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Em 6 de janeiro último, foi difundida em todas as redes sociais do mundo, uma videomensagem do Papa Francisco dedicada ao diálogo interreligioso, onde católicos, budistas, muçulmanos e judeus parecem colocados no mesmo plano como “filhos de (um) Deus” |
Roberto de Mattei (*)
Em uma longa entrevista aparecida em 30 de dezembro no semanário alemão "Die Zeit", o cardeal Gerhard Ludwig Müller, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, levanta uma questão de crucial atualidade. Quando perguntado pela entrevistadora sobre o que pensa daqueles católicos que atacam o Papa, definindo-o de “herege”, ele responde: “Não só pelo meu ofício, mas pela convicção pessoal, devo dissentir. Herege na definição teológica é um católico que nega obstinadamente uma verdade revelada e proposta como tal pela Igreja para ser crida. Outra coisa é quando aqueles que são oficialmente encarregados de ensinar a fé se exprimem de forma talvez infeliz, enganosa ou vaga. O magistério do Papa e dos bispos não é superior à Palavra de Deus, mas a serve. [...] Pronunciamentos papais têm ademais um caráter vinculante diverso – desde uma decisão definitiva pronunciada ex cathedra até uma homilia que serve bastante para o aprofundamento espiritual.”
Tende-se hoje a cair em uma dicotomia simplista entre heresia e ortodoxia. As palavras do cardeal Müller nos lembram que entre o branco (a plena ortodoxia) e o preto (a heresia aberta) há uma zona cinzenta que os teólogos têm explorado com precisão. Existem proposições doutrinárias que embora não sendo explicitamente heréticas, são reprovadas pela Igreja com qualificações teológicas proporcionais à gravidade e ao contraste com a doutrina católica. A oposição à verdade apresenta de fato diferentes graus, conforme seja direta ou indireta, imediata ou remota, aberta ou dissimulada, e assim por diante. As “censuras teológicas” (não confundir com as censuras ou penas eclesiásticas) expressam, como explica em seu clássico estudo o padre Sisto Cartechini, o julgamento negativo da Igreja sobre uma expressão, uma opinião ou toda uma doutrina teológica (Dall' opinione al domma. Valore delle note teologiche, Edizioni “La Civiltà Cattolica”, Roma, 1953). Este julgamento pode ser privado, se for dado por um ou mais teólogos por conta própria, ou público e oficial, se promulgado pela autoridade eclesiástica.
O Dicionário de Teologia Dogmática do cardeal Pietro Parente e de monsenhor Antonio Piolanti resume a doutrina: “As fórmulas de censura são muitas, com uma gradação que vai do mínimo ao máximo. Elas podem ser agrupadas em três categorias: Primeira categoria: em relação ao conteúdo doutrinário uma proposição pode ser censurada como: a) herética, caso se oponha abertamente a uma verdade de fé definida como tal pela Igreja; segundo a maior ou menor oposição a proposição pode dizer-se próxima da heresia, de sabor herético; b) errônea na fé, caso se oponha a uma grave conclusão teológica derivada de uma verdade revelada e de um princípio da razão; a proposição é censurada como temerária caso se oponha a uma simples sentença comum entre os teólogos. Segunda categoria: em relação à forma defeituosa, pela qual a proposição é considerada equivocada, dúbia, capciosa, suspeita, mal soante etc. embora não contradizendo alguma verdade de fé sob o ponto de vista doutrinário. Terceira categoria: em relação aos efeitos que podem ser produzidos pelas circunstâncias particulares de tempo e de lugar, embora não sendo errônea no conteúdo e na forma. Em tal caso a proposição é censurada como perversa, viciosa, escandalosa, perigosa, sedutora dos simples” (Dizionario di teologia dogmatica, Studium, Roma 1943, pp. 45-46). Em todos esses casos a verdade católica é desprovida de integridade doutrinária ou expressa de maneira carente e imprópria.
Esta precisão na qualificação dos erros se desenvolveu sobretudo entre os séculos XVII e XVIII, quando a Igreja se confrontou com a primeira heresia que lutou para permanecer interna: o jansenismo. A estratégia dos jansenistas, como mais tarde a dos modernistas, era de continuar a autoproclamar sua plena ortodoxia, apesar das reiteradas condenações. Para evitar a acusação de heresia, eles se empenharam em encontrar fórmulas de fé e de moral ambíguas e equivocadas, que não se opunham frontalmente à fé católica e lhes permitiam permanecer na Igreja. Com igual precisão e determinação os teólogos ortodoxos especificaram os erros dos jansenistas, rotulando-os segundo as suas características específicas.
O Papa Clemente XI, na bula Unigenitus Dei filius, de 8 de setembro de 1713, censurou 101 proposições do livro Réflexions morales do teólogo jansenista Pasquier Quesnel como, entre outras coisas, "falsas, capciosas, mal soantes, ofensivas aos ouvidos pios, escandalosas, perniciosas, temerárias, ofensivas à Igreja e às suas práticas, suspeitas de heresia, com cheiro de heresia, aptas a favorecer os hereges, as heresias e o cisma, errôneas e próximas da heresia” (Denz.-H, nº 2502).
Pio VI, na bula Auctorem fidei de 28 de agosto de 1794, condenou por sua vez oitenta e cinco proposições extraídas das atas do Sínodo jansenista de Pistoia (1786). Algumas dessas proposições do Sínodo são expressamente qualificadas como heréticas, enquanto outras são definidas, segundo o caso, de cismáticas, suspeitas de heresia, indutoras da heresia, favoráveis aos hereges, falsas, errôneas, perniciosas, escandalosas, temerárias, injuriosas à prática comum da igreja (Denz.H, nºs. 2600-2700).
Cada um desses termos tem um significado diferente. Assim, a proposição na qual o Sínodo professa “estar persuadido de que o Bispo recebeu de Jesus Cristo todos os direitos necessários para o bom governo da sua diocese”, independentemente do Papa e dos Concílios (no. 6), é “errônea” e “induz ao cisma e à subversão do regime hierárquico”; aquela em que se rejeita o limbo (no. 26) é considerada “falsa, temerária, ofensiva às escolas católicas”; a proposição que proíbe a colocação no altar de relicários ou flores (nº 32) é qualificada de “temerária, injuriosa ao piedoso e reconhecido costume da Igreja”; aquela que auspicia o retorno aos rudimentos arcaicos da liturgia, “voltando a uma maior simplicidade de ritos, expondo-a em vernáculo e pronunciando-a em voz alta” (nº 33), é definida como “temerária, ofensiva aos ouvidos pios, ultrajantes à Igreja, favoráveis às maledicências dos hereges contra a própria Igreja”.
Uma análise do Relatório Final do Sínodo dos Bispos de 2015, conduzida segundo os princípios da teologia e da moral católica, não pode senão encontrar graves lacunas naquele documento. Muitas de suas proposições poderiam ser definidas como mal soantes, errôneas, temerárias, e assim por diante, embora de nenhuma se possa dizer que seja formalmente herética.
Mais recentemente, em 6 de janeiro de 2016, foi difundida em todas as redes sociais do mundo, uma videomensagem do Papa Francisco dedicada ao diálogo interreligioso, onde católicos, budistas, judeus e muçulmanos parecem colocados no mesmo plano como “filhos de (um) Deus” que cada um encontra na sua própria religião, em nome de uma comum profissão de fé no amor. As palavras de Francisco, combinadas com as dos outros protagonistas do vídeo e sobretudo com as imagens, veiculam uma mensagem sincretista que contradiz, pelo menos indiretamente, o ensinamento sobre a unicidade e a universalidade da missão salvífica de Jesus Cristo e da Igreja, reafirmado pela encíclica Mortalium animos de Pio XI (1928) e pela Declaração Dominus Jesu, do então Prefeito da Congregação da Doutrina Fé, cardeal Joseph Ratzinger (6 de agosto de 2000).
Se quisermos, como simples católicos batizados, aplicar as censuras teológicas da Igreja a esse vídeo, deveríamos defini-lo como: favorecedor da heresia quanto ao conteúdo; equivocado e capcioso no que diz respeito à forma; escandaloso quanto aos efeitos sobre as almas. Contudo, o julgamento público e oficial de seu conteúdo incumbe à autoridade eclesiástica, e ninguém melhor nem com mais título que o atual Prefeito da Congregação para a Doutrina Fé para exprimir-se a respeito. Muitos católicos desconcertados clamam por isso em alta voz.
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(*) Fonte: "Corrispondenza Romana" (13 de dezembro de 2015). Este texto foi traduzido do original italiano por Hélio Dias Viana.