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6 de julho de 2025

CARDEAL MINDSZENTY — (1975 – 2025)

O Cardeal József Mindszenty, Arcebispo-Príncipe de Esztergom-Budapeste, indômito herói anticomunista da Hungria, exemplo do destemido combate católico.


Fonte: Editorial da Revista Catolicismo, Nº 895, Julho/2025

“Derrotado, venceu” (em latim, Devictus, vincit). Lema episcopal escolhido pelo Cardeal József Mindszenty em 1944. 
O lema bem expressa sua vida de luta, pois, mesmo derrotado, venceu no sentido análogo ao de Nosso Senhor Jesus Cristo, que aparentemente “derrotado” — pois fora crucificado —, triunfou da morte, redimiu o gênero humano, ressuscitou, abriu as portas do Céu e estabeleceu a Santa Igreja Católica Apostólica Romana. 

O prelado húngaro, Arcebispo-Príncipe de Esztergom-Budapeste, apesar de morrer no exílio em Viena, em 1975, terminou seus dias vitorioso e carregado de honra, pois teve a coragem de enfrentar o tirânico governo comunista que havia subjugado sua pátria. 

Várias vezes preso e torturado cruelmente por agentes do comunismo, permaneceu inquebrantável. Ele teve a coragem de suportar as dores da perseguição, especialmente uma dor ainda mais cruel: a provação de ver as mais altas autoridades da própria Igreja Católica pedir-lhe para cessar sua luta anticomunista. 

Mas o Cardeal Mindszenty continuou a resistir destemidamente, atuando contra vários programas do governo comunista húngaro, como por exemplo a Reforma Agrária, o divórcio, o ensino marxista nas escolas, a estatização socialista etc. 

As autoridades eclesiásticas agiam para estabelecer um acordo entre a Igreja e o Estado comunista, com o qual Ela se submeteria aos projetos do Kremlin. Desse modo, haveria uma coexistência pacífica entre o Vaticano e Moscou. Esse embate levou o jornal londrino The Sunday Telegraph a descrever assim vida do Cardeal Mindszenty: “Crucificado pelo Kremlin e traído pelo Vaticano”

Queriam que o Cardeal ficasse em silêncio, mas, obviamente, isso ele considerava uma cumplicidade com o bolchevismo e até mesmo uma traição ao ensino perene da Igreja. 

Aquela atitude do alto clero progressista-colaboracionista — da época do Concílio Vaticano II nos pontificados de João XXIII e Paulo VI — foi bem oposta à do Papa anterior, Pio XII, ao comentar, em junho de 1956, que a resistência de Mindszenty “causava admiração aos Anjos de Deus”

Em 10 de dezembro de 1948,
manifestação católica em
apoio ao Cardeal Mindszenty
O Cardeal teria sido um derrotado aos olhos dos homens e de Deus se tivesse capitulado, mas se tornou um símbolo imortal da resistência ao comunismo e ao progressismo ecumenista; ele estimulou com seu exemplo os católicos do mundo inteiro a não cruzarem os braços no bom combate. 

Destacamos aqui um aspecto da admirável vida do invencível Cardeal József Mindszenty, mas com a leitura da matéria de capa da edição deste mês da revista Catolicismo, comemorativa do cinquentenário da morte do heroico prelado, o leitor se encantará com vários outros aspectos do seu bom e exemplar combate.

5 de maio de 2025

MEIO SÉCULO DO FALECIMENTO DO CARDEAL MINDSZENTY

Cardeal József Mindszenty um ano antes de sua morte


(1975 – 2025)

  Paulo Roberto Campos 

Neste dia 6 de maio completa-se o cinquentenário do falecimento de Sua Eminência o Cardeal Jószef Mindszenty. Na ocasião de sua morte, por iniciativa do fundador da TFP brasileira, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, a entidade distribuiu à imprensa, no dia 7 de maio de 1975, o comunicado que abaixo reproduzimos em homenagem a esse monumental herói húngaro e grande mártir anti-comunista. 

O resistente Prelado foi bispo de Veszprém, Hungria, de 1944 a1945, e arcebispo de Esztergom, de 1945 a 1974; foi um destemido opositor dos regimes comunistas, preso e condenado por eles a prisão perpétua, foi libertado durante a forte reação húngara de 1956. 

Antigo túmulo do cardeal Mindszenty em Mariazell (Áustria). Em 1991, seu corpo foi transladado para Budapest (Hungria); seu corpo foi exumado e encontrado incorrupto, após 16 anos de sua morte. Em 1996 a documentação para o processo de sua beatificação foi apresentada à Congregação para a Causa dos Santos pelo postulador de sua causa, o Padre Janos Szoke. 


SÍMBOLO DA RESISTÊNCIA AO COMUNISMO 


“Há dias atrás, os estandartes da TFP se tarjavam de negro pelo desaparecimento, do cenário internacional, de duas nações que lutaram gloriosamente contra o comunismo. 

Hoje os mesmos estandartes mais uma vez se cobrem de luto para assinalar o desaparecimento, do rol dos vivos, de um varão cuja figura teve, na luta contra o comunismo, a influência e a glória de uma nação. 

Todos os que conservam o senso da honra e da dignidade, e repudiam como uma covardia a flexão sistemática diante de um adversário agressor, tiveram nos feitos que a História Contemporânea atribui ao Cardeal Jószef Mindszenty um exemplo assinalado.

Mais especialmente a figura impávida do imortal Purpurado animou e estimulou os católicos, provados em nossos dias por tantos fatores de confusão, de desânimo e de derrota.

Grande pela dignidade de Arcebispo-Príncipe de Esztergom, que possuiu quase até o fim da vida, pelo esplendor da Púrpura romana, grande na prisão padecida sob o domínio dos comunistas, no ostracismo e no silêncio da embaixada norte-americana em Budapest, na luta que, depois de ‘libertado’, soube continuar com denodo em Viena como em Fátima, na América do Norte, na Venezuela ou na Colômbia, o Cardeal Mindszenty, ontem falecido em Viena, constitui para os católicos verdadeiros um título de ufania do qual jamais se olvidarão. 

Espiritualmente presente junto aos despojos mortais do ilustre Prelado, a TFP ora por sua alma, rogando que, pela intercessão de Maria Santíssima, ela receba com a mais generosa abundância a paga de todo o bem que fez sobre a Terra”. 

Brasão do Cardeal József Mindszenty



____________ 

(Fonte: Revista Catolicismo, Nº 295, junho/1975)

12 de março de 2025

O ESPÍRITO PERENE DO ALCÁZAR


✅  Roberto de Mattei 

O cerco do Alcázar de Toledo foi uma das páginas mais épicas da Guerra Civil Espanhola, que entre 1936 e 1939 viu o confronto sangrento entre as forças nacionalistas e católicas, de um lado, e a Frente Popular Republicana e Social-Comunista, do outro. O cerco começou em 21 de julho de 1936, poucos dias após o início da Guerra Civil e durou até 27 de setembro, quando os sitiados foram libertados pelo exército do general Francisco Franco.

O Alcázar era uma fortaleza medieval, sede da Escola Militar, localizada na cidade de Toledo [foto acima e abaixo], dentro de uma área territorial controlada pela Frente Popular. Para escapar aos massacres iniciados pelos milicianos comunistas e anarquistas, que constituíam o braço armado do governo republicano, cerca de 1800 pessoas encontraram refúgio dentro das muralhas desta fortaleza, acolhidas pelo Coronel José Moscardó, diretor da Escola Militar. Eram jovens cadetes da escola, mas também membros da Guarda Civil e cerca de 500 civis, entre idosos, mulheres e crianças. As forças republicanas eram muito superiores em número e armamentos, os sitiados estavam com falta de comida e munição e o exército nacionalista estava longe. No entanto, eles decidiram resistir até o amargo fim. 

Seu espírito heróico é simbolicamente resumido por um episódio famoso. A Milícia Popular Comunista capturou um filho de 17 anos do coronel Moscardó, Luís, que estava fora do Alcázar. O comandante da milícia popular, Cándido Cabello, telefonou para o coronel e disse-lhe que seu filho seria morto imediatamente se o Alcázar não se rendesse. Ele lhe deu 10 minutos para atender e entregou o menino ao telefone. O coronel Moscardó dirigiu estas palavras comoventes a seu filho: 

— "Confie sua alma a Deus e morra como um patriota, gritando 'Viva Cristo Rei' e 'Viva a Espanha'". 

— "Eu vou fazer isso, pai", respondeu Luis, que foi baleado dois dias depois. 

Então o coronel disse ao comandante dos Vermelhos: 

— "Você pode economizar os 10 minutos que me ofereceu. O Alcazar nunca vai desistir!"

O cerco durou 72 dias em que os defensores do Alcázar tiveram que suportar uma sucessão de ataques de infantaria, bombardeios aéreos, bombardeios de artilharia, ataques com gás lacrimogêneo e tiros incessantes de rifle. Dentro da fortaleza, as pessoas sobreviviam comendo um pouco de carne de cavalo junto com um pedaço de pão amanhecido; a água era a água pútrida da cisterna do forte. 

Na última fase do cerco, os mineiros vermelhos das Astúrias cavaram três túneis sob o Alcázar, colocando três poderosas cargas explosivas sob suas paredes. Mas mesmo essa tentativa se mostrou inútil. Apenas parte do prédio desabou e os escombros caíram fora do perímetro, colocando um obstáculo ainda maior no caminho dos agressores. 

Finalmente, em 27 de setembro de 1936, as tropas nacionalistas conseguiram romper o cerco e libertar os heróicos defensores do castelo fortaleza. 

Ao general José Enrique Varela, que liderava o exército vitorioso, o coronel Moscardó, levando a mão à viseira, repetiu o que havia sido, desde os primeiros dias, o boletim diário dos sitiados: 

"Nada de novo no Alcázar, meu general". 

Nos dias seguintes, Moscardò afirmou várias vezes: "todo fuè un milagro en el Alcázar" ("tudo foi um milagre no Alcázar”). Se este milagre aconteceu, foi porque estes soldados e civis, estes homens e mulheres, reunidos na fortaleza do Alcázar para um misterioso desígnio da Providência, fizeram o possível na luta, ajudando-se e encorajando-se mutuamente, mas sobretudo pedindo com imensa confiança a ajuda de Nossa Senhora. Nossa Senhora do Adro da Igreja, padroeira de Toledo, não os decepcionou. O coronel Moscardò transformou a enfermaria em uma capela, colocando uma estátua da Santíssima Virgem lá. Quando ocorreu a explosão das minas e aquela parte da fortaleza desabou em uma nuvem de poeira, a estátua de Nossa Senhora permaneceu ilesa e algumas mulheres rezaram ao seu redor ilesas, enquanto os destroços constituíam novos obstáculos intransponíveis ao ataque dos milicianos. 

A maior ajuda que os sitiados receberam do Céu, no entanto, não foi a material, mas foi a graça da fortaleza, a determinação de lutar até o fim, recusando uma rendição desonrosa. O sacrifício do filho do coronel Moscardó incutiu coragem sobrenatural nos sitiados do Alcázar, que a partir daquele momento jurou lutar até a vitória ou a morte. E a vitória veio para eles.

O Alcázar é um símbolo histórico daquela fortaleza espiritual na qual devemos nos entrincheirar para resistir ao terrível cerco de nosso tempo, que é antes de tudo psicológico e moral. Somos atacados por um inimigo, que gostaria de desestabilizar nossas mentes, quebrar nossas defesas psíquicas e espirituais, mergulhar-nos na confusão, submeter-nos aos mestres do caos. No entanto, existem famílias espirituais de amigos da Cruz e da luta, que não recuam na batalha. Na Carta aos Amigos da Cruz, cuja leitura é tão oportuna para a Quaresma, São Luís Maria Grignion de Montfort escreve: 

"Amigos da Cruz! Unistes-vos como soldados crucificados para lutar contra o mundo, não fugindo — como os religiosos e as religiosas — por medo de serem derrotados, mas como lutadores valentes e corajosos que vão para o campo de batalha, sem ceder terreno e sem virar as costas ao inimigo. Coragem! Lute bravamente! Esteja fortemente unido em espírito e coração. Esta sua união é muito mais forte e formidável contra o mundo e o inferno do que as forças externas de uma nação unida são para os inimigos de um estado”. 

E Plinio Corrêa de Oliveira, comentando esta Carta de Montfort, evocou precisamente, para compreendê-la profundamente, o espírito perene do Alcázar. 

O Alcázar também pode ser uma associação, um centro cultural, um simples grupo de leigos católicos, homens e mulheres, unidos pelo amor a Deus e à Igreja, pela devoção à Divina Providência e à Santíssima Virgem. O Alcázar espiritual e moral é antes de tudo o nosso coração, que é uma fortaleza inexpugnável, se Nossa Senhora tiver o seu lugar nele. Neste caso, no dia em que nos apresentamos ao juízo de Deus, poderíamos repetir não as palavras do Coronel Moscardò, mas as de São Paulo (2 Tm 4, 7-8): 

“Meu general, combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. Resta-me agora receber a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará”.

1 de março de 2024

Bispo Strickland: “Estamos à beira de um precipício de devastação como o mundo nunca viu antes”

Dom Joseph Edward Strickland foi  bispo de Tyler (leste do Texas) de 2012 até 2023, quando foi, devido à sua posição conservadora, destituído pelo Papa Francisco.


O bispo emérito de Tyler, Joseph Strickland, que foi demitido pelo Papa Francisco [uma década] antes de completar 75 anos, publicou uma nova carta pública em seu site pessoal.

Strickland, que acaba de participar do evento político conservador mais importante do mundo, dirige esta carta aos bispos de todo o mundo. 

Na carta, o bispo americano encoraja o resto do episcopado mundial a regressar “a Cristo e ao seu caminho”, e encoraja-os a serem: 

“Ousados como os nossos predecessores do primeiro, segundo e terceiro séculos, muitos dos quais seguiram o Senhor até morte, carregando pesadas cruzes em seu nome. 
“Apoiemos os nossos irmãos, que no século XX foram suficientemente fortes para se manifestarem contra os governantes despóticos, embora fossem uma voz minoritária no seu tempo. No século XXI, sejamos vigorosos em conhecer e proclamar Jesus Cristo como a Luz do Mundo e o Senhor da Verdade. Proclamemos com profunda convicção a plenitude da mensagem de Jesus Cristo e resistamos a qualquer tentação de partilhar apenas a porção da Sua Verdade que o mundo aceita para evitar a ira de um mundo que ainda O odeia”.

O bispo emérito de Tyler enfatiza a necessidade de compartilhar: 

“A gloriosa Boa Nova de que Jesus Cristo é a Santa Palavra encarnada, e que a reverência pela Sua Palavra é a reverência pela Sua Presença real e sagrada entre nós, assim como Ele prometeu”. “Apelemos a um Reavivamento Eucarístico mundial que proclame com novas de grande alegria que Jesus Cristo está verdadeiramente presente — Corpo e Sangue, Alma e Divindade — na Sagrada Eucaristia em cada Missa, em cada sacrário e em cada altar de Adoração Eucarística ”. 

Além disso, Dom Strickland pede aos bispos de todo o mundo que sejam: 

“Firmes e claros em relação a todos os ensinamentos da nossa fé católica que falam da santidade da vida desde a concepção até a morte natural. A Noiva de Cristo proclama a verdade de que Deus nos criou homem e mulher. A Igreja, Corpo místico de Cristo, proclama a verdade de que o casamento é um vínculo sagrado entre um homem e uma mulher, comprometido com a vida e aberto aos filhos, e que este modelo ordenado por Deus guiará a humanidade até o fim dos tempos. Prometamos nunca deixar aqueles que foram apanhados em qualquer tipo de pecado sexual vagando nas trevas de um estilo de vida pecaminoso.”

Neste sentido, Dom Strickland exorta o episcopado a resistir: 

“Às correntes do nosso tempo que procuram criar um mundo à ‘nossa’ imagem e eliminar Deus do seu lugar no centro da sua criação. Resistamos às vozes que muitas vezes vêm de dentro da própria Igreja, que nos chamam a abandonar a verdade que Jesus Cristo proclamou e, em vez disso, tentam distorcer, alterar e atualizar esta verdade até que ela se torne irreconhecível e não mais enraizada na realidade.” 

Sem hesitação, Joseph Strickland encoraja-nos a: 

“Reconhecer que estamos à beira de um precipício de devastação como o mundo nunca viu antes”. Por isso, ele pede “abrir os olhos para as forças do mal que trazem divisão e escuridão, mesmo quando pretendem oferecer um novo caminho para a humanidade. Temos a audácia de dizer ‘não’ a estas tendências que procuram apagar Deus e aniquilar o nosso direito dado por Deus de escolher o bem e o mal em liberdade e autonomia pessoal. “Basta dizer ‘não’ àqueles de vocês que sussurram pelo destronamento de Deus e procuram instalar um Estado global em seu lugar”.
____________ 
Artigo traduzido do site espanhol Infovaticana (1º de março de 2024) por Hélio Viana.

20 de dezembro de 2023

Declaração da Arquidiocese de Santa Maria em Astana



Sobre a Declaração “Fiducia supplians”, publicada pelo Dicastério para a Doutrina da Fé e aprovada pelo Papa Francisco a 18 de dezembro de 2023 


O objetivo declarado do referido documento da Santa Sé é dar “a possibilidade de abençoar casais em situação irregular e ‘casais’ do mesmo sexo”. Ao mesmo tempo, o documento assegura que tais bênçãos far-se-ão “sem validar oficialmente o seu estatuto ou alterar de qualquer forma o ensinamento perene da Igreja sobre o Matrimônio”

O fato de o documento não permitir o “matrimônio” de casais do mesmo sexo não deve cegar pastores e fiéis para o grande engano e mal contidos na permissão para abençoar casais em situação irregular e do mesmo sexo. Tal bênção contradiz direta e seriamente a Revelação Divina e a ininterrupta e bimilenar doutrina e prática da Igreja Católica. Abençoar casais em situação irregular e “casais” do mesmo sexo é um grave abuso do santíssimo Nome de Deus, uma vez que este Nome é invocado sobre uma união objetivamente pecaminosa de adultério ou atividade homossexual. 

Portanto, nem mesmo as mais belas afirmações da citada Declaração da Santa Sé podem minimizar as consequências destrutivas e de longo alcance que derivam deste tipo de bênçãos legitimadas. Com tais bênçãos, a Igreja Católica torna-se, senão em teoria pelo menos na prática, uma propagandista da globalista e ímpia “ideologia de gênero”.

Como sucessores dos Apóstolos e fiéis ao nosso juramento solene, na consagração episcopal, de “preservar o depósito da fé na pureza e na integridade, segundo a tradição sempre e em toda parte observada na Igreja desde o tempo dos Apóstolos”, exortamos e proibimos os sacerdotes e fiéis da Arquidiocese de Santa Maria de Astana de receber ou praticar qualquer forma de bênção de casais em situação irregular e de “casais” do mesmo sexo. É supérfluo dizer que todo o pecador sinceramente arrependido com o firme propósito de não pecar doravante e de pôr fim à sua situação pecaminosa pública (como, por exemplo, coabitação fora de um casamento canonicamente válido, união entre pessoas do mesmo sexo) pode receber uma bênção. 

Com sincera caridade fraterna dirigimo-nos com o devido respeito ao Papa Francisco, que — ao permitir a bênção dos casais em situação irregular e dos “casais” do mesmo sexo — “não caminha retamente segundo a verdade do Evangelho” (cf. Gal 2, 14), usando as palavras com que o apóstolo São Paulo advertiu publicamente em Antioquia o primeiro Papa. Portanto, no espírito da colegialidade episcopal, pedimos ao Papa Francisco que revogue a permissão para abençoar casais em situação irregular e “casais” do mesmo sexo, para que a Igreja Católica possa brilhar inequivocamente como “coluna e fundamento da verdade” (1Tim 3,15) para todos aqueles que procuram sinceramente conhecer a vontade de Deus e, cumprindo-a, alcançar a vida eterna. 

Astana, 19 de Dezembro de 2023 

+ Tomash Peta

 Arcebispo Metropolitano da Arquidiocese de Santa Maria de Astana (Cazaquistão) 

+ Athanasius Schneider

Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Santa Maria de Astana

25 de fevereiro de 2018

Apoio à heroica resistência católica à política vaticana de aproximação com a China comunista

Eminentíssimo Senhor 
Cardeal Joseph Zen Ze-kiun 
Hong Kong – China 

Eminência Reverendíssima 

O Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, associação cívica continuadora da obra do insigne professor cujo nome ostenta, e associações autônomas e coirmãs nos cinco continentes, dedicam-se a defender os valores fundamentais da Civilização Cristã. Seus diretores, membros e simpatizantes são católicos apostólicos romanos que combatem as investidas do comunismo e do socialismo. 


Cardeal Joseph Zen Ze-kiun 
A posição fundamentalmente anticomunista que resulta das convicções católicas dos membros de nossas organizações ficou revigorada pela heroica resistência da “Igreja clandestina” chinesa fiel a Roma. Seus bispos, sacerdotes e milhões de católicos recusam a se submeter à assim chamada Igreja Patriótica, cismática em relação a Roma e inteiramente submissa ao poder central de Pequim.

“Bem-aventurados os que são perseguidos por amor à justiça, porque deles é o Reino dos céus!” (Mt 5, 10); “se o mundo vos odeia, sabei que me odiou a mim antes que a vós. Se fôsseis do mundo, o mundo vos amaria como sendo seus. Como, porém, não sois do mundo, mas do mundo vos escolhi, por isso o mundo vos odeia” (Jo 15, 18-19). 


Declaração de Resistência.
Para ler sua íntegra, click no link abaixo.
Essas divinas palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo exprimem nossa admiração à única Igreja Católica na China, hoje sob a bota comunista, e que tem em Vossa Eminência um egrégio membro e porta-voz. Vemos nesses católicos perseguidos outros tantos irmãos na Fé aos quais foi dirigida a Declaração de Resistência publicada pelo eminente líder católico brasileiro Prof. Plinio Corrêa de Oliveira (1908-1995), fundador da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, e inspirador de TFPs e entidades afins nos diversos continentes. O documento é intitulado A política de distensão do Vaticano com os governos comunistas — Para a TFP: omitir-se? Ou resistir?

Como Vossa Eminência poderá ver nessa Declaração, datada de 1974, a diplomacia vaticana na Europa do Leste e na América Latina buscava uma ardilosa política de aproximação com os regimes comunistas gravemente danosa para os verdadeiros católicos, a qual resultaria na submissão da Santa Igreja Católica aos déspotas vermelhos. 

No dia 7 de abril de 1974, a imprensa da maior cidade da América do Sul (cfr. “O Estado de S. Paulo”) ecoou uma entrevista de Mons. Agostino Casaroli asseverando que na infeliz ilha de Cuba, oprimida pelo comunismo fidelcastrista, “os católicos são felizes dentro do regime socialista”. E continuava Mons. Casaroli: “A Igreja Católica cubana e seu guia espiritual procuram sempre não criar nenhum problema para o regime socialista que governa a ilha”.

Essas declarações do alto enviado vaticano — que coincidiam com posicionamentos de outros Prelados colaboracionistas do comunismo — provocavam surpresas dolorosas e traumas morais nos católicos que seguiam a imutável doutrina social e econômica ensinada por Leão XIII, Pio XI e Pio XII. Esta Ostpolitik, como ficou conhecida, era fonte de perplexidades e angústias, e suscitava no mais íntimo de muitas almas o mais pungente dos dramas. Pois, muito acima das questões sociais e econômicas, atingiam o que há de mais fundamental, vivo e terno na alma de um católico apostólico romano: sua vinculação espiritual com o Vigário de Jesus Cristo.

A diplomacia de distensão do Vaticano com os governos comunistas levantava uma dúvida supremamente embaraçosa: é lícito aos católicos não caminharem na direção apontada pela Santa Sé? É lícito cessar a resistência ao comunismo?

Neste momento, encontramo-nos em situação análoga, porém ainda mais perigosa, com a política vaticana em relação à chamada Igreja Patriótica submissa a Pequim. 

Com efeito, causou pasmo no mundo católico a noticia da visita à China de uma delegação vaticana liderada pelo arcebispo Claudio Maria Celli, quem em nome do Papa Francisco pediu aos legítimos pastores das dioceses de Shantou e Mindong que entregassem suas dioceses e seus rebanhos a bispos ilegítimos nomeados pelo governo comunista e rompidos com a Santa Sé. 

Chegaram como aterradora e amplificada repetição das declarações de Mons. Casaroli em Cuba as palavras de Mons. Marcelo Sánchez Sorondo, Chanceler da Pontifícia Academia das Ciências e da Academia Pontifícia das Ciências Sociais, conhecido como conselheiro próximo do Santo Padre. Segundo o jornal “La Stampa” de Turim do dia 2 de fevereiro, declarou ele: “Neste momento, os que melhor praticam a doutrina social da Igreja são os chineses [...]. Os chineses procuram o bem comum, subordinam as coisas ao bem geral".

Após visitar o país esmagado por uma ditadura ainda mais inclemente do que a cubana, Mons. Sánchez Sorondo, ainda à maneira de Mons. Casaroli, declarou: “Encontrei uma China extraordinária; o que as pessoas não sabem é que o principio central chinês é trabalho, trabalho, trabalho. Não tem favelas, não tem drogas, os jovens não tem droga [...] [A China] está defendendo a dignidade da pessoa [...]”

Nem uma só palavra sobre a perseguição religiosa que o comunismo inflige aos nossos irmãos na Fé — bispos, padres e fiéis prisioneiros —, nem à violação sistemática e universal dos direitos fundamentais do homem criado à imagem e semelhança de Deus. 

As controvertidas e falsas afirmações deste alto prelado vaticano vão muito além das próprias declarações de Mons. Casaroli em Cuba no remoto ano de 1974 e ferem muito mais a reta consciência cristã. 

O drama da atual situação dos católicos chineses é o de todos os fiéis que desejam perseverar diante do Leviatã comunista. Ontem como hoje, pressionados pela diplomacia da Santa Sé para aceitarem um acordo iníquo com o regime comunista, enfrentam um gravíssimo problema de consciência: é lícito dizer não à Ostpolitik vaticana e continuar resistindo ao comunismo até o martírio se necessário for? 


Plinio Corrêa de Oliveira
Na referida Declaração de Resistência, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira afirmava (sem ter recebido nenhuma objeção de Paulo VI ou de seus sucessores) que aos católicos é não somente lícito, mas até um dever imitar a atitude de resistência do Apóstolo São Paulo em face de São Pedro, o primeiro Papa:
“Tendo o primeiro Papa, São Pedro, tomado medidas disciplinares referentes à permanência no culto católico de práticas remanescentes da antiga Sinagoga, São Paulo viu nisto um grave risco de confusão doutrinária e de prejuízo para os fiéis. Levantou-se então e ´resistiu em face´ a São Pedro (Gal. II,11). Este não viu, no lance fogoso e inspirado do Apóstolo das Gentes, um ato de rebeldia, mas de união e amor fraterno. E, sabendo bem no que era infalível e no que não era, cedeu ante os argumentos de São Paulo. Os Santos são modelos dos católicos. No sentido em que São Paulo resistiu, nosso estado é de resistência.  
“Resistir significa que aconselharemos os católicos a que continuem a lutar contra a doutrina comunista com todos os recursos lícitos, em defesa da Pátria e da Civilização Cristã ameaçadas.  
“Resistir significa que jamais empregaremos os recursos indignos da contestação, e menos ainda tomaremos atitudes que em qualquer ponto discrepem da veneração e da obediência que se deve ao Sumo Pontífice, nos termos do Direito Canônico.  
“A Igreja não é, a Igreja nunca foi, a Igreja jamais será um cárcere para as consciências. O vínculo da obediência ao Sucessor de Pedro, que jamais romperemos, que amamos com o mais profundo de nossa alma, ao qual tributamos o melhor de nosso amor, esse vínculo nós o osculamos no momento mesmo em que, triturados pela dor, afirmamos a nossa posição. E de joelhos, fitando com veneração a figura de S.S. o Papa Paulo VI, nós lhe manifestamos toda a nossa fidelidade.  
“Neste ato filial, dizemos ao Pastor dos Pastores: Nossa alma é Vossa, nossa vida é Vossa. Mandai-nos o que quiserdes. Só não nos mandeis que cruzemos os braços diante do lobo vermelho que investe. A isto nossa consciência se opõe.”
Cardeal Paul Yü Pin
Ainda nos anos 70, tivemos a alegria de constatar, na gloriosa fileira do episcopado chinês, a resistência destemida do ilustre conterrâneo de Vossa Eminência, o Emmo. Cardeal Paul Yü Pin, então Arcebispo de Nanquim e Reitor da Universidade Católica de Taipé, Formosa (cfr. “The Herald of Freedom” de 15-2-74, em despacho da Religious News Service). 

Declarou o Purpurado à citada agência (como hoje ratifica Vossa Eminência), que seria uma ilusão esperar que a China comunista modifique sua política antirreligiosa. 

Corrobora tal assertiva o próprio presidente Xi Jinping, o qual acentuou no XIX Congresso do PC que “a cultura [...] deve ser aproveitada para a causa do socialismo de acordo com a orientação do marxismo”; e que por causa disso a religião deve ter uma “orientação chinesa” e adaptar-se à sociedade socialista guiada pelo partido ("The Washington Post", 18-10-17).

Voltando ao Cardeal Yu Pin, há 40 anos ele acrescentou: “Queremos permanecer fiéis aos valores perenes da justiça internacional [...]. O Vaticano pode agir de modo diverso, porém não nos comoveríamos muito com isso. Penso que é ilusória a esperança de que um diálogo com Pequim ajudaria os cristãos do continente [chinês]. [...] O Vaticano nada está obtendo para os cristãos da Europa Oriental. [...] Se o Vaticano não pode proteger a Religião, ele não tem muita razão para continuar no assunto. [...] Queremos permanecer fiéis ao nosso mandato, mas somos vítimas da repressão comunista. Sob tal aproximação [do Vaticano com a China comunista], nós perderíamos a nossa liberdade. Como chineses, temos que lutar por nossa liberdade”

A essas lúcidas e vigorosas observações, que lembram a “resistência em face” de São Paulo a São Pedro (Gal. II, 11), o Prelado acrescentou esta emocionante previsão: “Há uma Igreja subterrânea na China. A Igreja na China sobreviverá, como os primeiros cristãos sobreviveram nas catacumbas. E isso poderia significar um verdadeiro renascimento cristão para os chineses.” 

Assim sendo, o Instituto Plinio Corrêa de Oliveira e associações autônomas e coirmãs de todo o mundo, bem como os milhares de católicos que juntam suas assinaturas a esta mensagem de apoio moral: 

Imagem de Nossa Senhora
Imperatriz da China
  1. Manifestam a Vossa Eminência, a toda a hierarquia, clero e povo católico da China, sua admiração e sua solidariedade moral, nesta hora em que urge erguer a resistência ante o Moloch comunista e a Ostpolitik vaticana. Os bispos e sacerdotes da perseguida Igreja clandestina na China que ora resistem, estão sendo para o mundo inteiro um símbolo vivo do “bom pastor que dá sua vida pelas ovelhas”.
  2. Afirmam que haurem alento, força e esperança invencível do épico exemplo dos atuais mártires que perseveram na China. Nossas almas católicas aclamam estas nobres vítimas: “Tu gloria Jerusalem, tu laetitia Israel, tu honorificentia populi nostri” (Jud. 15,10). Esses mártires constituem a glória da Igreja, a alegria dos fiéis, a honra dos que continuam a luta sacrossanta. 
  3. Elevam suas preces a Nossa Senhora Imperatriz da China, para que com desvelo de Mãe socorra e dê ânimo aos seus filhos que lutam para se manterem fiéis apesar de circunstâncias tão cruelmente hostis. 
São Paulo, 25 de fevereiro de 2018 
Instituto Plinio Corrêa de Oliveira

19 de fevereiro de 2018

O bom pastor dá a vida por suas ovelhas


Péricles Capanema 

Tenho lido sobre a situação dos católicos na China e despertam entusiasmo recentes atitudes do cardeal-arcebispo resignatário de Hong Kong, Dom Joseph Zen [foto acima], religioso salesiano, 85 anos, saúde delicada. Cada vez mais isolado nas cúpulas eclesiásticas, cada vez mais ligado e próximo ao católico comum, ao fiel que frequenta igrejas e sacristias (sou um deles). Por quê? Verba movent, exempla trahunt (As palavras movem, os exemplos arrastam). Peçamos a Deus que em seus próximos passos continue a brilhar a fidelidade, coragem e lucidez.

O perfil atual de Dom Joseph Zen o aproxima de um herói anticomunista, o Cardeal Mindszenty (1892-1975) [foto ao lado] que resistiu primeiro ao governo fascista; depois se opôs ao governo comunista de Budapeste (foi preso, torturado e condenado à prisão perpétua em 1949). Ficou na cadeia até ser libertado pelos insurgentes de 1956, quando se refugiou na embaixada dos Estados Unidos. 

Também se opôs à política de aproximação de Paulo VI com os governos comunistas da Europa Oriental (a chamada Ostpolitk chefiada pelo Cardeal Agostino Casaroli). A História já deu razão ao antigo primaz de Eztergom, situação que, aliás, lhe foi tirada por Paulo VI; o martirizado Cardeal era obstáculo aos acordos com Budapeste. 

Assim se referiu ao Cardeal Mindszenty o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira: “O non possumus firme de Vossa Eminência, repercutindo no mundo inteiro, vale por uma lição e por um exemplo próprios a manter os católicos na via da fidelidade aos ensinamentos tradicionais imprescritíveis, emanados da Cátedra de Pedro em antigos dias de luta e de glória. E é por esta razão que, a par da admiração, tributamos a Vossa Eminência um agradecimento profundo. […] O Reino Apostólico da Hungria recebeu desde Santo Estêvão a missão gloriosa de ser baluarte da Igreja e da Cristandade. Esta missão, ele a cumpre por inteiro em nossos dias, na Pessoa augusta de Vossa Eminência”

Ressoam as palavras de Nosso Senhor: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a sua vida pelas suas ovelhas. Porém o mercenário e o que não é pastor, de quem não são próprias as ovelhas, vê vir o lobo, e deixa as ovelhas; e foge; e o lobo arrebata e faz desgarrar as ovelhas”, Evangelho de São João.

A parábola faz lembrar Dom Joseph Zen. Pastor zeloso, recusa-se a virar as costas para ovelhas débeis e, congruentemente, sorridente acolher ferozes lobos. No caso, abrir as portas do redil. O Cardeal chinês defende a Igreja subterrânea — ameaçada de abandono e traição por muitos dos que a deviam proteger — denunciando perigos mortais na aceitação do predomínio da Igreja patriótica (fantoche do governo comunista), agora favorecida em sua subserviência nas tratativas levadas a cabo por diplomatas da Santa Sé.

Sintoma espantoso da presente situação, noticiou o “New York Times” de 11 de fevereiro que um dos dois bispos católicos da Igreja subterrânea de quem a Santa Sé reclama a renúncia, Dom Vicente Guo Xijin, bispo de Mindong, aceitou se demitir e ser substituído por um bispo da Igreja oficial, indicado pelos comunistas. 

Dom Joseph Zen comentou no seu blog recentes declarações do Cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado da Santa Sé, divulgadas por “La Stampa”, de Turim. Começa assim: “Não há razões para temer uma igreja cismática criada pelo Partido Comunista. Desaparecerá com o colapso do regime. Mas será horrível uma igreja cismática com as bênçãos papais”.

O Cardeal Pietro Parolin afirmou que iria curar as feridas dos católicos perseguidos na China continental com o “bálsamo da misericórdia”. Retrucou o Cardeal Zen: “Misericórdia para os perseguidores? Para seus cúmplices? Premiar traidores? Castigar os fiéis? Forçar um bispo legítimo a entregar seu lugar para um excomungado? De fato, é esfregar sal nas feridas. Noto que há contínua menção à sua compaixão pelos sofrimentos de nossos irmãos na China. Lágrimas de crocodilo”.

“[Os católicos chineses] são vítimas da perseguição de um poder ateu totalitário. Empregar o bálsamo da misericórdia? Não há agravos pessoais a ser perdoados. Eles precisam ser libertados da escravidão. Esta situação dolorosa não foi criada por nós, mas pelo regime. Os comunistas querem escravizar a Igreja”

Dom Joseph Zen relaciona a presente situação com o passado recente da Igreja: “[O cardeal Parolin] adora a diplomacia da Ostpolitik de seu professor, Casaroli”.

Em matéria do “Wall Street Journal”, 14 de fevereiro, o Arcebispo resignatário de Hong Kong analisou as notícias de que a China exige que a Santa Sé aceite os sete bispos da chamada Igreja Patriótica, bem como que dois bispos fiéis a Roma apresentem renúncia para dar lugar a dois indicados pelo governo. Sobre tais tratativas, advertiu o Cardeal-arcebispo: “Colocam-se lobos na direção do rebanho e eles farão um massacre. Estão indicando más pessoas como pastores do rebanho”. 

O que querem os católicos chineses? Responde o Purpurado em seu blog: “Verdadeira liberdade religiosa, que não prejudique, antes favoreça o verdadeiro bem da nação”.

Também foi claro a respeito de sua posição relativa ao Papa Francisco: “Continuo convencido de que existe uma divisão na maneira de pensar entre Sua Santidade e seus colaboradores que se aproveitam do otimismo do Papa. Até que me seja provado o contrário, estou convencido de que defendi o bom nome do Papa, tirando-lhe a responsabilidade das coisas erradas que vêm sendo feitas por seus colaboradores. Se algum dia forem assinados estes maus acordos com a China, obviamente terão o apoio do Papa, então eu me retirarei em silêncio para uma vida monástica. Não serei chefe de rebelião contra o Sumo Pontífice, o Vigário de Cristo na Terra”.

14 de fevereiro de 2018

Arcebispo esbofeteia impiedosamente a verdade


Péricles Capanema

“Neste momento, os que melhor aplicam a doutrina social da Igreja são os chineses”. Chineses aqui são o Partido Comunista da China e o governo da China Popular. O autor da frase é o arcebispo Dom Marcelo Sánchez Sorondo [foto ao lado], chanceler da Pontifícia Academia das Ciências e da Pontifícia Academia de Ciências Sociais. Argentino como o Papa Francisco, é tido como conselheiro próximo do Pontífice. 

Meses atrás o Prelado visitou rapidamente a China, foi recebido com salamaleques em visita controlada e agora, repentinamente, resolveu falar. Desembestou nas bajulações escandalosas: “Os chineses buscam o bem comum, subordinam as coisas ao bem geral. Encontrei uma China extraordinária, o que o pessoal não sabe é que o princípio central chinês é trabalho, trabalho, trabalho. Nada além, no fundo é como dizia São Paulo, quem não trabalha, que não coma. Não têm favelas, não têm drogas, os jovens não têm droga. Existe como que uma consciência nacional positiva”. Pequim “está defendendo a dignidade da pessoa, seguindo mais que outros países a encíclica de Francisco ‘Laudato sì’”

Para ficar completo o servilismo, não poderia faltar o ataque aos Estados Unidos: “A economia não domina a política, como acontece nos Estados Unidos. Como é possível que as multinacionais do petróleo manipulem o Trump? O pensamento liberal liquidou o conceito de bem comum. Em sentido contrário, os chineses propõem trabalho e bem comum”

Abaixo lembrarei pontos de doutrina. Antes, fatos. Afirmei acima, repentinamente o Prelado resolveu falar. Em termos. Tais declarações não devem ser vistas no mínimo apenas como cadência trágica de covardias diante do tirano intimidador e prepotente. Além de eventuais consonâncias ideológicas — sempre presente entre o Progressismo e o Comunismo (são delas tristes e frisantes exemplos frei Betto e o ex-frei Boff) — esse rebaixamento degradante deve ser analisado no contexto da presente aproximação entre o Vaticano e o governo chinês. 

As notícias a respeito das tratativas puseram em choque os católicos e bispos fieis a Roma, hoje na clandestinidade (a chamada Igreja subterrânea), preteridos por bispos e seguidores da Associação Patriótica Católica Chinesa, organismo estatal fundado em 1957 pelo governo para controlar os católicos do País (ela comanda a chamada Igreja oficial, subserviente a Pequim). A mencionada Associação, segundo texto dela, procura implementar “os princípios da independência e autonomia, autogestão e administração democrática” na Igreja Católica da China. Resumido, é organização fantoche do governo e do Partido Comunista. Alguns de seus membros nem se declaram católicos. 


Emissários da Santa Sé tentam subordinar a ação pastoral de bispos leais a Roma aos bispos indicados por Pequim, subordinar a Igreja subterrânea à Igreja dita patriótica; em uma palavra, são entregues os perseguidos aos perseguidores. O Cardeal Dom Joseph Zen [foto ao lado], arcebispo resignatário de Hong Kong, tomou a defesa dos bispos e dos católicos leais a Roma, abrindo crise séria com a Santa Sé. Adverte o anterior Cardeal de Hong Kong: “Nos últimos dias, irmãos e irmãs vivendo na China continental foram informados que o Vaticano está pronto para se render ao Partido Comunista da China”. Continua o Purpurado: “Percebendo que os bispos ilegítimos e excomungados vão ser legitimados e que os bispos legítimos serão obrigados a se demitir, é forçoso que os bispos legítimos e clandestinos estejam preocupados com seu destino. Quantas noites de sofrimento padres e leigos terão de passar pensando que, curvados, terão de obedecer bispos agora ilegítimos e excomungados, amanhã legitimados pela Santa Sé e apoiados pelo governo?”

O Cardeal Zen informou ainda que o Papa Francisco o advertiu, não quer um “novo caso Mindszenty”. O Cardeal Mindszenty [foto acima] se opôs ao governo comunista húngaro e à política de aproximação de Paulo VI com o governo comunista húngaro.

Outros fatos. Dom Sánchez Sorondo garantiu, os chineses “não têm drogas, os jovens não têm droga”. Vai contra o que dizem os próprios chineses. A Comissão Nacional de Controle de Narcóticos, órgão do governo comunista chinês, em recente declaração oficial advertiu que o problema das drogas no país está “se disseminando com grande velocidade”. E a organização Human Rights Watch condena o “tratamento cruel, desumano e degradante” padecido pelos viciados e traficantes nas prisões chinesas. Uma parte, e não pequena, é fuzilada, outra é internada compulsoriamente em locais de reabilitação. A China, que não fornece dados, apavorantes certamente, é tida como o que mais fuzila condenados no mundo, milhares anualmente. Existência de
favelas. Sonha dom Marcelo: a China “não tem favelas”. Pergunta o padre Bernardo Cervellera [foto acima], missionário do Instituto Pontifício de Missões Exteriores (PIME) e diretor de AsiaNews, especialista em assuntos chineses: “Nosso bispo tentou ir ao sul de Pequim? Ali o governo está fazendo sem-tetos aos milhares, desalojando trabalhadores migrantes. Visitou a periferia de Shanghai? Visitou as periferias das grandes megalópoles chinesas?” [um exemplo ao lado] Claro, nada disso viu o apressado e louvaminheiro eclesiástico. 

Agora, um ponto de doutrina. João XXIII, na “Mater et Magistra” define o bem comum como o conjunto das condições da vida social que permite às pessoas, às famílias e aos grupos alcançarem de maneira mais fácil e plena a própria perfeição. Fica claro, o bem comum facilita a busca da perfeição nos mais variados campos. Começo pelo religioso. No caso, o bem comum deve facilitar a “salus animarum”, a salvação das almas. As gravíssimas advertências do Cardeal-Arcebispo resignatário de Hong Kong me dispensam de comentar qualquer coisa a respeito. Falei em liberdade religiosa. Recordo agora o ambiente favorável ao desenvolvimento das virtudes morais (alcançar mais facilmente a própria perfeição, ensina João XXIII). O governo chinês as favorece? Por exemplo, o fortalecimento da personalidade, com a consequente ampliação do âmbito da autonomia, é favorecido por governos totalitários? Seria um disparate afirmá-lo. Favorece o pleno desenvolvimento das famílias? E a política, agora oficialmente suprimida pelo desastre monumental que ocasionou, de um filho por família? E a imposição dos abortos? Milhões e milhões de abortos impostos a cada ano. Poderia lembrar, sem fim, pontos apavorantes. 

Foi título do artigo: Arcebispo esbofeteia impiedosamente a verdade. Está bem, mas vou acrescentar um advérbio: O Arcebispo esbofeteia impune e impiedosamente a verdade. Deixando mais claro: Na subserviência escandalosa aos tiranos, o Arcebispo impune, impiedosamente esbofeteia a verdade.

18 de setembro de 2015

Os atos de governo do Papa podem ser questionados?


Roberto de Mattei 
Tradução: FratresInUnum.com 

Em penetrante artigo, Sandro Magister documentou o vulnus (a ferida) infligido ao matrimônio católico pelos dois Motu Proprio do Papa Francisco, o qual se acrescentou às observações de Antonio Socci no jornal “Libero”, de Paolo Pasqualucci no blog “Chiesa e postconcilio” e minhas no site da agência de imprensa “Corrispondenza Romana”. 

Além disso, no dia 10 de setembro último, chegou-nos a confirmação da existência de um clima de séria preocupação no Vaticano, numa reportagem do jornal alemão "Die Zeit" a respeito do dossiê que ali circularia contra a reforma dos processos de nulidade matrimonial do Papa Francisco (cfr. click aqui e aqui). 

Um problema delicado se levanta para muitas consciências nesse particular. Seja qual for o juízo que se faça a respeito dos Motu Proprio, estes se apresentam como um ato pessoal e direto de governo do Sumo Pontífice. Surgem então as perguntas: Pode um Papa errar na promulgação de uma lei eclesiástica? E caso um fiel esteja em desacordo com essa lei, não ficaria ele obrigado a guardar silêncio? A resposta provém da doutrina e da história da Igreja. 

Muitas vezes tem de fato ocorrido de os Papas errarem em seus atos políticos, pastorais e até magisteriais, sem que isso tenha prejudicado de nenhum modo a validade do dogma da infalibilidade pontifícia. A resistência dos fiéis a esses atos errôneos dos Sumos Pontífices, e em alguns casos até ilegítimos, tem sido sempre benéfica para a vida da Igreja.

Prisão de Pio VII (Museu Chiaramonti)
Sem remontar demasiadamente no tempo, deter-me-ei num acontecimento que data de dois séculos atrás. O pontificado de Pio VII (Gregório Chiaramonti, que governou a Igreja entre 1800 e 1823), como o de seu predecessor Pio VI, conheceu momentos de dolorosa tensão e de áspera luta entre a Santa Sé e Napoleão Bonaparte, imperador dos franceses. Em 15 de julho de 1801, Pio VII assinou uma concordata com Napoleão, pensando com isso encerrar a época da Revolução Francesa. Mas Bonaparte demonstrou pouco depois que sua verdadeira intenção era de criar uma Igreja nacional a serviço de seu poder. Em 12 de dezembro de 1804, Napoleão coroou-se imperador com as próprias mãos (na presença do Papa) e, poucos anos mais tarde, invadiu novamente Roma, anexando os Estados Pontifícios à França. O Papa foi aprisionado [quadro acima], transferido para Grenoble e depois para Savona (1809-1812).

O embate tornou-se mais agudo por ocasião do segundo casamento do imperador. Napoleão tinha se casado com Josefina de Beauharnais no dia 2 de dezembro de 1804, na véspera da coroação, após a imperatriz ter-se jogado aos pés de Pio VII e confessado que estava unida ao imperador apenas por um casamento civil. O Papa fez então saber a Napoleão que não participaria da cerimônia de coroação senão depois de o casal estar regularmente unido pelos laços sagrados do matrimônio religioso. O casamento foi precipitadamente celebrado naquela noite pelo Cardeal Fesch, tio de Napoleão. 

Josefina, porém, não deu herdeiros a Napoleão, e suas origens não eram suficientemente ilustres para um homem que queria governar a Europa e aparentar-se com seus soberanos. O imperador decidiu então fazer anular seu matrimônio, para poder casar-se com Maria Luísa de Áustria [irmã da Imperatriz Leopoldina – N. do T.], filha do mais importante soberano europeu. 

Em 1810 um senatus consultus dissolveu o matrimônio civil, e imediatamente depois o tribunal diocesano de Paris sentenciou a nulidade do matrimônio religioso de Napoleão com Josefina. A Santa Sé não reconheceu essa declaração de nulidade, emanada de prelados complacentes, e quando, em 2 de abril de 1810, o imperador entrou na capela do Louvre para suas segundas núpcias com Maria Luísa, encontrou vazios os lugares de treze cardeais convidados à cerimônia. 

Com seu gesto, esses cardeais tinham querido exprimir sua convicção de que a declaração de nulidade do matrimônio podia emanar unicamente do Papa. O imperador tratou-os como rebeldes e inimigos do Estado, e os condenou a depor imediatamente suas vestimentas e insígnias cardinalícias e a trajar-se como simples sacerdotes: daí eles ganharem o nome de “cardeais negros” ou “zelanti” (zelosos), em contraste com os “vermelhos”, ligados a Napoleão e favoráveis ao seu novo casamento. 

Pio VII oscilou entre as duas tendências, mas em 25 de janeiro de 1813, abatido pela luta, firmou um Tratado entre a Santa Sé e o imperador, no qual subscreveu certas exigências incompatíveis com a doutrina católica. O documento, conhecido como “Concordata de Fontainebleau” (cfr. o texto em Enchiridion dei Concordati. Due secoli dei rapporti Chiesa-Stato, EDB, Bologna, 2003, nn. 44-55) aceitava de fato o princípio da submissão da Santa Sé às autoridades nacionais francesas, colocando a Igreja nas mãos do imperador. 

Esse ato, no qual o Papa agia publicamente enquanto cabeça da Igreja Católica, foi imediatamente julgado pelos fiéis da época como catastrófico e ainda é considerado como tal pelos historiadores católicos. O Pe. Ilario Rinieri, que dedicou três volumes ao estudo das relações entre Pio VII e Napoleão, escreve que a Concordata de Fontainebleau “foi desastrosa como nunca para a soberania do Pontífice Romano e para a própria Sé apostólica” (Napoleone e Pio VII [1804-1813]. Relazioni storiche su documenti inediti dell’archivio vaticano, Unione Tipografico-Editrice, Torino, 1906, vol. III, p. 323), acrescentando: “Como o Santo Padre Pio VII foi capaz de deixar-se induzir a subscrever um tratado que continha condições tão desastrosas, é um desses fenômenos cuja explicação ultrapassa os direitos da história” (ibid., p. 325). 

“Não é possível descrever a impressão sinistra e o péssimo efeito que a publicação dessa Concordata produziu”, lembra o Cardeal Bartolomeu Pacca (1756-1844) nas suas Memórias históricas (Ghiringhello e Vaccarino, Roma, 1836, vol. I, p. 190). Não faltaram os que acolheram a Concordata com entusiasmo, nem aqueles que, criticando-a por debaixo do pano, não tinham ousado exprimir-se publicamente, por servilismo ou por uma formação teológica errada. O Cardeal Pacca, pro-Secretário de Estado de Pio VII, porém, pertencia àquela turma de cardeais que, após terem tentado em vão dissuadir o Papa de assinar o documento, declararam que “não havia outro remédio para o escândalo dado ao catolicismo e os gravíssimos males que a execução de tal Concordata acarretaria para a Igreja, senão uma imediata retratação e uma anulação geral de tudo por parte do Papa; e alegavam o exemplo de Pascoal II, conhecidíssimo na história eclesiástica” (Memórias históricas, vol II. p. 88). 

A retratação veio. Diante das censuras dos cardeais “zelanti”, Pio VII, com muita humildade, deu-se conta do erro e, em 24 de março de 1813, assinou uma carta a Napoleão, na qual se leem as seguintes palavras: “Daquele documento, apesar de subscrito por Nós, diremos a Vossa Majestade o mesmo que teve a dizer nosso Predecessor Pascoal II no caso similar de um escrito por ele assinado que continha uma concessão a favor de Henrique V [imperador do Sacro Império Romano Germânico], da qual a sua consciência teve motivos para arrepender-se: ‘como reconhecemos tal escrito como mal feito, da mesma maneira como mal feito o confessamos, e com a ajuda do Senhor desejamos que imediatamente seja emendado, a fim de que dele não resulte nenhum dano para a Igreja e nenhum prejuízo para a Nossa alma’” (Enchiridion, cit. n° 45, pp. 16-21). 

Venerável Pio Bruno Lanteri
Na Itália, a retratação do Papa não foi conhecida logo em seguida, mas apenas a Concordata por ele assinada. O venerável Pio Brunone Lanteri (1759-1830), que dirigia o movimento das Amicizie Cattoliche (“Amizades Católicas”), compôs imediatamente um documento de firme crítica ao ato do Pontífice, escrevendo entre outras coisas o seguinte: “Mas objetar-se-á que o Santo Padre tudo pode: ’quodcumque solveris, quodcumque ligaveris etc.’ É verdade, mas ele não pode nada contra a divina constituição da Igreja; ele é Vigário de Deus, mas não é Deus, nem pode destruir a obra de Deus” (Scritti e documenti d’Archivio,II, “Polemici-Apologetici”,Edizione Lanteri, Roma-Fermo, 2002, p. 1024). 

O venerável Lanteri, que era um incansável defensor dos direitos do Papado, admitia a possibilidade de resistir ao Pontífice em caso de erro, sabendo que o poder do Papa é supremo, mas não ilimitado nem arbitrário. O Papa deve, como todo fiel, respeitar as leis natural e divina, das quais ele é, por mandato divino, o guardião. Ele não pode mudar a regra da Fé nem a constituição divina da Igreja (por exemplo, os sete Sacramentos), da mesma forma como os soberanos temporais não podem mudar as leis fundamentais do reino, porque, como lembra Bossuet, violando-as “abalam-se todos os fundamentos da terra (Sl 81,5)” (Jacques-Benigne Bossuet, Politique tirée des propres paroles de l’Ecriture Sainte, Droz, Genebra, 1967, p. 28). 

Ninguém poderia acusar o Cardeal Pacca de empregar uma linguagem excessivamente forte, nem o venerável Pio Brunone Lanteri de fraca adesão ao Papado. As Concordatas, como os Motu Proprio, as Constituições Apostólicas, as Encíclicas, as Bulas, os Breves, são atos magisteriais e legislativos que exprimem os ensinamentos e a vontade pontifícia, mas que não são infalíveis, a menos que o Pontífice, no ato de promulgá-los, manifeste a intenção clara de definir pontos de doutrina ou de moral de maneira vinculante para todos os católicos (cfr. R. Naz, “Lois ecclésiastiques”, in Dictionnaire de Théologie catholique, vol. VI, coll. 635-677). 

O Motu Proprio do Papa Francisco sobre as declarações de nulidade matrimonial é um ato de governo que pode ser contraditado e revogado por um ato de governo sucessivo. O Motu Proprio Summorum Pontificum de Bento XVI sobre a liturgia tradicional, de 7 de julho de 2007, foi vigorosamente debatido e criticado (cfr. por exemplo a confrontação a duas vozes entre Andrea Grillo e Pietro De Marco, Ecclesia universa o introversa. Dibattito sul motu proprio Summorum Pontificum, Edizioni San Paolo, Cinisello Balsamo, 2013).

Até o próximo dia 8 de dezembro, o Motu Proprio do Papa Francisco – que foi até aqui o seu mais revolucionário ato de governo – ainda não terá entrado em vigor. Será ilegítimo solicitar ao Sínodo que discuta essa reforma matrimonial e que um grupo de cardeais “zelanti” requeira a sua revogação?

8 de novembro de 2014

Ainda sobre o Sínodo que deveria ter sido em defesa da família

Abaixo transcrevo uma excelente matéria do Prof. Roberto de Mattei — conceituado historiador, professor de História da Igreja e do Cristianismo na Universidade Europeia de Roma. 

Em tal matéria, publicada no site do autor ("Corrispondenza Romana" , em 5-11-14), desenvolve-se e aprofunda o tema que temos tratado neste espaço sobre o tão caótico "Sínodo da Família", transcorrido no Vaticano em outubro último. Assunto que muito nos concerne, pois, segundo o intelectual italiano, está em curso uma tentativa de republicanizar a Igreja e os católicos devemos saber como resistir a essa tentativa autodemolidora.

Esse sínodo dos bispos bem poderia passar para a História como "Sínodo Anti-Família", uma vez que fracassou no que deveria ter sido seu objetivo: fortalecer os valores da instituição familiar que têm sido "bombardeados" por princípios e costumes desse mundo neo-pagão. 

O texto que segue foi traduzido por Hélio Dias Viana, a quem agradecemos a gentileza. 

O Concílio Vaticano I e o Sínodo de 2014 

Roberto de Mattei 
Corrispondenza Romana
5 de novembro de 2014 

A fase histórica que se abre após o Sínodo de 2014 exige da parte dos católicos não somente a disponibilidade para a polêmica e a luta, mas também uma atitude de prudente reflexão e estudo dos novos problemas que estão sobre o tapete. 

O primeiro desses problemas é a relação dos fiéis com uma autoridade que parece estar faltando com a sua missão. O cardeal Burke, em uma entrevista à "Vida Nueva" em 30 de outubro, afirmou que “há uma forte sensação de que a igreja está como um navio sem timão”. A imagem é forte, mas corresponde perfeitamente ao quadro geral.

O caminho a seguir nesta confusa situação não é por certo o de substituir o Papa e os bispos à frente da Igreja, em cujo supremo timão permanece sempre Jesus Cristo. A Igreja não é uma assembléia democrática, mas uma sociedade monárquica e hierárquica fundada divinamente sobre a instituição do Papado, que representa a pedra insubstituível. O sonho progressista de republicanizar a Igreja e de transformá-la em um estado de colegialidade permanente é destinado a colidir com a constituição Pastor Aeternus, do Concílio Vaticano I, que definiu não só o dogma da infalibilidade, mas sobretudo o poder pleno e imediato do Papa sobre todos os bispos e toda a Igreja. 

Nas discussões do Concílio Vaticano I, a minoria anti-infalibilista, ecoando a tese conciliarista e galicana, afirmava que a autoridade do Papa não residia apenas no Pontífice, mas no Papa unido aos bispos. Um grupinho de Padres conciliares pediu a Pio IX [quadro abaixo] para declarar no texto dogmático que o Pontífice era infalível pelo testemunho das Igrejas (“nixus testimonio Ecclesiarum”), mas o Papa quis retocar o esquema no sentido oposto, fazendo adicionar à fórmula “ideoque eiusmodi Romani Ponti-ficis definitionis esse ex se irreformabilis” o inciso “non autem ex consensu Ecclesiae” (estas definições do Romano Pontífice são, portanto, irreformáveis per se e não pelo consenso da Igreja), para esclarecer definitivamente que o consentimento da Igreja não constituía em absoluto condição para a infalibilidade das definições ex cathedra. 
Bem-aventurado Pio IX: o poder supremo do Papa não é por delegação de todos os bispos ou de toda a Igreja, mas em virtude de um direito divino.
Em 18 de julho, na presença de uma imensa multidão que enchia a Basílica, o texto final da Constituição Apostólica Pastor Aeternus foi aprovado com 525 votos a favor e dois contra. Cinquenta e cinco membros da oposição se abstiveram. Logo após a votação, Pio IX promulgou solenemente a referida Constituição como regra de fé. 

A Pastor Aeternus afirma que o primado do Papa consiste em um poder real e supremo de jurisdição, independente de qualquer outro poder, sobre todos os Bispos e todo o rebanho de fiéis. Ele tem esse poder supremo não por delegação de todos os bispos ou de toda a Igreja, mas em virtude de um direito divino. O fundamento da soberania papal não consiste no carisma da infalibilidade, mas na primazia apostólica que o Papa possui sobre a Igreja universal como sucessor de Pedro e Príncipe dos Apóstolos. 

A Constituição Pastor Aeternus afirma com clareza quais são as condições da infalibilidade papal. Estas condições foram amplamente ilustradas, na sua intervenção de 11 de julho de 1870, por Dom Vincent Gasser, bispo de Brixen e porta-voz oficial da defesa da fé. Em primeiro lugar, precisou Dom Gasser, o Papa não é infalível como pessoa privada, mas como “pessoa pública”. E por “pessoa pública” deve-se entender que o Papa está cumprindo o seu oficio falando ex cathedra como Doutor e Pastor universal; em segundo lugar, o Papa deve exprimir-se em matéria de fé ou de costume, res fidei vel morum. Por fim, ele deve querer pronunciar uma sentença definitiva sobre a matéria objeto de sua intervenção. A natureza do ato que empenha a infalibilidade do Papa deve ser expressa pela palavra “definir”, que tem como correlativo a fórmula ex cathedra. 

O Papa não é infalível quando exerce o seu poder de governo: as leis disciplinares da Igreja, diversamente das leis divinas e naturais, podem de fato mudar. Mas é de fé divina e, portanto, assegurada pelo carisma da infalibilidade, a constituição monárquica da Igreja, que confere ao Romano Pontífice a plenitude da autoridade. Esta jurisdição compreende, além do poder de governo, o de Magistério. 

A infalibilidade do Papa não significa de forma alguma que ele goza, em matéria de governança e de ensino, de um poder ilimitado e arbitrário. O dogma da infalibilidade, enquanto define um supremo privilégio, fixa limites precisos, admitindo a possibilidade da infidelidade, do erro, da traição. Nas orações pelo Sumo Pontífice não haveria do contrário necessidade de se rezar “ut non tradat in animam inimicorum eius”. Se fosse impossível o Papa passar para o campo inimigo, não ocorreria rezar para que tal não aconteça. Mas a traição de Pedro é o paradigma de uma possível infidelidade que paira desde então sobre todos os Papas da História até o fim do mundo. 

Apesar de ser a mais alta autoridade na Terra, o Papa está suspenso entre os cumes de uma fidelidade heroica ao seu mandato e o abismo sempre presente da apostasia. Estes são os problemas que o Concílio Vaticano I teria enfrentado se não tivesse sido suspenso em 20 de outubro de 1870, um mês após a entrada do exército italiano em Roma. São estas as questões que os católicos ligados à Tradição devem hoje estudar e aprofundar. Sem negar de nenhum modo a infalibilidade do Papa e a sua suprema autoridade de governo, é possível e de que modo resistir-lhe, se ele falhar em sua missão, que é a de assegurar a transmissão inalterada do depósito da fé e da moral entregue por Jesus Cristo à Igreja?

Este não foi, infelizmente, o caminho seguido pelo Concílio Vaticano II, que também se propôs continuar, e de algum modo integrar, o Vaticano I. A tese da minoria anti-infalibilista, derrotada por Pio IX, ressurgiu na aula do Vaticano II sob a nova forma do princípio da colegialidade. Segundo alguns membros da Nouvelle Théologie, como o Padre Yves Congar, a minoria de 1870 obteve, quase um século depois, uma estrondosa revanche. Se o Vaticano I havia concebido o Papa como o vértice de uma perfecta societas, hierárquica e visível, o Vaticano II e, sobretudo, os provimentos pós-conciliares, redistribuíram o poder no sentido horizontal, atribuindo-o às Conferências Episcopais e às estruturas sinodais. 

Hoje o poder da Igreja parece ter sido transferido para o “povo de Deus”, que compreende as dioceses, as comunidades de base, as paróquias, os movimentos e associações de fiéis. A infalibilidade e a suprema jurisdição, subtraídas à autoridade papal, são atribuídas à base católica, cujas exigências os Pastores da Igreja devem se cingir a interpretar e expressar. O Sínodo dos Bispos de outubro pôs em evidência os resultados catastróficos desta nova eclesiologia, que pretende basear-se em uma “vontade geral” expressa através de pesquisas e questionários de todos os tipos. Mas qual é hoje a vontade do Papa, ao qual compete por mandato divino a missão de preservar a lei natural e divina?

O certo é que em tempos de crise como a que atravessamos, todos os batizados têm o direito de defender a sua fé, ainda que opondo-se aos pastores inadimplentes. Aos Pastores e teólogos autenticamente ortodoxos incumbe por sua vez a tarefa de estudar a extensão e os limites deste direito de resistência.