belém atraiu inimigos desde o nascimento, forçando-O a um exílio no Egito para não ser degolado. Você acha que hoje Ele não tem inimigos? Pelo contrário, os inimigos nunca foram tão numerosos, e agem empenhadamente na tarefa de fazê-Lo desaparecer da vida das crianças, de todos. Como? Deslocando a atenção para um palhaço gorducho, como se o aniversariante não existisse. 

Caro leitor, cante a nossa versão do Jingle bells, mas prefira o Noite feliz. Dê presente aos filhos no Natal, mas ensine-os a homenagear o aniversariante, a venerar quem fez muito mais por nós do que todos os gorduchos vermelhos. E assim você também terá um Natal feliz, tornando felizes os seus filhos e o aniversariante.

23 de dezembro de 2014

O Menino Jesus foi expulso da Prefeitura de São Paulo — gestão PT, é claro!


“E deu à luz seu Filho primogênito, e, envolvendo-o em faixas, reclinou-o num presépio; porque não havia lugar para eles na hospedaria”. (Lc 2, 6-7). 


Paulo Roberto Campos
prccampos@terra.com.br


Nos últimos anos, na época do Natal, era montado um Presépio bem em frente à Prefeitura da cidade de São Paulo (estabelecida no edifício Matarazzo, junto ao famoso Viaduto do Chá). 


Não um Presépio rico, artisticamente falando, mas um grande Presépio, com as imagens de Jesus, Maria e José, de Anjos, dos três Reis Magos, dos pastores com suas ovelhas, sem faltar do burrinho e da vaquinha aquecendo a manjedoura. Como este cenário [imagens ao lado e abaixo], fotografado em dezembro de 2012.

Em vários anos, lembro-me de ter passado por aquela parte central da capital paulista e parado frente ao Presépio, onde rezava e gostava de ficar observando as reações dos transeuntes. Indescritível era a alegria que se notava nas fisionomias. Muitos vinham acabrunhados, apressados, aflitos; paravam um pouquinho, e saíam visivelmente aliviados, partiam em paz. Sobretudo indescritível era a alegria das crianças. Eu tinha a impressão de que elas se sentiam tonificadas em sua inocência. 

No período do Natal do ano passado, conversando com uma
senhora, que tinha parado perto de mim para também venerar o Presépio, ela contou um episódio que não me esquecerei nunca: Sua vizinha tinha visitado o Santo Presépio com seus dois filhos pequenos, que manifestaram um contentamento indizível e tiraram fotos junto às imagens. No dia seguinte ao Natal, o menor deles disse: “Mãe, eu ganhei cinco presentes. Vamos visitar de novo o Menino Jesus? Eu quero dar um presente para ele”. Comovida, a mãe abraçou e beijou seu pequenino, e, mais tarde, levou-o para visitar o Presépio; só que desta vez numa Igreja para que lá pudessem depositar junto à Gruta de Belém dois presentinhos — um desse seu filho menor e outro de seu irmão, dois anos mais velho, que também manifestou desejo de imitar o nobre gesto: presentear o Divino Infante. 

Esse é apenas um episódio que testemunhei, mas quantos e quantos outros fatos análogos não se passaram naquele lugar onde diariamente transitam mais ou menos 1 milhão de pessoas? 


Lamentavelmente, fatos maravilhosos como esse não ocorrem neste Natal de 2014. O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, que pertence ao famigerado PT, no exato lugar do Presépio mandou colocar essa ridícula cena retratada pela foto à esquerda, que tirei neste dia 22 de dezembro de 2014 — quando tive que ir ao centro da cidade para algumas compras.

Fiquei surpreso e indignado vendo este gigantesco monumento ao ridículo e ao comércio justamente naquele lugar onde esperava reencontrar o tradicional Presépio dos anos anteriores! Uma grave ofensa praticada contra a Sagrada Família!

Vendo aquilo, pensei: “No Natal, época própria para homenagear o Divino Aniversariante, na Prefeitura Municipal comemora-se o aniversário, expulsando o aniversariante! Um ato de ‘Cristianofóbia’! Um ato que fanaticamente revela a aversão a Cristo e ao Cristianismo! Os responsáveis na Prefeitura por essa expulsão do Menino Jesus terão que prestar severas contas a Deus!” 
*       *       *
Apenas para rememorar o que todos sabem: a Sagrada Escritura narra que, nas vésperas do nascimento do Menino Jesus, houve um decreto do Imperador César Augusto, ordenando um recenseamento. Assim, todos os habitantes tinham que ir às suas cidades de origem para se registrarem. Então São José e Maria Santíssima partiram de Nazaré para a cidade de Belém, porque eles pertenciam à dinastia do Rei David, para se alistarem. Chegando a Belém — que estava abarrotada de pessoas que ali chegaram também em obediência ao decreto de César — São José bateu em várias portas pedindo abrigo, mas nenhuma se abriu para recebê-los... Foram então à hospedaria, onde ficavam as caravanas, mas não encontraram lugar... 

Indo de um lado para outro à procura de pousada, São José
avistou uma gruta. Ele e a Santíssima Virgem entraram e viram que era um lugar transformado em estábulo, onde pastores abrigavam rebanhos. Ali se passou o maior acontecimento da História da Humanidade: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Ali o Salvador do Mundo, o Rei do Universo nasceu de uma Virgem; ali cantaram os Anjos: “Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade” (Lc 2, 14). 
“Estando eles ali, completaram-se os dias dela. E deu à luz seu Filho primogênito, e, envolvendo-o em faixas, reclinou-o num presépio; porque não havia lugar para eles na hospedaria”. (Lc 2, 6-7). 
Neste ano, em frente à Prefeitura de São Paulo administrada pelo PT, repetiu-se a recusa à Sagrada Família. O Divino Menino Jesus não teve acolhida; Ele foi expulso e em seu lugar colocaram um gigantesco e horrendo “Papai Noel” com sua bicicleta! No fundo, o que o senhor prefeito disse para a Sagrada Família foi: “Vá mendigar algum lugar fora de São Paulo, aqui não tem lugar para vocês”

Mergulhados que estamos neste caos desta grande cidade, mais do que nunca temos necessidade de ouvir o cântico dos Anjos naquela noite bendita entre todas as noites “Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade”. A paz que tanto necessitamos é a verdadeira paz que Aquele Divino Menino veio trazer a todos os homens de boa vontade. Mas podemos constatar que nem todos os homens são de boa vontade... 

Não reclame, senhor prefeito, e todos os que participaram dessa expulsão, quando desejarem bater às portas do Céu e elas permanecerem fechadas..., quando suplicarem alguma graça e não forem atendidos... 


E de nossa parte? Vamos também celebrar o Natal fazendo festa para o gordo Papai Noel? Vamos convidar nossos parentes e amigos, mas fechando as portas de nossas casas (e de nossas almas) para que o Aniversariante não entre? Vamos nos lembrar de todos e nos esquecermos do Aniversariante? Vamos presentear todo mundo, mas não vamos presentear o Divino Aniversariante, que deseja apenas morar em nossos corações? 

Rezemos em reparação à Sagrada Família por essa grave ofensa cometida pela administração municipal. Mas também podemos reparar tal ofensa fazendo o contrário do ato “Cristianofóbico”: vamos celebrar com autenticidade o Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo; montando todos os anos em nossos lares o Santo Presépio; esforçando-nos para manter viva essa encantadora tradição e “expulsando” este costume neopagão, tido como “politicamente correto”, de exaltar a figura caricaturesca e mercantilista de um rechonchudo Papai Noel. 

Assim, poderemos atrair de volta as bênçãos e graças e as luzes sobrenaturais do Natal para nós e nossas famílias, para as nossas cidades e para o Brasil verdadeiramente Cristão, devoto de Jesus, Maria e José.

21 de dezembro de 2014

Código Penal tem votação adiada e texto alterado – Vitória parcial


Edson Carlos de Oliveira
Do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira

Na quarta-feira última, 17 de dezembro, foi adiada a votação do anteprojeto de lei do novo código penal.
Diversas associações e iniciativas particulares obtiveram essa vitória pressionando o Senado com ligações telefônicas e enviando milhares de ­e-mails ao relator, senador Vital do Rêgo.
Convém ter presente que o relator do Código Penal foi obrigado a voltar atrás na questão do aborto.
1) Tirou a questão de aborto por causa de saúde da mulher – que na prática seria a legalização total dessa prática – e manteve a redação da legislação atual, acrescentando a questão da não penalização do aborto de bebês anencéfalos e congêneres, como forma de legitimar a decisão do STF.
2) Também deixou de isentar de crime o aborto feito nessas condições, mantendo, como no código atual, a isenção de pena.
3) Também a difusão ou propaganda de drogas abortivas foi criminalizada. Foi, porém, incluída a ressalva “indevidas”, porque, segundo o relator, “inserimos o termo ‘indevidamente’ para admitir a divulgação de avanços da medicina relacionados ao tema, visto que há hipóteses de aborto que não configuram crime, sendo certo que a gestante, em circunstâncias que tais, merece o atendimento médico com a melhor técnica existente, autorizada pelo Conselho Federal de Medicina.
4) Eis como está no projeto atualizado o art. 127 em questão:
Disposições gerais aplicáveis ao aborto
Art. 127. Não se pune o aborto praticado por médico:
I – se não houver outro modo de salvar a vida da gestante;
II – se a gravidez resulta de estupro; ou
III – se comprovada a anencefalia ou se o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida extra-uterina, em ambos os casos atestado por dois médicos.
§ 1º Ressalvada a hipótese do inciso I, o aborto deve ser precedido do consentimento da gestante, ou, sendo esta absolutamente incapaz ou estando impossibilitada de consentir, de seu representante legal, do cônjuge ou de seu companheiro.
§ 2º Se gestante é relativamente incapaz, a coleta do consentimento será precedida de avaliação técnica interdisciplinar, observados os princípios constantes da legislação especial, bem como sua maturidade, estágio de desenvolvimento e capacidade de compreensão, devendo ser prestada toda assistência psicológica e social que se fizer necessária à superação de possíveis traumas decorrentes da medida.
§ 3º A difusão ou propaganda indevidas de procedimento, substância ou objeto destinado a provocar o aborto é punível com pena de prisão, de seis meses a um ano.
Como o leitor pode ver, o texto pode ser alterado de uma hora para outra, portanto, necessitamos ficar atentos e pressionar para que, se houver mudanças, seja para proteger e garantir o direito à vida do nascituro desde a fecundação.

16 de dezembro de 2014

MENSAGEM URGENTE

Acabo de receber por e-mail o texto abaixo, de autoria do Padre Lodi, presidente do movimento Pró-Vida de Anápolis, e repasso aos Amigos, rogando atender com a máxima urgência possível a seguinte tomada de atitude: 




Disque Alô Senado contra ABORTO no Código Penal


O Projeto de Reforma do Código Penal (PLS 236/2012), depois de ter passado pela Comissão Especial, poderá ser votado hoje (ou amanhã) pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal.

O problema é que o relator da CCJ, Senador Vital do Rego, modificou o texto do relator da Comissão Especial, Senador Pedro Taques, fazendo o aborto deixar de ser crime ("Não há crime" em vez de "Não se pune") em várias situações, inclusive se houver risco à saúde (não apenas risco à vida) da gestante. 

Na prática, o aborto deixa de ser crime em qualquer situação, já que toda mulher que não está satisfeita com a própria gravidez pode alegar que sua insatisfação é um problema "de saúde" (psíquica ou emocional). Tal interpretação é largamente usada nos Estados Unidos para legitimar o aborto em caso de risco "de saúde".

O substitutivo de Vital do Rego tem ainda muitas outras modificações, que os senadores não serão capazes de perceber até amanhã, uma vez que o texto é enorme e só foi apresentado na última quarta-feira, dia 10.

O que você pode fazer? 

Disque gratuitamente para o Alô Senado 0800 61 22 11 e deixe uma mensagem aos membros da Comissão de Constituição e Justiça. 
"Solicito a Vossa Excelência que amplie o prazo para apresentação de emendas ao PLS 236/2012. Um projeto que pretende descriminalizar o aborto por simples alegação de risco à saúde da gestante não pode ser votado com tal açodamento".

Assine também a seguinte petição:
Passe esta mensagem adiante.

Permaneçamos em oração. 
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz 
"Coração Imaculado de Maria, livrai-nos da maldição do aborto!" 


10 de dezembro de 2014

Um Sínodo “extraordinário” sob todos os pontos de vista

A respeito do tristemente famoso “Sínodo da Família”, já publicamos alguns posts neste espaço, que é destinado especialmente a debater questões relacionadas à instituição familiar. Tal Sínodo dos Bispos transcorreu-se em outubro passado, mas hoje retorno a esse evento — cujo documento final foi estigmatizado como “inaceitável” pelo Cardeal polonês Stanislaw Gadecki —, pois a revista Catolicismo deste mês publicou uma matéria (segue abaixo) muito importante a respeito, que certamente é do interesse de nossos leitores que desejam um estudo mais aprofundado do tema.


Um Sínodo “extraordinário” sob todos os pontos de vista



José Antonio Ureta 
Revista Catolicismo, Nº 768 (Dezembro/2014) 


Menos de um mês após a realização da JMJ (Jornada Mundial da Juventude) no Rio de Janeiro, em julho de 2013, o Papa Francisco comunicou ao Secretário do Sínodo dos Bispos, Dom Renato Baldisseri, antigo Núncio no Brasil, sua determinação de convocar uma 3ª Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos. 

Com efeito, os Sínodos ordinários são realizados em Roma a cada quatro anos, o próximo devendo acontecer em 2015. Mas o Papa pode convocar uma assembleia geral extraordinária a qualquer tempo, aproveitando-se para isso de circunstâncias ou datas de grande relevo. Por exemplo, o anterior Sínodo Extraordinário ocorreu em 1985, para analisar o estado da Igreja Católica vinte anos após o encerramento do Concílio Vaticano II. 

Fruto dessa decisão de Francisco I, tomada logo após o retorno do Brasil, em 8 de outubro, foi anunciada a convocação da referida 3ª Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos. Esta deveria tratar dos “desafios pastorais da família no contexto da evangelização”, tema que voltará a ser tratado no Sínodo Ordinário de 2015 a respeito de “Família e pessoa humana”

A escolha do tema causou certa surpresa, pois em 1981 já houvera um Sínodo sobre a família, que teve como fruto a Exortação Apostólica Familiaris Consortio “sobre a função da família cristã no mundo de hoje”, documento magisterial que guia há 30 anos a pastoral familiar da Igreja no mundo inteiro. Desde então, nada de substancial parecia ter mudado, nem na crise da família, nem na resposta pastoral da Igreja.

Também surpreendeu essa sequência de dois Sínodos, um Extraordinário e um Ordinário, a respeito do mesmo tema. A aparente explicação só veio recentemente e também é ligada ao Brasil: segundo o vaticanista Luigi Accatoli, no seu encontro com os bispos brasileiros no Rio de Janeiro, o Papa Francisco teria ficado impressionado com o método usado pela CNBB (Conferência dos Bispos do Brasil) para adotar o novo programa de reforma das paróquias. Após uma consulta interna, a assembleia episcopal brasileira teria redigido um esquema provisório, enviado posteriormente para consulta às bases nas diferentes dioceses, cujas orientações seriam recolhidas no documento definitivo (publicado depois sob o título “Comunidade de comunidades: uma nova paróquia. A conversão pastoral da paróquia”). Esse método de trabalho em dois tempos teria inspirado, segundo Accatoli, a decisão do Papa Francisco de convocar dois sínodos sucessivos e separados apenas por um ano, com o fim de assegurar uma ampla consulta às bases. 


De fato, na carta que o Cardeal Baldisseri [foto à esquerda] enviou aos presidentes das Conferências episcopais no dia 18 de outubro de 2013, anunciando a convocação do Sínodo Extraordinário, ele recomendava uma ampla distribuição nas paróquias de um questionário contendo 38 perguntas a respeito das “novas problemáticas” em torno da família, como a difusão dos casais “de fato”, as famílias monoparentais, a difusão do fenômeno do “aluguel de úteros”, etc. Dois temas abordados no questionário abriram caminho para um grande debate: as uniões entre pessoas do mesmo sexo e o tratamento pastoral — especialmente o acesso à comunhão eucarística — dos casais divorciados em segunda união. 

Mudança da prática pastoral e do ensinamento da Igreja em matéria sexual?! 

O documento introdutório das perguntas acenava, efetivamente, para uma mudança de atitude da Igreja, em nome do “vasto acolhimento que tem, nos nossos dias, o ensinamento sobre a misericórdia divina e sobre a ternura em relação às pessoas feridas, nas periferias geográficas e existenciais”. Tanto mais quanto o próprio Papa Francisco, no voo de retorno do Brasil, havia dado a entender que uma mudança da posição tradicional da Igreja nos dois temas mais controvertidos não devia ser excluída. 

Quanto aos homossexuais, sua conhecida resposta de que se eles procuram a Deus e têm boa vontade “quem sou eu para julgá-los?” — a qual passará provavelmente para a História como o resumo do seu pontificado —, já tinha influenciado parlamentares católicos a que votassem em favor de leis aprovando o casamento de pessoas do mesmo sexo. Entrevia-se a mesma abertura a partir de outra resposta aos jornalistas, no mesmo avião de retorno do Rio de Janeiro. Perguntado se existe a possibilidade de mudar alguma coisa na disciplina da Igreja a respeito do acesso aos sacramentos por parte dos divorciados, ele afirmou: “Um parêntese: os ortodoxos têm uma praxis diferente. Eles seguem a teologia da economia, como eles a chamam, e dão uma segunda chance, permitem-na. Mas acredito que esse problema — fecho o parêntese — deve ser estudado no marco da pastoral matrimonial.”

A nomeação como secretário especial do Sínodo Extraordinário do bispo e teólogo Dom Bruno Forte, expoente de uma linha teológica e pastoral aberta, veio aumentar ainda mais a expectativa de uma eventual mudança do ensinamento da Igreja em matéria sexual. Expectativa que se acentuou ainda mais após a imprensa transcrever declarações de uma mulher argentina e de seu companheiro divorciado, segundo as quais o Papa Francisco teria telefonado a ela, e que no curso da conversação a autorizou receber a comunhão, apenas tomando o cuidado de não fazê-lo na própria paróquia para não criar conflito com o vigário. A sala de imprensa do Vaticano não desmentiu essa versão dos fatos, limitando-se a declarar que tais conversações deveriam ser entendidas no contexto das relações pastorais pessoais do Papa, e não como um evento que acarreta “consequências em relação aos ensinamentos da Igreja”


Indissolubilidade do matrimônio e a proibição da comunhão aos pecadores públicos 

Essas intervenções do mais alto vértice do Vaticano ensejaram que as “bases” — ou seja, as conferências episcopais e os movimentos de leigos de orientação progressista — respondessem ao questionário Baldisseri exigindo não somente uma mudança pastoral, mas até mesmo doutrinária da Igreja em relação à homossexualidade e à indissolubilidade matrimonial. 

Com efeito, o então presidente da Conferência episcopal alemã, Dom Robert Zollitsch, arcebispo de Friburgo, chegou a publicar um documento oficial encorajando os divorciados recasados a aproximar-se sem escrúpulo da mesa da comunhão, com base numa simples “decisão de consciência”. 

Em resposta a essa iniciativa escandalosa, o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o cardeal alemão Gerhard L. Müller, em longo artigo publicado pelo “Osservatore Romano” em 23 de outubro de 2013, viu-se forçado a reafirmar a indissolubilidade do matrimônio e proibição da comunhão aos pecadores públicos, artigo no qual, de passagem, condenava a “teologia da economia” praticada pelos cismáticos ortodoxos. 

Mas a intervenção do cardeal Müller viu-se obnubilada por declarações de dois cardeais muito chegados ao Papa Francisco e membros do G8 — grupo de oito cardeais que assistem o Pontífice na reforma da Cúria. De um lado, o cardeal Reinhardt Marx, arcebispo de Munique, declarou que dito artigo não podia “fechar a discussão” e, de outro, o cardeal Oscar Rodríguez Maradiaga, arcebispo de Tegucigalpa, afirmou que “Müller é um professor de teologia alemão, na sua mentalidade só há o verdadeiro e o falso. Mas, meu irmão, o mundo não é assim, você devia ser um pouco flexível”. 

Três propostas explosivas 

No meio desse debate, e aproveitando que, por ocasião do último consistório para a criação de novos cardeais, o corpo cardinalício se encontrava em peso em Roma, o Papa Francisco pediu-lhes que debatessem sobre a família com base em um relatório introdutório por ele confiado ao cardeal Walter Kasper, que já em fins do século passado havia se posicionado a favor da superação da proibição da comunhão aos divorciados recasados. 

A proximidade do Papa Francisco com o cardeal Kasper tinha ficado manifesta por ocasião do primeiro Angelus do atual pontificado, quando o Pontífice disse que estava lendo um livro deste último sobre a misericórdia de Deus, no qual ele se revelava um “teólogo de mão cheia”. 

O cardeal Kasper, no seu relatório de duas horas apresentado a portas fechadas no Consistório de cardeais, desenvolveu a tese de que a Igreja deveria operar uma “mudança de paradigma” em relação à comunhão aos divorciados recasados, considerando a situação a partir da perspectiva de quem sofre e pede ajuda. E fez três propostas explosivas:
• Que, nos casos daqueles que em consciência estão convencidos de que seu precedente casamento foi irremediavelmente desfeito e nunca teve validade, em lugar de confiar a avaliação de sua eventual nulidade aos Tribunais Eclesiásticos, o bispo a confiasse a um sacerdote com experiência espiritual e pastoral;  
• Que, nos casos de divorciados recasados que têm obrigações com filhos nascidos de uma segunda união, lhes fosse aberto o acesso à mesa da comunhão eucarística, uma vez que, segundo Bento XVI, eles podem receber a comunhão espiritual (a forma de comunhão daqueles que estão impedidos de recebê-la por razões materiais: distância, reclusão, etc.). “Quem recebe a comunhão espiritual é uma só coisa com Jesus Cristo. [...] Por que, então, não pode receber também a comunhão sacramental?” – alegou o cardeal.  
• Que na Igreja primitiva teria existido um direito consuetudinário segundo o qual os cristãos que viviam uma segunda união tinham a sua disposição — embora o primeiro cônjuge estivesse vivo e após um tempo de penitência — não um segundo casamento, mas uma tábua de salvação pela participação na comunhão. Enquanto a Igreja latina teria abandonado esse costume, as Igrejas ortodoxas o conservaram, conforme o princípio para eles válido da oikonomia
Note-se que o cardeal Kasper não exprimiu uma única palavra de condenação ao divórcio, nem sobre as desastrosas consequências deste para a sociedade; tampouco mencionou o grave dever da pessoa que se encontra em pecado mortal de rezar para obter a graça de sair dele (o que não se confunde com a comunhão espiritual, reservada, segundo muitos teólogos, a quem está em estado de graça). Aliás, a proposta do cardeal envolve um paradoxo: ao invés de se arrepender da situação de pecado em que se encontra, o divorciado recasado deveria se arrepender de seu primeiro e autêntico casamento!

Além disso, se a Igreja admitisse a legitimidade de uma convivência pós-matrimonial estável (segunda união), não se vê por que não deveria permitir também as convivências pré-matrimoniais estáveis e sinceras. Finalmente, sua tese de que a Igreja primitiva admitia à comunhão os divorciados recasados foi demolida nas semanas seguintes por renomeados historiadores, os quais demonstraram que aquilo que os concílios tinham aprovado era a comunhão dos viúvos — e não dos divorciados — que se voltavam a casar.


A resistência de purpurados, historiadores, teólogos, canonistas e moralistas 

Naturalmente, a palestra do cardeal Kasper [foto à esquerda] encontrou a oposição de vários cardeais, que na mesma manhã daquele dia se exprimiram num debate sereno e fraterno. Na parte da tarde, o Papa Francisco permitiu que apenas o cardeal Kasper fizesse uso da palavra, para replicar as críticas que recebera de manhã. Ao noticiar o desenvolvimento do Consistório, o Pe. Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, apresentou o relatório Kasper como estando “em grande sintonia” com o pensamento do Papa Francisco. 

Confirmou-o no dia seguinte o próprio Pontífice, que na conclusão do Consistório assim se exprimiu: “Ontem, antes de dormir, mas para não dormir, li — reli — o trabalho do cardeal Kasper e queria agradecer-lhe porque li uma teologia profunda, também um pensamento sereno na teologia. [...] Fez-me bem e me deu uma ideia — desculpe-me, eminência, se o faço corar —, mas a ideia é que isto se chama ‘fazer teologia de joelhos’. Obrigado. Obrigado.” 

Tal apoio ter-se-ia evidenciado também pelo fato de o Papa ter vetado a publicação no “Osservatore Romano” de uma intervenção em sentido oposto ao relatório Kasper preparada por um cardeal de grande destaque, segundo informou o vaticanista Sandro Magister, grande conhecedor dos bastidores do Vaticano. 

Sentindo as costas quentes, o cardeal Kasper empreendeu uma verdadeira rodada de conferências e entrevistas de imprensa para divulgar e defender suas teses, dizendo que elas não implicam uma mudança da doutrina da Igreja a respeito da indissolubilidade do matrimônio, mas apenas uma praxis pastoral. Em tais intervenções, ele invocava sistematicamente o suposto apoio do Papa Francisco, o que levou o cardeal Raymond Burke a comentar jocosamente que o pontífice não padece de laringite e não precisa de porta-voz para exprimir o que pensa. 

A divulgação das teses kasperianas encontrou a resistência de bom número de purpurados — entre os quais cabe destacar os cardeais Burke, Müller, Brandmüller, de Paolis, Caffarra e Pell — e de historiadores, teólogos, canonistas e moralistas. Cabe especial menção um trabalho publicado por oito professores dominicanos dos Estados Unidos, os quais ressaltaram que o relatório do cardeal alemão significa, nem mais nem menos, a supressão da obrigação de castidade segundo o próprio estado, como se os fiéis não tivessem certeza da ajuda da graça para mantê-la. Se fosse aceita a comunhão para os divorciados recasados — diziam os teólogos dominicanos — “não se vê como a Igreja poderia recusá-la aos casais que coabitam ou às pessoas engajadas numa união homossexual, etc. Com efeito, a lógica dessa posição sugere que a Igreja deveria abençoar tais uniões (como o fazem agora os anglicanos) e mesmo aceitar toda a gama que comporta a ‘liberação’ sexual contemporânea. A comunhão para as pessoas divorciadas recasadas não é senão o começo”

Nas vésperas do Sínodo Extraordinário, os cinco primeiros cardeais acima mencionados publicaram suas intervenções, reunindo-as às de outros quatro peritos em um livro sob o expressivo título Permanecendo na verdade de Cristo: Matrimônio e comunhão na Igreja Católica. A obra percorre a história de séculos de resistência católica à comunhão aos divorciados recasados, e mostra que nela não se encontra nenhum argumento a favor do tipo de “tolerância” que o Cardeal Kasper propõe. Esse prelado deplorou a publicação do livro, classificando-a de afronta para golpear o Papa Bergoglio.

Nas semanas prévias ao Sínodo Extraordinário, o Pontífice convidou 26 prelados a participar do mesmo, entre os quais o próprio cardeal Walter Kasper e o cardeal belga Godfried Daneels, que já no Sínodo de 1999 havia se pronunciado a favor de uma abertura pastoral aos divorciados recasados. Outro favorecido foi o arcebispo Víctor Manuel Fernández, reitor da Universidade Católica de Buenos Aires, ao qual confiou a vice-presidência da comissão encarregada de redigir a mensagem do Sínodo ao mundo. 


Relatório intermediário abertamente conflitivo com o ensino tradicional da Igreja 

No dia 5 de outubro de 2014 abriu-se finalmente o Sínodo Extraordinário, com uma anomalia: a comunicação pelo secretário, cardeal Baldisseri, de que as intervenções na aula não seriam publicadas, mas que se daria das mesmas apenas uma visão de conjunto, através dos responsáveis da sala de imprensa com o auxílio de alguns participantes escolhidos pela secretaria do Sínodo. O cardeal Müller protestou em vão contra essa censura, a qual não obstante se efetivou, porquanto em duas semanas de discussões as conferências diárias de imprensa se cingiram a dar uma versão parcial do acontecido, e apenas uma vez um prelado anti-Kasper foi convidado a delas participar. 

Verificou-se uma segunda anomalia no fato de o Papa reforçar a equipe de três redatores do documento final com seis prelados escolhidos por ele próprio, entre os quais o ultra-progressista cardeal Gianfranco Ravasi, o seu arcebispo protegido Dom Víctor Manuel Fernández, e o Geral da Companhia de Jesus, Pe. Adolfo Nicolás. 

A criatividade manipuladora dessa equipe redatora ficou comprovada no dia 13 de outubro (por sinal, festa da última aparição de Nossa Senhora em Fátima), quando a leitura do relatório intermediário das discussões suscitou críticas veementes dos participantes, para os quais ele não refletia o verdadeiro conteúdo das intervenções. 

De fato, o relatório intermediário não era apenas parcial — desenvolvendo as teses da minoria pró-Kasper —, mas abertamente conflitivo com o ensino tradicional da Igreja, uma vez que: 
• apresenta a “mudança antropológico-cultural” da sociedade (leia-se a revolução sexual e suas consequências: coabitação, divórcio, contracepção artificial, homossexualidade etc.) como um “desafio” para a Igreja, sem fornecer nenhum elemento de avaliação moral; 
• introduz um novo e surpreendente princípio moral, a “lei da gradualidade”, que permite colher elementos positivos em todas as situações objetivamente pecaminosas, como as relações pré-matrimoniais ou as uniões homossexuais, reconhecendo que, nelas, “a semente do Verbo se espalhou além das fronteiras visíveis e sacramentais” (ou seja, qualquer pecado passa a constituir uma forma imperfeita de bem, face ao qual é preciso praticar uma espécie de “ecumenismo com o mal”); 
• sublinha “a realidade positiva dos casamentos civis e, feitas as devidas diferenças, também das coabitações”, subvertendo a doutrina da Igreja segundo a qual a estabilização no pecado constitui uma falta mais grave do que a união sexual ocasional e passageira, porque torna mais difícil o retorno ao caminho certo; 
• chega a afirmar que “as pessoas homossexuais têm dons e qualidades para oferecer à comunidade cristã” (insinuando que elas brotam da condição homossexual) e nota que “há casos em que o suporte mútuo com vistas ao sacrifício constitui um apoio precioso para a vida dos parceiros” homossexuais, promovendo de fato a legalização de tais uniões, sem sequer apresentar objeções à adoção de crianças por tais parceiros!
Como era de esperar, o escandaloso relatório intermediário foi celebrado universalmente pela grande imprensa como a aurora de uma nova era na qual a Igreja finalmente se reconciliaria com o mundo moderno e aceitaria os novos modelos de convivência nascidos da revolução sexual.


Cúpula do Sínodo tenta manobra para silenciar as críticas e provoca vozerio 

Na conferência de imprensa oficial do Sínodo do dia seguinte, o
cardeal sul-africano Wilfrid Napier [foto à direita] deplorou o texto do relatório e sua divulgação mundial, que teria colocado a Igreja em uma situação “sem saída”, porque “a mensagem já partiu: ‘é isto que diz o Sínodo, é isto que diz a Igreja’. Agora não há mais retificação eficaz, tudo que podemos fazer é tentar limitar os danos”. 

Foi o que tentaram fazer os dez círculos de trabalho em que se dividiram, por idiomas, os padres sinodais, alguns dos quais elegeram para presidi-los personalidades conhecidamente conservadoras, como o cardeal Burke ou o arcebispo Dom Léonard, de Bruxelas. 

Na grande maioria desses círculos de trabalho, onde os padres sinodais podiam exprimir-se livremente, o relatório intermediário foi literalmente destroçado por uma enorme massa de propostas de emenda no sentido de que o relatório final deveria ressaltar sobretudo que o único modelo de casamento é a união indissolúvel entre um homem e uma mulher com a finalidade primária de procriação e educação na fé, e que a pretensa “lei da gradualidade” pastoral não deve ser entendida como uma “gradualidade da lei” através da qual todas as situações irregulares passam a ser consideradas de modo positivo. 

Diante do conteúdo negativo da grande maioria dos relatórios dos dez círculos linguísticos, na quinta-feira, 16 de outubro, quando as sessões conjuntas foram retomadas, a cúpula do Sínodo tentou uma manobra para limitar o seu impacto. Tendo o Papa a seu lado, o cardeal Baldisseri, secretário-geral, avisou que os referidos relatórios não seriam tornados públicos. Tal anúncio fez com que um vozerio explodisse literalmente na sala, tendo o cardeal australiano George Pell, que o liderou, mostrado a injustiça e a parcialidade da decisão, e o risco de que, permanecendo desconhecidas as propostas de emenda, o texto final simplesmente as desconsiderasse. 

Depois de acaloradas intervenções no mesmo sentido e apesar do silêncio sepulcral do Papa Francisco, o próprio Secretário de Estado, cardeal Pietro Parolin, somou sua voz à dos que solicitavam a publicação dos relatórios dos grupos de trabalho, sendo então o cardeal Baldisseri, muito a contragosto, obrigado a ceder. 

Para acalmar os espíritos e dar garantias de alguma imparcialidade, o Papa Francisco anunciou, na tarde desse dia, que colocava mais dois membros na comissão redatora do texto definitivo, um dos quais o combativo cardeal Wilfrid Napier.


Três parágrafos do relatório final rejeitados pela assembleia sinodal 

Apesar de a comissão redatora ter produzido um texto de compromisso, na votação final apenas um dos 62 parágrafos recebeu aprovação unânime, e três não obtiveram a maioria de dois terços requerida estatutariamente para a aprovação e inclusão no relatório final da Assembleia Extraordinária do Sínodo. Dois dos parágrafos rejeitados tratavam da questão da comunhão aos divorciados recasados (descrevendo a divergência de posições entre os padres sinodais), e o terceiro da atenção pastoral às pessoas com tendência homossexual. Apesar dessa rejeição, e contrariando mais uma vez o regulamento, o Papa Francisco ordenou que eles figurassem no texto final a ser enviado às dioceses e paróquias para nutrir a discussão nos próximos meses e inspirar as propostas da “base” para a segunda etapa, ou seja, o Sínodo Ordinário de outubro de 2015. 

Não obstante a inesperada resistência de um número ponderável de padres sinodais, incluídos vários cardeais de destaque, o cardeal Walter Kasper e seus seguidores não deram o braço a torcer e pretendem continuar a marcha para a frente até obter a mudança pastoral (e necessariamente doutrinária) da atitude da Igreja face às situações matrimonias irregulares e as uniões homossexuais. 

Perguntado se considerava esse resultado do primeiro Sínodo “uma derrota” da estratégia do Papa Francisco, seu discípulo e amigo, D. Víctor M. Fernández — um dos redatores do texto final —, respondeu ao jornal “La Nación”, de Buenos Aires, que “de maneira alguma” teria sido uma derrota, porque o Pontífice nunca propôs uma solução concreta, mas apenas quis que o assunto fosse debatido com toda franqueza. Ainda segundo ele, na questão da comunhão aos divorciados recasados, a maioria dos bispos foi favorável a uma abertura e “havia apenas um grupo de seis ou sete muito fanáticos e um pouco agressivos, que não representavam nem 5% do total”


Debates do Sínodo não foram senão um começo e ameaçam provocar um cisma 

O diretor do renomado mensário “Civiltà Cattolica”, o jesuíta Pe. Antonio Spadaro, convidado pelo Papa a participar do Sínodo, declarou que “Graças à decisão do Pontífice, todos os pontos discutidos continuam quaestiones disputandae [questões abertas ao debate], mas iluminadas por todo o confronto sinodal. O processo portanto permanece aberto e requer a participação do povo de Deus por um ano inteiro.” 

Por sua vez, o cardeal Reinhardt Marx declarou ao jornal alemão "Die Zeit": “Até agora, esses dois assuntos [comunhão para os divorciados recasados e aceitação das uniões homossexuais] eram absolutamente não negociáveis. Apesar de não terem obtido a maioria de dois terços, a maioria [simples] dos padres sinodais votou, porém, a favor delas. Eles ainda fazem parte do texto. [...] Este papa abriu as portas e o resultado do voto no final do Sínodo não vai mudar isso. [...] Os debates do Sínodo não foram senão um começo. Francisco quer que as coisas vão para a frente, que o processo continue. O verdadeiro trabalho está para começar"


É imutável a natureza do casamento indissolúvel 

Em entrevista à cadeia de televisão norte-americana "CNS News", o cardeal Raymond Burke [foto acima] reiterou a impossibilidade de uma mudança do ensinamento da Igreja sobre o casamento. Perguntado se o Papa poderia mudar a natureza do casamento indissolúvel restaurado por Nosso Senhor Jesus Cristo, ele afirmou peremptoriamente: “Não, não está em seu poder. E está muito claro no ensinamento da Igreja que se um casamento foi validamente celebrado e consumado [pelas relações conjugais], ele não pode ser dissolvido. Não pode ser terminado por nada, exceto pela morte”
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As posições são portanto inconciliáveis. O que levou um conhecido colunista católico do “New York Times on Sunday”, Sr. Ross Douthat, a tocar o alarme: através desse Sínodo sobre a família, o Papa levou a Igreja à borda de um precipício. E se o Sínodo continuar nessa trajetória — disse o colunista —, ele vai “semear a confusão no meio dos aderentes mais ortodoxos da Igreja” e poderia eventualmente conduzir “a um verdadeiro cisma”. Uma hipótese que já havia sido aventada por D. Rogelio Ricardo Livieres, bispo de Ciudad del Este, no Paraguai, destituído por Francisco I por não estar em sintonia com o resto de episcopado paraguaio, maciçamente solidário com o ex-presidente Lugo e a “Teologia da Libertação”.

Não há dúvida de que estamos diante de um Sínodo realmente extraordinário. Sob todos os pontos de vista... 
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Fonte: Revista Catolicismo, Nº 768 (Dezembro/2014)