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7 de maio de 2025

AO PAPA IGNOTO

Emblema da Santa Sé quando a sede está vacante, enquanto se espera o anúncio do novo Papa


  Paulo Roberto Campos

Dois dias antes do início do Conclave de 1978, que elegeu o Papa João Paulo II, Plinio Corrêa de Oliveira, em seu artigo para a “Folha de São Paulo” (14-10-1978) com o título em epígrafe, levantou a pergunta:

“Quantos dias durará a escolha do novo Papa? Quem será o novo Papa?” 

Continua o brilhante articulista: 

“Essa questão parece que se vai tornando mais enigmática, à medida que o tempo corre. Ora, antes mesmo que se saiba quem ele será, desejo dirigir-lhe aqui uma súplica. Pois a magnitude do que vou pedir excede às circunstâncias pessoais de quem venha a ser eleito. Escrevo, pois, ao Papa Ignoto”. 

Seu premente pedido foi: 

“Santo Padre, o Brasil é, no mundo de hoje, o País de maior população católica. A unidade civil desse enorme bloco religioso é fator fundamental para que ele possa dar inteiro cumprimento, entre as nações, à sua vocação cristã. Ora, essa unidade está ameaçada. Um só gesto vosso bastará para salvá-la. Fazei esse gesto logo nos primeiros dias após vossa eleição. Ela será o pórtico de glória com que se abrirá vosso Pontificado.

“Santo Padre, afastai o perigo com que se defronta a unidade do Brasil”.

“Como se vê, qualquer que seja a nacionalidade do futuro Pontífice, seja ele bispo diocesano ou cardeal de Cúria, pouco importa. Minha súplica é tal que, para ser bem acolhida, basta que ele seja simplesmente Papa”. 

O Prof. Plinio expõe um fato concreto daquele ano e uma questão específica “chefiada por sacerdotes e freiras progressistas e esquerdistas”, mas, no fundo, é a mesma questão que persiste em nossos dias: a nefasta atuação da “esquerda católica” — o clero dito católico, pouco católico e muito esquerdista. Ela, com o beneplácito da CNBB, colabora para a implantação de um regime socialo-marxista no Brasil, nos mesmos moldes dos regimes que arruinaram Cuba, Venezuela, Nicarágua etc. 

Plinio Corrêa de Oliveira assim fechou seu artigo: 

“O Papa ignoto poderá fazer cessar tudo isto de um momento para outro [...]. Para ele se voltam, pois, aflições, preces e esperanças que são minhas, porém não só minhas”.

Na perspectiva do Conclave que se iniciou neste dia 7 de maio, poder-se-ia levantar a mesma questão ao próximo Papa:

Tal “esquerda católica”, pregando uma nova moral “modernista”, na linha daquela condenada por São Pio X [foto ("colorizada") ao lado], utilizando-se do nome “católico” para enganar os fieis, está se transformando numa anti-igreja, como já o é a extrema-esquerda eclesiástica da Teologia da Libertação, que prega abertamente o igualitarismo comunista, a invasão de propriedades particulares, a luta de classes etc. 

Rezemos para que o novo Papa — hoje ignoto, mas que poderemos tomar conhecimento amanhã ou nos próximos dias — desmascare essa anti-igreja, arrancando-lhe o rótulo de “católica”, como o fez o Papa São Pio X, por meio da Encíclica Pascendi Dominici Gregis (8-9-1907), desmascarando a seita “modernista” — qualificada por ele como “síntese de todas as heresias” e “cúmulo infinito de sofismas, com os quais se racha e se destrói toda a religião” —, que também se apresentava como “católica”. 

Encerro repetindo o pedido expresso no mencionado artigo do Prof. Plinio:

“Um só gesto vosso [Santo Padre] bastará para salvar. Fazei esse gesto logo nos primeiros dias após vossa eleição. Ela será o pórtico de glória com que se abrirá vosso Pontificado [...]. O Papa ignoto poderá fazer cessar tudo isto de um momento para outro [...]. Para ele se voltam, pois, aflições, preces e esperanças que são minhas, porém não só minhas. Vejamos”.

28 de março de 2025

Edições, em várias línguas, do livro A liberdade da Igreja no Estado comunista.

 

Há possibilidade de diálogo e coexistência pacífica entre a Igreja e regime comunista? À imitação de Nosso Senhor Jesus Cristo, a Igreja conta com apóstolos de uma doçura inexaurível, mas também com polemistas admiráveis.

  

·         Plinio Corrêa de Oliveira

 

Em meados dos anos 1960, uma histórica polêmica foi travada entre Catolicismo e os periódicos poloneses do grupo Pax, “Kierunki” e “Zycie i Mysl”. De um lado Plinio Corrêa de Oliveira e de outro Zbigniew Czaikowski. Cartas abertas, réplicas e tréplicas foram reproduzidas por nosso mensário e por publicações da Polônia, alcançando repercussões em outros periódicos do País e do exterior.

Tal polêmica girou em torno do livro A liberdade da Igreja no Estado comunista (1963), de autoria do Prof. Plinio, particularmente sobre a possibilidade ou não de coexistência pacífica entre a Igreja e o regime comunista.

Trecho de uma das réplicas, que julgamos muito oportuno para nossos leitores nos tempos atuais, segue para apreciação. Foi publicado primeiramente em nossa edição de novembro de 1965.

*   *   *

“A má fé, seja ela inteiramente consciente ou não, provoca, com toda a justiça, a indignação do homem virtuoso. E se é verdade que em certas ocasiões é melhor não manifestar essa indignação, a fim de atrair a outra parte pela doçura, em outros casos não é senão pela indignação que a má fé se deixa desarmar.

Isto explica por que Jesus Cristo foi, para com os fautores do erro ou os pecadores, ora de uma doçura comovedora, ora de uma severidade fulminante. Isto explica igualmente que, em face do erro ou do mal, a Igreja tenha contado, em todos os séculos, com apóstolos de uma doçura inexaurível, e também com polemistas admiráveis.

Portanto, a proscrição da polêmica é antinatural, contrária aos direitos da verdade, do bem, e, ainda, aos interesses de numerosas almas mergulhadas no erro e no mal.

Não se trata de proscrever toda discussão, senão somente os tipos de discussão que não podem ser compreendidos no termo “diálogo” lato sensu. Esta objeção não modifica em nada o que vem de ser dito. O calor da discussão, da polêmica até, pode ser legítimo e indispensável.

Em princípio, o diálogo lato sensu deve ser preferido às outras formas de discussão, tal como a discussão deve, ela mesma, ser preferida à polêmica. É precisamente neste sentido que Paulo VI, na Encíclica Ecclesiam Suam, insiste tão especialmente sobre a oportunidade particular do colóquio, nas condições atuais.

Para qualquer cristão que o seja verdadeiramente de alma e coração, a doçura é sempre preferível à severidade, e a paz à guerra. No que elas têm de militante, as formas calorosas de discussão e a polêmica não devem ser empregadas a não ser quando o diálogo lato sensu se mostra ineficaz. Disto não se conclui, de modo nenhum, que os filhos da Igreja militante devam renunciar a empregar a discussão “militante” e a polêmica quando uma ou outra for exigida pela natureza mesma das coisas.

Uma leitura atenta da Ecclesiam Suam, aliás, prova facilmente que o Santo Padre não teve absolutamente o desejo de proscrever a discussão militante ou a polêmica, não obstante proponha aos fiéis que usem sobretudo o colóquio.

Isto me conduz a uma outra observação. No texto latino da Ecclesiam Suam, o Papa emprega a palavra “colloquium” e evita dizer “dialogus”. Nada há de surpreendente nisto. O termo “diálogo” tem dado ocasião a um perigoso equívoco que me cabe agora descrever.

Porque em certos meios pretendeu-se proscrever toda e qualquer discussão, chegou-se, sem perceber, a empregar a palavra “diálogo”, não mais no sentido de uma discussão muito cordial, mas unicamente no de uma simples troca de pontos de vista, de impressões ou de informações.

Assim, as relações entre pessoas que professam sistemas ideológicos opostos restringiram-se a um estilo que está em contradição com o fundo mesmo da realidade. Cada parte, no diálogo stricto sensu, apresenta seus argumentos, e a outra parte os combate, por sua vez, com outros argumentos. Mas, em essência, esta troca de argumentos não é uma discussão, em nenhum sentido do termo. Nenhuma das partes se aplica a persuadir a outra e a trazê-la para o seu próprio campo ideológico.

Não há, propriamente, vitória, derrota, ou luta doutrinária, nem mesmo sob as numerosas formas perfeitamente cordiais que esta pode revestir. Há apenas a afirmação de uma tese e de uma antítese. Afirmação dolorosa por vezes, prolongada, mas quão paciente e cortês! Da fricção destas afirmações nascerá, pouco a pouco, um processo de elucidação ao longo do qual cada parte precisará melhor sua própria posição, despojando-a das escórias acidentais que lhe velavam a expressão plena.

Mas, ó alegria, no termo final deste processo se patenteia que a tese e a antítese, clarificadas e simplificadas, não são mais do que uma e mesma coisa. A síntese, que estava em gestação na tese e na antítese, nasce enfim para a luz do dia.

Catolicismo, novembro de 1965


Não há, pois — tal como dizíamos — verdadeira discussão, nem vitória, nem derrota. O diálogo não é, essencialmente, senão um “ludus”. Eis o conceito estranho que se dá ao termo “diálogo” em meios “superecumênicos” e outros.

Desse modo, como se vê, o vocábulo em questão foi noyauté, isto é, substituiu-se ao seu conteúdo original um conteúdo hegeliano. Para os entusiastas deste gênero do diálogo, não há mais verdade absoluta, nem erro. Deslizando sobre a palavra “diálogo”, na maioria das vezes sem se dar conta disso, eles imergem no relativismo evolucionista de Hegel.

De Hegel sim, o mestre de Marx. Não é difícil perceber quanto este deslizar é proveitoso para a doutrina marxista.

Assim, concebe-se facilmente que, para os marxistas, os católicos devem ser divididos, nesse particular, em duas categorias:

1 – os que não “deslizaram”, aqueles que têm fé numa doutrina historicamente revelada, objetiva e absolutamente verdadeira, e que, pois, rejeitam o relativismo hegeliano;

2 – os outros, que “deslizaram”, e para os quais a doutrina católica e a doutrina marxista não são, uma em face da outra, mais do que constelações de teses e de antíteses, contendo cada uma, ao mesmo tempo que as escórias das formulações impuras, a síntese que através delas forceja dialeticamente por vir à luz. Os primeiros são inimigos irredutíveis, em toda a extensão do termo. Contra eles não se emprega a discussão nem a polêmica, mas o campo de concentração, a prisão ou o pelotão de fuzilamento. Os outros são, no fundo, colaboradores, que aceitam a base filosófica do marxismo — isto é, a doutrina relativista — e que, esgrimindo na aparência contra este, mantêm com ele o jogo absolutamente pacífico do diálogo, e o ajudam, por meio da fricção, a destilar na tese e na antítese de hoje a síntese de amanhã.

Eis, pois, onde pode conduzir o abuso, habilmente imaginado por uns, ingenuamente aceito por outros, da palavra diálogo”.

20 de agosto de 2024

SÃO PIO X — Fortaleceu a igreja, fulminou a heresia

 


Neste mês a Santa Igreja celebra 110 anos do trânsito de São Pio X ao Céu, ocorrido em 20 de agosto de 1914. O único Papa canonizado no século XX, ele combateu intrepidamente a heresia modernista, reformou o clero, recodificou o Direito Canônico e incrementou admiravelmente a piedade católica.

  Plinio Maria Solimeo

 

Quando faleceu Leão XIII, em 1903, a expectativa geral era quem manobraria o leme de Pedro naqueles tempos já tão conturbados.

O mundo estava febrilmente contagiado pelo liberalismo anticlerical, um dos perniciosos frutos da Revolução Francesa que tornavam tensas as relações entre a Sé Apostólica e várias nações europeias. A revolução industrial, por sua vez, criava situações propícias à propaganda dos princípios marxistas da luta de classes e do anarquismo no meio proletário nascente.

A situação era crítica inclusive nas nações católicas. Na Itália, um governo usurpador e violento privara o Romano Pontífice de seus Estados, confinando-o ao Vaticano, e criava empecilhos à ação da Igreja. Na França, uma oligarquia maçônica –– cujos expoentes eram Briand, Clemenceau, Waldeck-Rousseau e Combes –– impôs a aprovação de diversas leis frontalmente antirreligiosas, preparando terreno para a separação entre a Igreja e o Estado em 1905.

Portugal via-se às voltas com a fermentação revolucionária que culminaria no assassinato do rei Dom Manuel e do Príncipe herdeiro em 1908, e com a proclamação da República dois anos depois. Sem falar de uma série de medidas contra a Igreja, como a expulsão dos jesuítas, a supressão de congregações religiosas e a aprovação do divórcio.

Também na outrora fiel e católica Espanha os ventos liberais e anarquistas sopravam com violência, chegando-se à tentativa de assassinar o rei Afonso XIII no próprio dia de suas bodas. E o império Austro-Húngaro apresentava tantos sintomas de decadência religiosa e moral, que a todo instante se temia sua ruína.

Não menos trágica para Igreja e a civilização cristã era a situação no maior bloco católico do universo, a América Latina, onde as jovens nações emulavam em impiedade com suas maiores europeias.

No Brasil, a célebre “Questão Religiosa” conseguira levar à barra dos tribunais e condenar à prisão perpétua com trabalhos forçados o intrépido bispo de Olinda, Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira. No Equador, líderes católicos são perseguidos e forçados a exilar-se. No México, as nuvens da tormenta revolucionária já se acumulavam no horizonte para pouco depois se desencadearem numa das mais cruéis e implacáveis perseguições religiosas conhecidas pelo mundo moderno.

Sobretudo, no próprio interior da Igreja a situação era grave. Erros filosóficos muito em voga, como o naturalismo, o racionalismo e o cientificismo, ao par de forte liberalismo, influenciavam extensamente a teologia e deturpavam a fé, ao mesmo tempo que esfriavam nas almas o amor de Deus.

Tais erros haviam penetrado a fundo em amplas camadas do Clero, em estabelecimentos de ensino, mesmo em seminários, criando um espírito de novidade e de revolta crescente que ameaçava fazer soçobrar a Barca de Pedro, não tivesse ela a promessa da perenidade.

Para fazer face a esse terrível panorama, tornava-se necessário o advento de um Papa que se colocasse entre os maiores da História da Igreja. Por obra do Divino Espírito Santo, que não abandona a Sua Esposa Mística, e a rogos de Maria, o mundo teve o Pontífice de que necessitava: Giuseppe Sarto, Patriarca de Veneza, eleito com o nome de Pio X.

 

Entrada do Monsenhor Giuseppe Sarto em Veneza como Patriarca (24-11-1894). 

Suave... mas forte

Quem era Pio X, o novo Papa de cuja bondade e doçura tanto se falava em Veneza, de onde viera como Cardeal-Patriarca? Um “conciliador”, pensava o Governo italiano, entendendo por essa designação um homem fraco, pronto a entrar em acordo com a Revolução. Entretanto, a famosa bênção Urbi et Orbi, o primeiro ato do Pontífice, foi dada de um dos balcões internos da Basílica de São Pedro para ratificar o protesto de seus antecessores contra a tomada de Roma pelas tropas revolucionárias.

Um “cura rural”, não habituado às pompas do Vaticano nem ao trato com os grandes, pensavam os embaixadores e enviados de potências estrangeiras. Não foi a impressão que Pio X deixou após a primeira audiência geral, quando o representante da Prússia, exprimindo o pensamento dos demais diplomatas, perguntou a Mons. Merry del Val, Secretário de Estado interino, ao sair da Sala do Trono: “Diga-nos, Monsenhor, o que há nesse homem que tanto atrai? Um Santo –– dirá esse eclesiástico, posteriormente elevado a Cardeal, que teria um papel tão importante nesse Pontificado ––, porque ele é um homem de Deus”.(1)

Para o Abbé de Cigala, capelão do Conclave, “a força dos traços e a doçura do olhar, frutos de uma vida interior e fé” ardentes, faziam crer “numa ressurreição do imortal Pio IX”.(2) Mas, esclarece o Cardeal Mercier, Arcebispo de Malinas, na Bélgica: “A invencível gentileza do Santo Padre nada tinha do sentimentalismo dos fracos: Pio X era um forte”(3)

Isso o reconheceu também o ex-chanceler do Império alemão, o Príncipe Von Bülow, conta ao Cardeal Merry del Val, após uma entrevista: “Eu me encontrei com muitos monarcas e legisladores, mas raramente encontrei em algum deles uma tão remarcável percepção da natureza humana ou um conhecimento como o que Sua Santidade possui das forças que governam o mundo e a sociedade moderna”(4). E, realmente, proclamará muito depois Pio XII que, “com seu olhar de águia mais perspicaz e mais seguro que a curta vista dos míopes raciocinadores, via o mundo tal qual era, via a missão da Igreja no mundo[...] e seu dever no seio de uma sociedade descristianizada [...] contaminada pelos erros do tempo e pela perversidade do século”.(5)

 

“Restaurar tudo em Cristo”

O Pontificado de São Pio X
pode ser sintetizado no roteiro por ele 
traçado em sua Encíclica-Programa:
 “Restaurar tudo em Cristo”.
O historiador R. Aubert afirma que São Pio X foi essencialmente um reformador –– o maior deles depois do Concílio de Trento(6) ––, e que a reforma por ele empreendida era bem exatamente o contrário da desejada hoje por tantos eclesiásticos para os quais reformar significa incorporar à Igreja os erros modernos. Para o Santo, reformar foi extirpar da Igreja as heresias que nela se haviam introduzido. E o já referido Cardeal Mercier se pergunta: “Se houvesse na Igreja, na época de Lutero e Calvino, um Papa da têmpera de Pio X, teria conseguido o protestantismo levar um terço da Europa ao rompimento com Roma?”(7)

O Pontificado de São Pio X pode ser sintetizado no roteiro por ele traçado em sua Encíclica-Programa: “Restaurar tudo em Cristo”. Essa preocupação o Pontífice já a tivera quando era Bispo de Mântua. Depois, como Cardeal de Veneza, sua primeira Carta Pastoral continha, em linhas gerais, o pensamento da Encíclica.

Em síntese, diz São Pio X que a apostasia do mundo, “essa detestável e monstruosa iniquidade [...] pela qual o homem se substitui a Deus”, manifesta uma tal “perversão dos espíritos”, que é de se perguntar se já não se deu o advento do “filho da perversão”. Pois o modo com que “se lança ao ataque da religião, se investe contra os dogmas da fé, se tende obstinadamente a aniquilar toda relação do homem com a Divindade” é uma das características do Anticristo.

Para haver uma restauração, os bons devem “proclamar bem alto as verdades ensinadas pela Igreja sobre a santidade do matrimônio, a educação da infância, a posse e uso dos bens temporais, sobre os deveres dos que administram a coisa pública”. Ora, se não houver verdadeiros sacerdotes, “revestidos de Cristo”, isso não será possível. Portanto, deve-se proceder a uma reforma dos seminários e vigiar para que os novos sacerdotes não se deixem seduzir “pelas manobras insidiosas de uma certa ciência nova”.

“No dia em que, em cada cidade, em cada aldeia, a lei do Senhor for cuidadosamente guardada [...] nada mais faltará para que contemplemos a restauração de todas as coisas em Cristo”. Com isso, mesmo “os interesses temporais e a prosperidade pública” também felizmente se ressentirão.(8) E ter-se-á na terra a “paz de Cristo, no Reino de Cristo”.

Não cabe analisar aqui o pontificado de São Pio X para constatar como ele seguiu à risca este programa. Só o que foi publicado de Cartas Apostólicas, Motu Proprio, Encíclicas, e discursos, ultrapassa a casa dos 350. Se a isso se somam os decretos das Congregações romanas e os diversos documentos emanados da Secretaria de Estado, aos quais o Papa não podia ser estranho, chega-se ao número de 3322(9), o que torna esses onze anos de pontificado um dos mais fecundos da História da Igreja.(10)

Basta pensar no trabalho monumental de recodificação do Direito Canônico, que durou todo o Pontificado de São Pio X, sendo promulgado só no de Bento XV; na fundação do Instituto Bíblico; na reforma da Cúria Romana; na instituição da Acta Apostolicae Sedis, noticiário oficial do Vaticano; na reforma do Breviário Romano; em normas dadas para a disciplina e reforma do Clero, além de todas as medidas para facilitar a comunhão frequente dos fiéis, antecipar a Primeira Comunhão das crianças, regulamentar a comunhão dos enfermos, elaborar adequadamente o catecismo, orientar o cântico litúrgico etc.

 

O modernismo


Ao condenar o movimento Sillon –– em muitos pontos precursor do atual progressismo –– afirma São Pio X que ele “semeia [...] noções erradas e funestas [...] Para ele, toda desigualdade de condição é uma injustiça ou, pelo menos, uma justiça menor! Princípio soberanamente contrário à natureza das coisas, gerador de inveja e de injustiça, subversivo de toda ordem social”.(11)

Entretanto, foi a seita modernista infiltrada na Igreja –– qualificada por ele de “síntese de todas as heresias” –– a que mais o fez sofrer e mais preocupações lhe trouxe, por sua profunda nocividade e subtileza. Além de numerosos atos, três importantes documentos emanaram de São Pio X para condená-la: o Decreto Lamentabili sane exitu, de 4 de julho de 1907, que condena 65 proposições modernistas; a Encíclica Pascendi dominici gregis, de 8 de setembro do mesmo ano, na qual condena diretamente o modernismo –– a mais longa de seu pontificado, devido à delicadeza da matéria; e, finalmente, o Motu Proprio Praestantia Scripturae sacrae, de 18 de novembro do mesmo ano.

São Pio X, elevado à honra dos altares por Pio XII em 1954, seja junto à Virgem Santíssima e a seu Divino Filho o grande intercessor de todos os católicos que lutam em nossos dias para permanecerem fiéis à Santa Igreja e à sua verdadeira doutrina.

O Santo Pontífice, que soube tão bem desmascarar e condenar o modernismo, certamente obterá abundantes graças para os fiéis de nossa época, muito pior do que a época daquela heresia. Sim, a trágica era em que vivemos, na qual, segundo expressões de Paulo VI, tem curso um misterioso processo de “autodemolição da Igreja”, tendo nela penetrado a “fumaça de Satanás”.

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NOTAS:

1. Cardeal Merry del Val, Memories of Pope Pius X, Burns Oates & Washbourne Ltd., Londres, 1939, pp. 9-10.

2. Abbé de Cigala, Vie Intime de Sa Saintité le Pape Pie X, Lethielleux Editeurs, Paris, 1926, p. IX.

3. Lettre Pastorale et Mandement de Câreme de 1915, apud Merry del Val, op. cit, p. 29.

4. Merry del Val, op. cit, p. 12.

5. Breve por ocasião da Beatificação de Pio X, Documentos Pontifícios, n° 83, Vozes, 1958,2ª edição.

6. Documents relatifs au mouvement cathólique italien sous le pontificat de St. Pie X, apud Gianpaolo Romanato, Pio X: Profilo Storico, in Sulle Orme di Pio X, Amministrazione Comunale di Salzano, 1986, p. 19.

7. Doc. cit, apud Merry del Val, op. cit, p. 27.

8. Encíclica E supremi Apostolatus, Vozes, Petrópolis, Documentos Pontifícios, nº 87, 1958,2ª edição.

9. René Bazin, da Academia Francesa, Pie X, Flammarion, Editeur, Paris, 1928, p. 65.

10. D. Benedetto Pierami, apud René Bazin, op. cit, p. 66.

11. Notre Charge Apostolique (Sobre os erros do Sillon), Vozes, Petrópolis, Doc. Pontifícios, nº 53, 1953,2ª edição.

 

Conspiração dos modernistas

Pe. George Tyrrell, excomungado por São Pio X 
Fulminada a heresia modernista com vigor angélico por São Pio X, em 1907, já no ano seguinte o Pe. George Tyrrell, sectário excomungado pelo Papa Santo por sua adesão à heresia, escrevia a um confidente romano: Olhando em torno de mim, sou forçado a reconhecer que a onda de resistência modernista acabou, ela já esgotou todas as suas forças, por ora. Devemos esperar o dia em que, através de um trabalho silencioso e secreto, tenhamos ganho para a causa da liberdade uma proporção muito maior das tropas da Igreja.(1)

Esse "trabalho silencioso e secreto" é cinicamente explicitado, nos seguintes termos, por um dos fautores da heresia, Antonio Fogazzaro, em seu romance Il Santo, posteriormente condenado por São Pio X: "Devemos constituir uma maçonaria católica .... a maçonaria das catacumbas".(2) E quem pertencia a esta "maçonaria católica"? O próprio Fogazzaro responde: "Seu nome é legião. Ela vive, pensa e trabalha na França, na Inglaterra, na Alemanha, nos Estados Unidos, na Itália. Ela usa batina, farda ou casaca. Ela ensina em universidades, ela se esconde nos seminários, ela luta na imprensa, ela reza no silêncio profundo dos claustros.(3)

Romance Il Santo de Antonio Fogazzaro,
 condenado pelo Papa santo
Algum tempo depois da publicação dessa obra, tendo sido acometido por súbita e estranha enfermidade, São Pio X entregou sua alma a Deus em 1914.

A propósito do falecimento do Santo Pontífice escreveu o Pe. Genocchi, sacerdote italiano ligado aos conspiradores modernistas: "Agora estamos respirando mais confortavelmente... Várias vítimas da loucura e do fanatismo estão sendo reabilitadas, e outras ainda o serão.(4)

E um grupelho de neomodernistas levou adiante o "trabalho silencioso e secreto", proposto pelo padre apóstata Tyrrell. Tal corpúsculo lançou os alicerces da corrente que, mais tarde, receberia o nome de Teologia Nova.(5)

Os corifeus dessas novas doutrinas difundiam seus escritos apenas em exemplares datilografados, anônimos, que circulavam de mão em mão em seminários europeus e em conventículos de leigos "engajados", intoxicando assim o futuro clero e o laicato com as novas ideias. Um difusor destes panfletos pôde afirmar que uma "irresistível onda estava a tomar conta das novas gerações do Clero".(6)

De toda essa ampla infiltração, haveriam de surgir ao longo das décadas, no campo religioso, o "Movimento Litúrgico", e no campo sócio-político, o "Progressismo", dito católico.

Hans Küng,(7) um dos próceres dessa nova orientação, em sua obra Veracidade –– O futuro da Igreja, presta, nestes termos, o seu preito de homenagem àqueles neo-reformadores, que considera seus precursores:

Não foi pouco o que tiveram de sofrer esses precursores de uma nova veracidade [dentro da Igreja]... Temos toda razão de inclinar-nos com respeito e gratidão diante do engajamento cristão desses heróis silenciosos de uma luta por uma veracidade renovada, pelo futuro da Igreja, luta que, então, parecia tão pouco promissora. Gemendo sob o jugo da inveracidade eles não abandonaram (a Igreja de Deus)...

"O que uns poucos principiaram, com modéstia e insignificância, desenvolveu-se agora, multiplicado muitas vezes: na renovação da teologia, da liturgia, da vida eclesial em geral, no encontro com o moderno mundo profano. E ficou comprovado que aqueles batedores eram... a tropa de vanguarda de um exército lento, sem dúvida, mas, no fundo, muito disposto a seguir, frente ao qual alguns representantes oficiais da teologia e da direção da Igreja se comprovaram como retaguarda".(8)

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NOTAS:

1. Carta citada em Ernesto Buonaiutti, Le Modernisme Catholique. Apud E. Rivière, Modernisme, Dictionnaire de Théologie Catholique, vol, X, col. 2042.

2. Antonio Fogazzaro, Il Sanlo, Milão. s/e, p. 44.

3. Idem, ibidem.

4. Carta do Pe. Genocchi a Paul Sabatier. Apud Emile Poulat, Integrisme e Catholicisme Intégral. Paris. Casterman, 1969. p. 15.

5. "Reduzido a uma espécie de vida clandestina –– relata o Pe. Albert Besnard –– o modernismo caminhou de modo subterrâneo e inspirou a maioria das revoltas religiosas que hoje agitam a Igreja" (Albert Besnard. OP., Modernisme. In Jean Chevalier, ed. Les Religions. Les Dictionnaires du Savoir Moderne, Paris. Centre d'Étude et de Promotion de Ia lecture. 1972, p. 306. "A mudança tão trágica e penosamente tentada pelo modernismo –– comenta o Pe. Germano Pattaro –– foi assumida e proposta pela Teologia Nova" (Germano Pattaro, Corso di Teologia dell'Ecumenismo, Brescia, Queriniana, 1985, p.344).

6. Citado em Emmanuel Barbier. Histoire du Catholicisme Libéral et du Catholicismo Social en France, Imprimerie Yves Cadoret. Bordeaux, 1924, p. 115.

7. Em 15 de dezembro de 1979. uma declaração da Congregação para a Doutrina da Fé afirmava que o Pe. Hans Küng "em seus escritos, afasta-se da integridade da Fé católica e não pode mais ser considerado como teólogo católico nem enquanto tal, exercer o magistério". Essa declaração foi ratificada por João Paulo II em audiência concedida a uma delegação do Episcopado alemão, em 28 de dezembro de 1979. (Apud Pe. Raymond Winling, La Théologie contemporaine, 1945-1980, Le Centurion. Paris, 1983. pp. 450-451).

8. Veracidade ––- O futuro da Igreja, Herder, São Paulo. 1969, pp. 161-162.