25 de novembro de 2021
NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS
15 de novembro de 2021
Uma glória da Igreja na História do Brasil – II
Com este artigo concluímos a
série de publicações em homenagem à Princesa Imperial, no centenário de seu
falecimento.
✅ Plinio Corrêa
de Oliveira
Legionário, 4
de agosto de 1946
A
popularidade da Princesa Isabel sofreu, entretanto, rudes entrechoques. A
propaganda republicana jamais desarmou contra ela. E, ao mesmo tempo, Dona
Isabel teve de enfrentar dois rudes adversários: o anticlericalismo e, o que é
pior de tudo, o moderantismo “católico”.
O
Brasil vivia, naquele tempo, em plena modorra religiosa. Poucos eram os
anticatólicos declarados. Mas o anticlericalismo era aqui vivaz, agressivo,
intolerante. Dos que se diziam católicos, muitos sustentavam em teologia,
filosofia, direito, moral, as opiniões mais abstrusas, arrogando-se não raras
vezes a liberdade de discutir as próprias orientações doutrinárias ou
disciplinares da Igreja.
Em muitos lares onde se rezava em comum antes das refeições, o sacerdote era mal visto e mal recebido. Em algumas camadas sociais, ninguém frequentava os sacramentos. E todo o mundo se dizia católico. Até [anticatólicos] pertenciam às confrarias religiosas!
O ódio velado dos
“católicos” moderados foi a grande cruz de Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira. |
Diante de situação tão catastrófica, e aparentemente tão homogeneamente católica, havia duas tendências. Uns queriam contemporizar. Outros queriam lutar. Destes últimos foi Dom Vital [foto]. Contra ele se levantou a sanha do anticlericalismo em peso. Sabemos qual foi seu martírio. Sabemos, sobretudo, que em sua coroa nenhum espinho foi tão doloroso do que a hostilidade mais ou menos disfarçada, mas imensamente rancorosa e peçonhenta, do moderantismo “católico”. O ódio velado dos "católicos" moderados foi a grande cruz de Dom Vital.
A
Princesa Imperial sempre alarmou o anticlericalismo indígena. Católica, não de
fancaria ou de fachada, mas de um catolicismo férvido e autêntico, a Princesa
prometia ser um obstáculo insuperável aos empreendimentos dos inimigos da Fé.
Já
têm sido publicadas numerosas circulares [anticatólicas] recomendando
propaganda contra ela, para evitar sua ascensão ao trono. O ponto capital deste
rancor estava no procedimento da Princesa durante a chamada “questão religiosa”.
Sem se afastar da linha de respeito e obediência que devia ao Imperador, Dona
Isabel deixou transparecer claramente sua reprovação pela prisão dos Bispos.
Todo
o mundo que se levantou naquela ocasião contra Dom Vital aproveitou a
oportunidade para injuriar a Princesa. Dona Isabel não se abalou. Bebeu
resolutamente o mesmo fel de amargura de que transbordava o cálice de Dom
Vital. Dizem que a queda da Monarquia se deveu à libertação dos escravos.
O
acontecimento teve ainda outras causas profundas. Mas a razão mais ativa foi,
sem dúvida, o ódio [anticatólico] contra a Princesa. Se houvesse alguma
esperança de que, sob seu reinado, a opressão da Igreja pelo Estado regalista
continuasse, é bem possível que o trono não houvesse caído.
A Princesa Isabel, em Paris, na década de 1890 |
No
que diz respeito à libertação, ninguém ignora que a ação da Princesa não foi
apenas protocolar. Ela preparou com todas as suas forças o acontecimento,
embora sua situação constitucional lhe permitisse uma liberdade de movimentos
apenas relativa. Este ponto já está tão esclarecido, que não merece maior
insistência.
É
interessante notar, entretanto, os paradoxos de que está cheia a vida da
Princesa. Aqui vem mais um. Seu trono foi derrubado não só por positivistas e
[anticatólicos], como também por grandes proprietários agrícolas, que são os
sustentáculos naturais do trono em todas as monarquias.
No
momento, Dona Isabel se beneficiou de um surto de popularidade formidável. Ela
mesma, entretanto, não confiava nessas manifestações que tinham muito de
sincero, mas algum tanto também de demagógico. Quando veio a República, ela não
se surpreendeu. E caminhou para o exílio sem repudiar as duas grandes causas a
que se sacrificara: a Igreja e a libertação [dos escravos].
No
exílio, Dona Isabel formou uma estirpe de autênticos brasileiros. No castelo
d’Eu, onde residia, os hóspedes brasileiros eram sempre os preferidos. As
reminiscências do Brasil se encontravam a cada passo. Toda uma galeria do
castelo está ocupada por um verdadeiro museu de raridades relacionadas com
nossos índios. O arquivo da família imperial, ali instalado, é um dos mais
ricos repositórios de documentos brasileiros, e está primorosamente organizado.
Tudo ali fala de saudades, intensas saudades do Brasil.
Os
visitantes que vão a Paray-le-Monial, Santuário mundial do Sagrado Coração de
Jesus, se espantam em ver como, nos ex-votos de todos os países do mundo,
sobressaem os do Brasil. Foi a Princesa Imperial que providenciou estas
oferendas. Tolhida de bem fazer a sua Pátria, por outros modos seu delicado
coração encontrou este meio de servir ainda o Brasil.
E
os católicos de todos os credos políticos hão de reconhecer, comovidos, que as
preces da grande e piedosa Princesa hão de ter sido bem recebidas pelo Sagrado
Coração de Jesus, em favor da Terra de Santa Cruz.
14 de novembro de 2021
Uma glória da Igreja na História do Brasil
Princesa Isabel com seu neto e sucessor D. Pedro Henrique. Fotografia colorida digitalmente. |
Continuação da matéria publicada na revista Catolicismo deste mês, e reproduzida neste blog ontem (13-11-21), em homenagem à Princesa Isabel, no centenário de seu falecimento.
✅ Plinio
Corrêa de Oliveira
Legionário,
28 de julho de 1946
Transcorrendo
agora o primeiro centenário do nascimento da Princesa Isabel, é da maior
conveniência que se ponham em relevo alguns aspectos de sua personalidade, que
a opinião pública ainda não conhece devidamente.
Não
vale a pena analisar, é claro, as mil pequenas calúnias e maldades com que a
propaganda republicana procurou, durante os últimos anos da monarquia, açular
contra a herdeira da coroa, a opinião pública. “Mentez, mentez, il en restera toujours quelque chose” (Menti,
menti, sempre ficará alguma coisa), escrevia Voltaire.
O
caso da Princesa Isabel constitui significativa exceção à regra geral. Hoje em
dia, não há quem perca tempo em discutir os leitmotivs
da propaganda anti-isabelina: todos tiveram a vida efêmera das mentiras mal
contadas, e se desacreditaram por si.
Entretanto,
apesar de tudo isto, a figura da Princesa Isabel ainda não é bem conhecida
pelos brasileiros. Os compêndios a apresentam tão somente como a libertadora da
raça escrava. Ela emerge da sombra discreta da vida do lar, para penetrar na
grande História em um momento fulgurante. Assina a lei de abolição. Cerimônia da assinatura da Lei Áurea
(Quadro de Victor Meirelles)
Volta,
depois, à vida de família, numa penumbra que o exílio, pouco depois, ainda
tornará mais densa. E nesta penumbra se extingue docemente, e quase sem ruído,
a sua vida terrena, numa época em que sua figura já tinha saído inteiramente da
atualidade política. Desta vida familiar transcorrida numa nobre discrição, se
desprende perfume da genuína virtude cristã.
Reunindo
estes escassos elementos informativos, o quadro psicológico da Princesa parece
compor-se facilmente: excelente dama, que viveu sempre para o lar e que teve a
felicidade de assinar em dado momento a lei de emancipação.
Por certo, estes traços gerais são verdadeiros e eles bastam inteiramente para justificar a glória da "Redentora". Não há dúvida, entretanto, de que uma análise histórica mais pormenorizada enriqueceria muito, com novos e belos aspectos, esta noção que, se bem que bela, é no fundo bastante sumária.
Família Imperial | (Crédito da foto: Otto_Hees-Restoration) |
Para
que tenhamos disto alguma ideia, é preciso considerarmos o exemplo inglês, a
suma atenção com que a opinião de todas as camadas sociais e correntes
partidárias acompanha os gestos e feitos da família real, e a importância que
atribui a qualquer acontecimento que ocorra neste terreno.
A
família reinante deve, a um tempo, ser o espelho e o modelo do ideal familiar e
social do país. Espelho, no sentido de que deve possuir do modo mais acentuado
e autêntico, o que a mentalidade doméstica e social do país tem de típico. A
família reinante deve ser como que a concretização simbólica do espírito
nacional, no que diz respeito à vida social e familiar.
Modelo,
no sentido de que cabe à dinastia a função discreta de dirigir a evolução da
mentalidade nacional, no lar e na sociedade. Munida do prestígio social
inerente à sua categoria, pode a família reinante, sobre a qual convergem todos
os olhares, por meio de seu exemplo, fazer cair em desuso os costumes menos
bons e os substituir gradualmente por outros, exercendo assim sobre o espírito
público uma função pedagógica de imensa importância.
Foi
este o papel social com que deparou a Princesa, desde seus primeiros anos.
Digamos desde logo que ela o desempenhou modelarmente.
* * *
Se
investigarmos bem a fundo as razões da popularidade que a Família Imperial
conservou, mesmo depois da República, veremos que reside em boa parte, no êxito
de sua tarefa social. O velho Imperador, com a grande respeitabilidade de sua
figura, seu porte grave e afável, sua longa barba precocemente encanecida,
representava bem o tipo ideal do excelente pai de família brasileiro daquela
época, coluna do lar, protetor suave e varonil dos seus. Nas ruas do Rio de Janeiro, o povo celebrou
a promulgação da Lei Áurea
Os
costumes privados do Imperador eram sabidamente excelentes. O Imperador era
como que o tipo exemplar que concentrava em si as virtudes que cada brasileiro
estimava em seu próprio Pai. O mesmo se poderia dizer da Imperatriz, Dona
Teresa Cristina. Era italiana, da Casa de Bourbon Duas Sicílias.
Adaptou-se
a nosso ambiente com a naturalidade com que o fazem os de sua terra. Feia, boa,
acolhedora, era ela mesma o protótipo da dama brasileira, algum tanto desinteressada
naquele tempo dos encargos de representação, mas exímia em tudo quanto dissesse
respeito aos deveres do lar. Todo o mundo, consciente ou inconscientemente, se
sentia um pouco parente daquela família-tipo.
Cabia
à Princesa Isabel sustentar esta tradição, representar ela mesma a geração em
que nascera, com a exatidão e fidelidade com que seus pais haviam logrado
encarnar a geração anterior. Incumbia-lhe aliar à representação própria ao
regime monárquico, a simplicidade de que os brasileiros sempre foram tão
ardentes apreciadores.
À
delicadeza, essencial ao verdadeiro ideal feminino, a firmeza de pulso própria
a uma herdeira da coroa. Em uma época em que as mulheres viviam tão arredadas
da política que nem tinham direito de voto, ela, a Princesa Imperial, se
encontrava bem no âmago da vida política, onde devia agir de modo a inspirar
confiança aos homens e evitar a antipatia das mulheres!
Até que ponto foi bem sucedida em tudo isto? Não lhe faltaram críticas. A alguns parecia excessiva sua simplicidade, seu desinteresse pela vida de sociedade. Por uma contradição muito própria à política brasileira, este ponto era explorado, não pelos altos círculos sociais..., mas pela propaganda republicana.
Outros
receavam que, como dama que era, não tivesse o pulso forte que deve ter quem
carrega o cetro. Mais uma vez, foram sobretudo os republicanos que se alarmaram
com a ideia de que de futuro o cetro não fosse manuseado com suficiente força,
eles que queriam a queda do trono, precisamente para evitar os excessos do
poder.
Mas
é preciso dizer que não foram só os republicanos que se desagradaram por vezes
com este aspecto da atuação da Princesa. Mesmo em círculos monárquicos, estas
críticas causavam certa impressão. E alguns dos mais férvidos defensores da
coroa eram os primeiros a achar que o trono exigia mais representação e mais
força.
Até
que ponto estas críticas foram fundadas? A questão se prestaria a um muito
amplo desenvolvimento. Ela pertence sobretudo ao domínio da história dos
costumes, capítulo complexo da grande História, que não se trata razoavelmente
senão com um amplo desenvolvimento de reflexões e um grande reforço de fatos e
documentos, coisa que, evidentemente, escapa aos limites de um artigo.
Uma
coisa, porém, é certa. A Princesa Imperial se conservou muito popular durante
todo o tempo da monarquia e esta popularidade perdurou até sua morte. Quando
ela faleceu, os jornais publicaram com destaque a sua fotografia, os
brasileiros fitaram comovidamente sua figura de anciã maternal e veneranda. A
lei de 13 de Maio já estava longe e a todos parecia tão natural que não
houvesse escravos no Brasil, que ninguém sentia mais a sagrada emoção do dia da
abolição.
O
pesar que sua morte causou foi, para todos, um pouco como o da morte de um
membro de sua própria família. Era uma popularidade pessoal, que lhe vinha de
suas virtudes, vistas sobretudo deste ângulo fundamental: a Princesa soubera,
ela também, encarnar perfeitamente o que havia de melhor entre as brasileiras
de sua geração. Era o tipo da grande dama brasileira de seu tempo, nobre,
maternal, bondosa, que sabia fazer-se respeitar sobretudo pelo amor.
É
possível que algo pudesse ter sido mais perfeito no seu modo de desempenhar o
papel representativo de seu cargo. Somente hoje, começam os historiadores a
poder pronunciar-se sobre o assunto com isenção. E a questão ainda depende de
estudo. De um modo ou do outro em linhas gerais é inegável que ela acertou: a
sua durável popularidade prova-o de modo claríssimo.
____________
[Amanhã
postaremos outro artigo dentro da série de homenagens à Princesa Isabel, em seu
centenário de falecimento]
13 de novembro de 2021
A Rosa de Ouro da Princesa Imperial
Dom Pedro
Henrique
de Orleans
e Bragança, com a “Rosa de Ouro” |
Em continuação da matéria publicada na revista Catolicismo deste mês, e reproduzida neste blog ontem (12-11-21), em homenagem à Princesa Isabel, no centenário de seu falecimento.
✅Plinio
Corrêa de Oliveira
Legionário,
14 de julho de 1946
Segundo
notícias veiculadas pela imprensa, acaba de chegar da Europa S. A. o Príncipe
Dom Pedro Henrique de Orleans e Bragança, que trouxe consigo a “Rosa de Ouro”
doada pelo Santo Padre Leão XIII à Princesa Isabel. Segundo consta, essa
preciosa joia será doada à Catedral do Rio de Janeiro, por ocasião do 1º
Centenário do nascimento daquela ínclita Princesa.
O
fato tem atraído a atenção de todo o nosso público, quer pela significação,
quer pelo valor histórico e intrínseco da preciosa joia. E oferece ao
“Legionário” a oportunidade de pôr em evidência a atuação da Santa Sé em um dos
episódios mais marcantes da História brasileira.
Como
se sabe, um dos títulos de glória da civilização cristã consiste em haver
abolido a escravidão na Europa. Em todas as grandes civilizações pagãs da
África e da Ásia, a escravidão era um instituto geralmente admitido e adotado.
A Grécia herdou do Oriente esta tradição e durante toda a história helênica a
escravidão existiu. Roma, herdeira da civilização grega, também conheceu a
escravidão.
Fac-símile da Lei Áurea |
Com
os primeiros albores do Cristianismo, começou a luta lenta da Igreja contra a
escravidão. Numerosos eram os senhores que libertavam seus escravos, em vida ou
por testamento, para expiar seus pecados e dar glória a Deus. Sobrevindo a
Idade Média, o destino dos escravos foi sendo lentamente melhorado, e por fim a
escravidão cessou inteiramente em território europeu.
Pela
primeira vez na História, um continente inteiro deixou de ter escravos, para só
ter homens livres. E este imenso fenômeno de elevação social se verificou —
como ulteriormente no Brasil — sem as perturbações tremendas que a libertação
dos escravos trouxe nos Estados Unidos.
A
Renascença foi uma verdadeira ressurreição do paganismo, e trouxe consigo uma
ressurreição da escravidão. O homem cúpido e prepotente do Renascimento
restaurou em terras da América o cativeiro. Lutando obstinadamente contra este
fato, a Igreja conseguiu evitar de um modo geral o cativeiro dos índios. Mas
não chegou a evitar o dos negros.
Ficava, pois, a nódoa.
Era preciso apagá-la.
Desejoso de precipitar o desfecho da luta abolicionista, Joaquim Nabuco deliberou pedir, em apoio da causa, o prestígio e a influência de Leão XIII. E, atendendo ao pedido do grande brasileiro, o Santo Padre escreveu uma Carta Encíclica em que se mostrava favorável à libertação dos escravos no Brasil.
Costuma-se
interpretar o gesto de Nabuco como sendo destinado especialmente a fazer
pressão sobre a Princesa Imperial, católica modelar, a fim de conseguir dela o
gesto de libertação final. O fato é que qualquer palavra do Pontífice teria por
certo a maior ressonância junto à Princesa. Mas se bem que esta pudesse sentir
uma ou outra hesitação quanto à oportunidade da medida, o fato é que a causa
abolicionista já era causa vencedora no nobre coração de Da. Isabel.
Ninguém
ignora que ela era abolicionista de todo o coração, a tal ponto que no próprio
Paço Imperial seus filhos, ainda pequenos, confeccionavam um pequeno jornal
abolicionista que circulava com grande irritação dos escravagistas.
De fato, a Carta de Leão XIII teve um alcance ainda maior. Nação profundamente católica, o Brasil sempre foi dócil à voz de Pedro. O vigor da opinião católica se atestou no Império tão claramente, por ocasião do “caso” de Dom Vital [Maria Gonçalves de Oliveira], que nem é necessário insistir sobre isto.
A
palavra do Pontífice colocaria na caudal do movimento abolicionista a imensa
massa católica do país. No plano puramente político, este efeito da Carta de
Leão XIII talvez ainda não tenha sido devidamente apreciado por nossos historiadores.
E
veio a abolição. Leão XIII quis dar, a este propósito, um testemunho de sua
paternal admiração à nobre Princesa que assinara o decreto, e de aplauso ao
povo que tão bem o recebera. Daí o enviar o Pontífice à grande Princesa
brasileira a “Rosa de Ouro”, o mais alto testemunho de apreço que o Papa dá aos
membros de Casa reinante.
Esta joia de inestimável valor põe, portanto, em foco, a figura de Leão XIII e da grande Princesa Isabel, e evoca uma página brilhante, a um tempo da História da Igreja e do Brasil.
[Amanhã postaremos outro artigo dentro da série de homenagens à Princesa Isabel, em seu centenário]
12 de novembro de 2021
A Princesa que tanto amou o Brasil e a ele se dedicou — 1921-2021
Princesa Isabel aos 19 anos |
A Princesa Isabel, a Redentora da raça negra, perdeu o trono, mas não a majestade, nem a nobreza de alma. Essa grande dama brasileira inspira saudades de uma época que não conhecemos e o desejo de um futuro Brasil verdadeiramente brasileiro.
✅Oscar Vidal
Neste mês ocorre o centenário do falecimento daquela que
muito justamente chamamos de “A Redentora”, a Princesa Isabel. Numa época muito
tranquila e próspera do Brasil, ela nasceu em 29 de julho de 1846, no Palácio
Imperial de São Cristóvão (depois transformado em Museu Nacional, no Rio de
Janeiro, parcialmente destruído por um incêndio em 2018).
Batizada
na Imperial Capela de Nossa Senhora da Glória do Outeiro no dia 15 de novembro
de 1846, ela recebeu o nome oficial de Isabel Cristina Leopoldina Augusta
Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bourbon-Duas Sicílias e Bragança. Foi a
segunda filha (a primeira menina) do nosso Imperador Dom Pedro II e de sua
esposa a Imperatriz Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sicílias.
Como
herdeira presuntiva do Império do Brasil, Isabel recebeu o título de Princesa
Imperial. Com a morte de seus dois irmãos, ela se tornou a primeira herdeira do
Imperador. Casou-se em 1864 com o príncipe francês Louis Philippe Marie
Ferdinand Gaston d’Orléans, o Conde d’Eu (1842-1922), com quem teve quatro
filhos. Ele era neto de Luís Filipe, rei dos franceses. Ela é bisavó do atual
chefe da Casa Imperial do Brasil, o Príncipe Dom Luiz de Orleans e Bragança.
A Princesa Isabel desejava ardentemente a abolição da escravatura, mas sabia que, se o conseguisse de modo imediato, seria mal vista por certos setores da sociedade escravocrata de então, que a culpariam pelo colapso da produção agrícola, sobretudo do café e do açúcar, e poderia dar pretexto aos positivistas e republicanos para exigirem o fim do Império. Assim, ela precisava agir com prudência, fazendo a abolição de modo paulatino e suave, sem violências, como as que já haviam ocorrido em alguns países.
Na Primeira Regência, em razão da viagem do Imperador à
Europa, em 28 de setembro de 1871 — há exatos 150 anos — a Princesa Isabel
assinou a Lei do Ventre Livre, que
alforriava todas as crianças nascidas de mulheres escravas após aquela data.
Essa lei foi patrocinada pelo gabinete liderado
por José Maria da Silva Paranhos, Visconde do Rio Branco (1819-1880), sendo Ministro
do Interior João Alfredo Corrêa de Oliveira [foto abaixo] — o mesmo que, 17 anos depois,
chefiaria o gabinete que promoveu a Lei
Áurea.
Ao comemorar a aprovação dessa lei, das repletas galerias do Parlamento lançaram os jubilosos assistentes uma chuva de rosas. Presente ao ato, o embaixador norte-americano, James R. Partridge, emocionado, apanhou algumas pétalas, dizendo: “Quero guardar estas flores, como lembrança dessa maravilha. No Brasil a extinção da escravidão foi comemorada com flores, enquanto no meu país custou uma guerra civil com quase um milhão de mortos”.
Em 28 de setembro de 1885, no governo
de João Mauricio Wanderley, Barão de Cotegipe (1815-1889), foi promulgada a Lei dos Sexagenários, que concedia liberdade
a todos os escravos com idade igual ou superior a 60 anos.
Anos depois — tendo caído o gabinete Cotegipe e sendo a
Princesa novamente Regente do Império —, ela deu um passo importante para
livrar os escravos do cativeiro: nomeou, como novo Presidente do Conselho de Ministros, o
abolicionista João Alfredo Corrêa de Oliveira — tio-avô paterno do inspirador e
principal colaborador desta revista, Prof. Plinio Corrêa de Oliveira.
No dia 8 de maio de 1888 o gabinete Corrêa de Oliveira apresentou
à Câmara dos Deputados a proposta de legislação que visava extinguir de modo
definitivo a escravidão. Dois dias depois ela era aprovada, e em 13 de maio chancelada também pelo Senado.
Nesse mesmo dia a Princesa Isabel sancionou a legislação,
conhecida como Lei Áurea, que aboliu
a escravidão em todo o território nacional. Seu belo e nobre
gesto foi todo ele inspirado nos ensinamentos da Santa Igreja Católica.
Tal
era sua fidelidade à Religião que, não sem razão, o sacerdote jesuíta Francisco
Leme Lopes (1912-1983) fez alusão a ela como “Isabel, a Católica”, comparando-a com este epíteto à Rainha Isabel
de Castela e Leão (1451-1504), que passou para a História com o muito
emblemático título de “Isabel, la
Católica”.
O Imperador ficou radiante de alegria com a abolição
A “Rosa de Ouro” |
Naquele
mesmo histórico dia, encontrando-se com o Barão de Cotegipe, que havia feito
oposição à Lei Áurea, a Princesa
Isabel lhe perguntou:
— “Barão, a abolição se fez com festas e flores. Venci ou não venci?”
— “Sim, Vossa Alteza ganhou a partida,
mas perdeu o trono”.
Ele
prognosticava o tão injusto banimento da Família Imperial.
Com efeito, a Princesa Isabel teve de abandonar seu tão
amado País, pelo qual se dedicara com tanto afinco, pela Baía de Guanabara,
a bordo do vapor “Alagoas”, que a levaria com toda a Família Imperial para o
exílio.
O
Imperador Dom Pedro II, quando soube em Milão — onde se encontrava
recuperando-se de uma enfermidade — que a escravidão no Brasil havia sido
definitivamente abolida, ficou radiante de alegria e mandou telegrafar à filha
felicitando-a. Assim, no dia 22 de maio 1888, ditou o seguinte telegrama: “Princesa Imperial. Grande satisfação para
meu coração e graças a Deus pela abolição da escravidão. Felicitação para vós e
todos os brasileiros. Pedro e Tereza”.
Condecoração Pontifícia “Rosa de Ouro”
A “Rosa de Ouro” é a condecoração concedida, desde o século XI, pelos Soberanos Pontífices a personalidades ou instituições que tenham demonstrado inequívoca lealdade à Santa Sé. Na verdade, é um bouquet de rosas de ouro maciço. Em 28 de setembro de 1888, o Papa Leão XIII ofereceu à Redentora dos escravos brasileiros a “Rosa de Ouro”, em recompensa pela sua corajosa atitude. A Princesa Isabel foi a única brasileira homenageada com tão alta condecoração. No centenário de nascimento
da Redentora, em 19 de julho de 1946, o Príncipe Dom Pedro Henrique de Orleans
e Bragança (1909-1981), neto primogênito da Princesa Isabel, doou a “Rosa de Ouro” à Catedral do
Rio de Janeiro. Ele a tinha trazido da Europa, quando retornou ao Brasil com o
fim do exílio.
Fim do Império brasileiro, banimento e exílio
Sua Alteza Imperial sabia que seu gesto emancipando os escravos poderia exacerbar os ateus e republicanos que a caluniavam, levando à perda do trono. E foi de fato o que aconteceu com o golpe republicano de 15 de novembro de 1889.
Golpe
muito bem descrito pelo jurista, político e jornalista republicano Aristides da
Silveira Lobo (1838-1896): “O povo
assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava.
Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada” (Diário Popular, 18-11-1889). No dia seguinte ao golpe de estado,
como registrou o historiador Roderick J. Barman, a Princesa Isabel afirmou alto
e bom som que “se a abolição é a causa
disto, eu não me arrependo; eu considero valer a pena perder o trono por ela”.
Quando a Princesa da “Rosa de Ouro” tomou
conhecimento do decreto do banimento da família imperial, reafirmou: “Mil
tronos eu tivesse, mil tronos eu sacrificaria para libertar os escravos do
Brasil”. Afirmação que ecoava o
pensamento de seu pai, o Imperador Dom Pedro II, quando disse: “Prefiro
perder a coroa a tolerar a continuação do tráfico de escravos”.
Em sua partida para o exílio, dois dias depois do golpe, a
Princesa declarou: “É com o coração
despedaçado pela tristeza que me despeço dos meus amigos, de todos os
Brasileiros, e do País que eu amei e amo muito, e da
felicidade que eu tenho lutado para contribuir e pela qual eu vou continuar a
manter as mais ardentes esperanças”.
Devoção da Princesa à Rainha do Brasil
Entre diversas manifestações de devoção da Princesa Isabel a Nossa Senhora Aparecida, devemos lembrar sua visita ao Santuário de Aparecida, em 1868. E 20 anos mais tarde, logo após a aprovação da Lei Áurea, ela ofereceu à imagem milagrosa da Rainha e Padroeira do Brasil uma riquíssima coroa de ouro cravejada de brilhantes.
Naquela ocasião, a Princesa Imperial escreveu a seguinte
oração, dirigida a Nossa Senhora Aparecida: “Eu,
diante de Vós, sou uma princesa da terra, e eu me curvo, pois Vós sois a Rainha
do Céu. E eu Vos dou tão pobre presente, que seria uma coroa igual à minha, e
se eu não me sentar no trono do Brasil, rogo que a Senhora se sente por mim e
governe perpetuamente o Brasil”.
Idealizadora do Cristo Redentor no Corcovado
Na
edição anterior desta revista foi publicada uma matéria em memória dos 90 anos
do Cristo Redentor no Rio de Janeiro. Mas não podemos deixar de registrar,
ainda que de passagem, que depois da abolição da escravatura quiseram
homenagear a Redentora erigindo no topo do Corcovado uma grande estátua dela.
O
Império foi derrubado, a República se instalou, a homenagem foi engavetada.
Anos depois, o plano voltou à tona. Quando a Princesa Isabel soube desse
projeto, foi enfática em não o aceitar, e sugeriu que naquele mesmo lugar paradisíaco
fosse erguido um enorme monumento com uma grande imagem de Nosso Senhor Jesus
Cristo, pois, Ele sim, foi o verdadeiro Redentor dos homens. O que foi acolhido.
Mas
foi somente em 1931, 10 anos após o falecimento da Princesa, que se concluiu a
monumental estátua do Cristo Redentor, hoje considerada oficialmente uma das
Maravilhas do Mundo Moderno... Ela não a viu nesta Terra, mas a contempla do
Céu.
Pedidos para que a veneranda Princesa seja beatificada
No dia 14 de novembro de 1921, há exatos 100 anos, a bondosa Princesa falecia na França, aos 75 anos de idade. Em seu testamento podemos admirar sua profissão de fé: “Quero morrer na Religião Católica Apostólica Romana, no amor de Deus e no dos meus e de minha Pátria”. Atualmente seus restos mortais se encontram numa artística sepultura [foto] na catedral de São Pedro de Alcântara, em Petrópolis (RJ).
Crescendo
de norte a sul do País os pedidos para que a veneranda Princesa Imperial seja
beatificada, e um dia — comprovando-se que ela praticou virtudes em grau heroico
— elevada à honra dos altares, em 2011 foi dado início aos tramites necessários
para abertura do processo de beatificação.
Os
brasileiros amaram a Princesa Isabel de todo o coração e esperavam que ela
viesse a ser sua Imperatriz, pois conhecia e amava o Brasil e estava disposta a
tudo fazer pelo bem de nossa gente. Mas tal desígnio foi ceifado pelas forças anticatólicas
e antimonárquicas com o golpe republicano.
A
República foi proclamada e o trono foi derrubado, mas não a legenda áurea do
imenso bem que a Monarquia fez ao Brasil. A legenda permanece viva e os
brasileiros têm saudades de uma época que não conheceram.
____________
Fonte: Revista Catolicismo, Novembro/2021, Nº 851.
Obras
consultadas:
§ Pedro
Calmon, História do Brasil, Livraria
José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1959.
§
Pedro Calmon, História da Civilização Brasileira,
Companhia Editorial Nacional, São Paulo, 6ª edição, 1958.
§ Leopoldo
Bibiano Xavier, Revivendo o
Brasil-Império (Coletânea), Artpress – Indústria Gráfica e Editora Ltda.,
São Paulo, 1991.
9 de novembro de 2021
A gesta de Plinio Corrêa de Oliveira continua viva
✅John Horvat *
Somos muitas vezes levados a pensar que nossa ação contra-revolucinária
ocorre num vácuo: fazemos uma
campanha e ninguém parece dar importância. A mídia, notável em noticiar
qualquer insignificância, nada diz. E a esquerda, quando não ignora, tenta no
máximo passar recibo utilizando a arma do ridículo. E tudo acontece como se
nossas ações não tivessem importância nem impacto sobre a opinião pública.
O que aprendemos
com Plinio Corrêa de Oliveira, em sua escola de pensamento e ação, é que nesses
momentos devemos fazer um ato de fé para nos convencermos de que sim, causamos
impacto. Ainda que o mundo não reconheça nossas tomadas de atitude, São Paulo
nos ensina a dizer que somos dados em espetáculo ao mundo, aos anjos e aos homens,
e Deus se regozija conosco.
Embora a
contemplação de Deus seja de suma importância, Ele nos pede também que façamos
apostolado para que seja feita sua vontade aqui na Terra como no Céu, pois a fé
sem as obras seria vã. Nossa missão não se cinge a um ou a um grupo de
indivíduos, mas abrange toda a opinião pública. De vez em quando Deus permite
que o resultado de nossas obras se descortine diante de nós, o que nos regozija
e anima.
Impacto da
ação contra-revolucionária
Cientes disso, os
agentes da Revolução gnóstica e igualitária fazem um esforço especial para não
reconhecer a obra da militia Christi, à qual Plinio Corrêa de Oliveira
se consagrou bravamente durante toda a sua longa existência, e na qual, de
certa forma, ainda milita por meio de seus discípulos. E os revolucionários
continuam orquestrando campanhas de silêncio a respeito dele e de sua obra, pois
o reconhecimento da nossa eficácia serviria de alento para o bom combate.
Dr. Plinio conhecia
bem a crueldade desta tática e por isso nos exortava a prestar atenção quando os
revolucionários reconheciam o impacto de nossas ações, quebrando a mentalidade de
que elas não ultrapassavam os limites de uma acanhada saleta. De nossa parte, percebemos
que os revolucionários nos observam e nos dão importância, acreditando às vezes
mais do que alguns de nós na eficácia de nossa ação.
Aliás, foi este
tema o objeto do preito que prestamos a Plinio Corrêa de Oliveira em solene sessão
em São Paulo, no último 3 de outubro, por ocasião do 26º aniversário de seu
falecimento. Na ocasião, disse que faria uma homenagem um tanto diferente, pois
seria com palavras de alguém que se colocava nos antípodas de tudo aquilo que Dr.
Plinio defendeu. A homenagem toma forma de uma reportagem
sobre um livro recém-publicado, Moral Majorities across the Americas - Brazil,
The United States, and the Creation of the Religious Right. (Maiorias morais nas Américas - Brasil, Estados
Unidos, e a criação da Direita Religiosa).
Um livro
que constata fatos
Não me lembro de ter visto um autor que reconhecesse com tamanha clareza a obra de Plinio Corrêa de Oliveira. Ademais, um revolucionário confessando o seu reconhecimento de quem foi este apóstolo da Contra-Revolução cuja ação lhe causa temor. Nesse sentido, demonstra maior credibilidade, pois insuspeito. Para mostrar o impacto da ação contra-revolucionária, o autor não faz ato de fé. Apenas constata fatos. Sem dúvida, o livro serve para fortalecer a fé em nossos ideais.
O autor não poderia apresentar credenciais mais revolucionárias. Trata-se de um personagem bem esquerdista, Benjamin Cowan [foto abaixo], professor de história na Universidade da Califórnia, em San Diego. Estudou em Harvard e em outras universidades prestigiosas, especializou-se em estudos de conservadorismo e ideologia de gênero. De fato, ele não poderia ser mais contrário à luta de Plinio Corrêa de Oliveira, o que não o impede de reconhecê-lo em toda a sua estatura.
O aspecto extraordinário do livro é o reconhecimento do papel vital do Brasil no impacto espetacular que a direita religiosa mundial vem obtendo, em cujo cerne estão Dr. Plinio e as Sociedades de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP). Logo na primeira página, Cowan cita o príncipe Dom Bertrand de Orleans e Bragança como símbolo de tudo o que é contra-revolucionário no Brasil atual. “A beleza da sociedade”, afirma príncipe, “não está na igualdade, mas nas diferenças que devem ser proporcionais, hierárquicas, harmônicas e complementares. Exatamente como numa sinfonia”.
Para o Prof. Cowan,
o grande mal de Dom Bertrand reside na sua ideia de desigualdade, e reclama pelo
fato dele se opor a atitudes politicamente corretas, como
o “casamento” homossexual e o aborto. Cowan demonstra especial agastamento com
a afirmação de Dom Bertrand de que no Brasil hodierno “tornou-se atraente
ser de direita e conservador”. Tal afirmação parece tê-lo deixado temeroso.
Percebendo a força e a atração da direita religiosa hoje, ele se pergunta como
chegamos até este ponto.
Popularidade
dos ideais conservadores
Segundo Cowan, é
preciso responder a esta pergunta, pois a ‘dramática’ situação política atual
nada tem a ver com as travessuras de Trump, de Bolsonaro ou de políticas de
direita. Tudo isso lhe parece muito superficial, uma vez que o alarmante é a
popularidade dos ideais conservadores, representando algo muito profundo, que a
maioria dos estudiosos não se preocupa em estudar. E aponta algumas razões
pelas quais a esquerda deve se preocupar. Delas destaco três:
1 — “A construção do conservadorismo cristão
transnacional se tornou talvez, política e culturalmente, o fenômeno mais
influente de nosso tempo”. Ou seja, a direita religiosa é uma força
poderosa que deve ser levada em conta.
2 — O que era considerado reacionário e
fundamentalista há 50 anos agora é moeda corrente. Todos falam de questões
religiosas e morais. Ora, isso não era para acontecer. Esses temas deveriam ter
sido resolvidos nos anos de 1960.
3 — Os conservadores brasileiros, trabalhando com
correligionários no exterior, lançaram as bases para a normalização da agenda
religiosa conservadora no cenário internacional.
Benjamin Cowan
diz que os brasileiros não foram os
únicos a criar o conservadorismo religioso moderno, mas desempenharam papel
essencial nessa criação e que isso foi até agora amplamente ignorado pelos
acadêmicos. Em outras palavras, ele diz que as
circunstâncias deixaram a esquerda em situação difícil. Como chegamos a este
ponto? Isso não se deu da noite para o dia, e um dos caminhos para se chegar até onde chegou foi traçado no Brasil por Plinio
Corrêa de Oliveira.
Destaco três pontos principais do livro em pauta. Vou deixar o autor dizer aquilo que talvez eu não soubesse ou não pudesse. Vou permitir-lhe contar fatos que eu desconhecia. Deixá-lo-ei tirar conclusões que eu não ousaria. Constatemos aquilo que ele lamenta ter de dizer, ou seja, as vitórias de Plinio Corrêa de Oliveira que não tínhamos imaginado.
Dr. Plinio (junto à porta aberta do automóvel) na Praça de São Pedro, junto com algumas das pessoas que o acompanharam durante o Concílio. |
Ação
contra-revolucionária marcante
A
primeira delas é o reconhecimento de sua atuação antes e durante o Concílio Vaticano II. Ele reconhece em
Plinio Corrêa de Oliveira um homem de grande envergadura intelectual, algo que os
revolucionários sempre procuram esconder. Insiste ser preciso
ter em mente
que essa sua atividade contra-revolucionária
começou nos anos de 1930 e, portanto, são “defensores de longa data da direita católica
brasileira, cuja substância intelectual moldaram juntos naquela década ao dirigirem
o periódico ‘O Legionário’”.
Uma das
afirmações do autor é de que Dr. Plinio começou a se opor ao Concílio antes
mesmo de este se iniciar, pois, ao prever o que poderia acontecer, tomou
medidas necessárias, antecipando o "seu vigoroso e vital ativismo católico
arquiconservador no Vaticano II".
Em seguida, o Prof. Cowan destaca o impacto do
livro Reforma Agrária - Questão de Consciência
(RAQC), não deixando
dúvidas de que esta obra representou grande golpe na Revolução, “um
brado de batalha anticomunista por uma renovação do catolicismo e contra a
redistribuição de riqueza” (sic). “Tão polêmica cruzada
repercutiu no Brasil em meados do século XX”. E prossegue:
“[Os autores de RAQC] ganharam as manchetes como representantes do conservadorismo
social e político lastreado no tradicionalismo católico, além de influência
política no regime militar e entre as forças de segurança. Suas
atividades também tiveram grande repercussão internacional; eles ajudaram a
moldar e sustentar a reação global católica e cristã
contra a modernização e laicização”.
Surgimento
da entidade TFP
Enquanto muitos
fingem não perceber, Cowan vê na fundação da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP)
um grande acontecimento na história do Brasil. É interessante notar como o mito
da TFP fez nossa ação parecer maior do que realmente era. Onde havia centenas
de membros da TFP nas ruas, ele vê milhares, e enquanto outros igualmente
fingiam ignorar nossos símbolos, como o estandarte e a capa, ele afirma ser um espetáculo.
Narra o autor que
em 1960 o Dr. Plinio fundou a TFP, entidade leiga agrupando lideranças
veteranas e milhares de jovens recrutas do sexo masculino, chamados a defender
o catolicismo tradicional por meio de protestos, um monaquismo militarista
culto e uma pompa espetacular (em trajes medievais), com proselitismo e até
mesmo a prática de técnicas de defesa pessoal.
Sobre o Concílio
Vaticano II, ele conta sua história com nomes e episódios, fornecendo detalhes sobre
os membros da TFP que desempenharam papel importante na reação
contra-revolucionária naquela circunstância. Focaliza especialmente o Coetus
(escritório que servia de ponto de encontro e assessoria de imprensa para todos
os conservadores que se encontravam em Roma na ocasião), assinalando que o seu
idealizador foi Dr. Plinio, e membros da TFP a sua espinha dorsal.
Ação antes
e durante o Concílio Vaticano II
Chama-me a
atenção o fato de o Prof. Cowan ter visto com clareza o papel do Coetus, pois
não o considerou apenas um escritório para tratar de assuntos litúrgicos ou de problemas
católicos específicos, mas uma contra-revolução que abrangia todos os temas
principais. O autor descreve:
“Essa
plataforma (o Coetus)
acabou definindo o arqui conservadorismo católico e, mais amplamente, cristão.
Suas principais características incluíam anticomunismo, moralismo estridente e
detalhado, antiecumenismo, defesa da hierarquia [...] e antissecularização”.
Sobre a atuação
de Dom Geraldo de Proença Sigaud no Concílio, o autor registra: “Não
podemos resolver os problemas do [Coetus] apenas com assessores
italianos.[...] Em primeiro lugar, é uma questão de confiança. Minha equipe [membros
da TFP] trabalha comigo há vários anos e fez seu trabalho com grande eficiência
e discrição já nas três últimas sessões. É também uma questão de economia, pois
as pessoas a que me refiro trabalham por pura dedicação à nossa causa. E isso
eu não encontro aqui [em Roma]. E os brasileiros são especialistas, cada qual
em uma área diferente do Concílio.[...] Esses operadores de confiança do Brasil
têm sido e precisam continuar sendo a espinha dorsal do Coetus”.
O autor afirma
que a TFP agia à semelhança da esquerda religiosa. Na verdade, esta última havia
organizado uma campanha semelhante, só que de porte muito maior. Se Dr. Plinio
não tivesse visto e tomado a providencial iniciativa de organizar o Coetus,
simplesmente não teria havido resistência ao Concílio, pois a direita de então parecia
dormir.
Com
efeito, prossegue o autor: “Em outras palavras, os líderes brasileiros
no Vaticano II desenvolveram ativamente uma base de neoconservadorismo
sustentada em décadas de antimodernismo católico e na própria história recente
de direita do Brasil.”
O
Prof. Cowan conclui assim a parte de seu livro relativa ao Concílio: “Aqui vemos católicos brasileiros, em um
cenário mundial, adotando uma primeira versão dessa plataforma — combinando,
com uma presunção perfeita, anticomunismo, moralismo, antiecumenismo,
hierarquização, animosidade em relação à generosidade liderada pelo Estado;
organicismo triunfal em relação aos direitos de primogenitura, propriedade
privada e capitalismo; e uma afinidade lamentável pelo sobrenatural em face do
secularismo percebido. [...]”.
Com efeito, o
autor constata que Dr. Plinio viu muito além do Concílio, pois vinha se
preparando antes de sua realização e soube unir temas temporais e espirituais,
resultando num movimento que englobava todos os aspectos da Revolução. O Prof. Cowan tudo vê e registra, apesar de repudiar. No
entanto, ao fazê-lo, nos proporciona uma visão mais completa do pensamento e da
obra a que nos consagramos.
Plinio Corrêa de Oliveira lidera um ato em homenagem às vítimas do comunismo, no centro de São Paulo |
Ação depois
do Concílio e as coalizões
Em outra seção
do livro encontra-se a descrição da ação contra-revolucionária depois do Concílio.
Trata-se da enorme expansão das TFPs e de suas ligações com movimentos de
direita em todo o orbe. O estudioso põe em destaque suas conexões com a Nova
Direita nos EUA, nas pessoas de Paul Weyrich e Morton Blackwell, apresentando a
TFP como se encontrando no centro da virada à direita dos anos de 1980. Ao
realçar o papel desses americanos, o livro mostra o que eles fizeram para impulsionar
o movimento nos EUA.
Começaram por juntar
os conservadores do campo moral e político preocupados apenas com governança,
finanças e políticas públicas, com conservadores do campo moral e social que
exigiam ações focadas no aborto, homossexualidade e questões religiosas. Este
foi um marco significativo que mudou os EUA e o mundo.
Outra iniciativa
desses dois líderes foi a de estabelecer ligações internacionais entre os conservadores
de todo o mundo, algo que nunca existira antes, argumentando que a esquerda
sempre se organizou no sistema de coalizões internacionais, e se beneficiava da
solidariedade entre os grupos nacionais. Enquanto os esquerdistas partilhavam
suas ideias e estratégias, os conservadores de vários países mal se conheciam. Daí
a ideia de uma coalizão internacional conservadora, uma rede que funcionaria
como uma equipe.
Como resultado
desse desejo de conhecer conservadores do exterior, a Nova Direita americana acabou
por conhecer a TFP. Eles procuravam contatos conservadores na América Latina e
encontraram a TFP. Ora, neste preciso momento, Dr. Plinio queria ter presença
mais marcante em Washington, enviando o Dr. Mário Navarro da Costa como seu representante.
A essa altura, com surpreendentes detalhes, o Prof. Cowan descreve os contatos
da TFP com a Nova Direita americana.
Escreve o autor que
“Paul
Weyrich passou a estabelecer uma relação amistosa e produtiva com seus colegas
brasileiros da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e
Propriedade (TFP) ou, melhor, com a série transnacional de organizações que a
TFP estava se tornando”. Nesse trabalho, ele colaborou estreitamente
com a TFP em suas várias versões nacionais e domésticas.
"O Sr.
Weyrich era também bom amigo da TFP americana. Desde o início dos anos 80, ele
se reunia regularmente com Mario Navarro da Costa, do Bureau da TFP em
Washington, com quem fez várias viagens à América Latina e à Europa, visitando
e sendo apresentado às suas redes de amigos. Também visitou a TFP brasileira em
1988, tendo se encontrado com o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Em agosto de
1988, Weyrich voltou (pelo menos pela quarta vez) ao Brasil, onde se dirigiu a
cerca de mil membros da TFP reunidos em São Paulo”.
Há também um relato
da visita de Morton Blackwell ao Brasil ‘na esperança’ de adotar as técnicas da
TFP brasileira. Particularmente impressionado com os programas de recrutamento
e formação da TFP, Blackwell desenvolveu igualmente uma aproximação com Navarro
da Costa. É impressionante ver a ação do Dr. Plinio junto a todas essas
pessoas. No entanto, impressiona ainda mais a observação de que o fundador da
TFP os havia antecedido em muitos anos nessa ação de longo alcance.
A TFP fez a
sua própria rede de contatos
Cowan observa também
como a TFP reunia temas morais e políticos durante o Concílio, na década de
1960. Ele mostra como Dr. Plinio já tecia a sua própria rede de contatos e
organizações no mundo todo. Aliás, na década anterior, Dr. Plinio formou com as
pessoas que o rodeavam uma Comissão do Exterior, dedicando-se a estender
a mão aos direitistas de todo o mundo.
Assim o autor descreve
como “a própria TFP brasileira agiu [..]. para criar uma rede transnacional
de neoconservadorismo anticomunista que se sobrepôs e interligou no mesmo trabalho
pessoas como Weyrich e Blackwell. Como eu e outros explicamos alhures, a TFP
proliferou geograficamente, estabelecendo associações em todo o mundo
atlântico. No entanto, talvez ainda o mais notável, a TFP cultivou e manteve
relacionamentos com as organizações ‘extremistas’ e da Nova Direita mais ativas
das décadas de 1980 e 1990, colocando-se no centro dos esforços para promover
tal cooperação”. Observemos que ele afirma estar a TFP no centro
dessa rede.
Novamente, ele
passa a descrever essas ações com detalhes que surpreendem. Conta como Dr.
Plinio enviou seus agentes para plantar sementes da Contra-Revolução em todo o
mundo, um dos mais ativos foi o Dr. Mario Navarro da
Costa, representante da TFP em Washington. Outros também colaboraram no
trabalho de vincular a TFP a conservadores com ideias semelhantes em todo o
mundo, mesmo em países distantes como as Filipinas.
A TFP norte-americana há décadas participa da March For Life, em Washington. |
Intercâmbios
e viagens
Não sem razão, o
autor ficou impressionado também com a atuação de outro brasileiro. Ele
escreve: “Por exemplo, Carlos Eduardo Schaffer serviu a TFP no Canadá, Áustria,
Alemanha e Lituânia. Nascido em Curitiba em 1942, Schaffer ingressou na TFP em
1961, e passou décadas angariando fundos, visibilidade e presença no capítulo
para a organização. A ele a TFP atribui seus ramos canadense e austríaco, que
dirigiu nas décadas de 1970 e 1990, respectivamente”.
Sobre a ação de
Plinio Corrêa de Oliveira nos EUA, o autor ressalta: “A TFP americana tornou-se um
dos ramos mais fortes e expressivos da organização, na verdade sobrevivendo ao
grande cisma que abalou a TFP brasileira na década de 1990. Em parte, isso deve
ter ocorrido porque personagens importantes do Brasil visitaram e colaboraram
com a liderança e as bases da TFP-EUA”.
Relata também
que outro membro da TFP brasileira fez no final de 1971 uma viagem por 20
cidades canadenses, dirigindo-se, a cada parada, a uma multidão de 50 a 300
pessoas interessadas, tendo encerrado o seu tour com uma reunião para
quase 1.000 pessoas. Ativo nos Estados Unidos, Canadá e Europa nas décadas de
1970 e 1980, o tefepista brasileiro Nelson Ribeiro Fragelli fez palestras em
Nova York, Boston, Los Angeles, Miami, Toronto, Berlim, Baden e alhures.
Em 2006,
Fragelli tornou-se presidente da associação italiana Luci Sull'Est, e juntamente com Luís Antônio Fragelli e o Príncipe
Bertrand, tornou-se presença regular nos eventos da TFP nos EUA. De fato, já em
1974 o engenheiro Luís Antônio Fragelli se trasladou com a família para os EUA,
passando a servir a TFP local.
Ele nomeia laços da TFP com a entidade italiana Aliança Católica, com grupos na França e por toda a Europa. Há também outros grupos, mesmo internacionais, como a Liga Mundial Anticomunista, com os quais a TFP manteve contatos. Além de afirmar que a TFP “forneceu guarda-chuva institucional para uma constelação de atores de ‘extrema’ direita que encontraram uma recepção calorosa no Brasil ditatorial e pós-ditatorial”. Assim o professor americano mostra o papel preponderante de Dr. Plinio na formação da direita religiosa em todo o mundo.
Ideal que atrai. Papel da legenda
Como a TFP
conseguiu atrair tanta atenção e tornar-se tão poderosa? Para Benjamin Cowan,
foi a importância dada por Plinio Corrêa de Oliveira às questões religiosas e
metafísicas. Não basta ter conexões e ligações com grupos conservadores no
cenário internacional. É preciso ter a mensagem certa e algo mais profundo do
que interesses políticos ou financeiros para atrair as pessoas para uma causa
séria. O autor demonstra que a TFP apresenta um ideal que atrai a opinião
pública do Brasil, dos EUA e do mundo.
E passa a explicar
o segredo da atração exercida pela TFP brasileira a ponto de ajudar a formar
uma direita religiosa transnacional. O principal ponto de atração da TFP é o
mito, mais especificamente o mito medieval. Ele atribui essa atração à nossa
capacidade de combater “a desmitificação, dessacralização ou desmistificação”
do mundo moderno e “o desmantelamento de antigas hierarquias”.
Percebemos o vazio e “o luto de um mundo sem mistério".
O fundo da crise atual —ensina a TFP — é a “deterioração do mito e da santidade”.
Embora não o
diga diretamente, os ideais da TFP estão contidos nas soluções apresentadas
pela Igreja e pela Cristandade medieval. O que atrai as pessoas para a TFP são
os temas desenvolvidos por Dr. Plinio em reuniões, tendo chegado a afirmar que
precisávamos mergulhar no nosso mito para sermos fiéis à nossa vocação. Cowan descreve
como a TFP mergulhou em seu próprio mito e chamou assim a atenção do mundo.
O professor
americano continua: “Juntos, esses agitadores brasileiros de
‘Nossa Senhora’ (Maria de modo geral, mas especialmente a Virgem de Fátima)
buscaram um retorno às tradições míticas dos cavaleiros-errantes marianos,
idolatrando noções medievais de combatividade, hombridade, e de uma divindade
palpável e maravilhosa. Assim, os ideólogos da TFP, [ao lado de Sigaud e
Mayer], procuraram promover uma linha de conservadorismo católico que,
concomitantemente, manteria rígidas hierarquias e preservaria o divino mistério
e o encanto”. Isso incluiria um senso constante do poder
sobrenatural e de sua presença na vida diária.
A Idade Média
“perfeita” sintetizou essa ordem ideal ancorada em uma visão de mundo que realçava
o espiritual sobre o material. Claro que Cowan vê tais condições como algo
negativo. A vida da graça, “o misticismo e o senso comum do divino”
são conceitos que não se encaixam em sua mentalidade laica. Assim, ele tende a
descartar tudo isso como noções nostálgicas de um passado medieval sacral. No
entanto, reconhece que são pontos de atração extremamente poderosos. Mostra que
a TFP não apenas mergulhou em seu próprio mito, mas agiu de maneira coerente com
ele, colocando o mito em ação.
A TFP
enquanto espetáculo
Ele se refere
constantemente às campanhas de rua da TFP e às suas características medievais. Vejam,
por exemplo, a descrição a seguir: “A TFP fez um espetáculo da pompa medieval,
ganhando fama na década de 1960, e posteriormente por meio de extravagantes manifestações
de rua, quando seus membros portando capas, túnicas, botas de cano alto e
outros elementos de um hábito desenhado por Oliveira para evocar as ordens de
cavalaria monásticas e militares da Idade Média”.
Para ele, nada
disso é teatro, mas pura realidade.“Quando os tefepistas perambulavam pelas
ruas de São Paulo em trajes medievais, eles não o faziam por puro amor às
Cruzadas ou à pompa, mas porque o traje, o maintien corporal e os
símbolos eram importantes para sua causa”. Era assim que a TFP mergulhava em seu próprio mito e agia em
consequência.
Qual a importância
desse mito? Encontramos aqui uma das conclusões mais interessantes do livro. O
autor explica como esse conservadorismo medieval penetrou nas veias do
conservadorismo clássico liberal e econômico e mudou a natureza do debate.
Tornou-se um polo em direção ao qual todos os temas conservadores tendem a
gravitar, mesmo quando as pessoas discordam sobre outros assuntos. O mito
medieval, o desejo de um passado cristão glamourizado, tornou-se a cola que tudo
uniu.
Observa o Prof.
Benjamin Cowan que entre os elementos dessa base do neoconservadorismo — atuando
de certa forma como a cola que une os elementos — estava o fascínio pelo
misticismo e por um senso cotidiano do divino, fazendo eco aos anseios saudosos
de vários católicos que buscavam um lugar para a sua fé e uma volta às formas
culturais e religiosas de nossos ancestrais.
A saudade de um
passado mitológico ou glamourizado — seja ele chamado de “religião dos velhos tempos”
ou medievalismo — uniu direitistas de confissões e nacionalidades que desmentem
as atuais explicações de que a Nova Direita foi gerada nos EUA e amplamente
limitada a eventos e agentes locais neste país. Tanto no Brasil como nos EUA,
essas saudades reforçaram e até chegaram a transformar as visões dos
conservadores sobre seu papel político e social.
Aponta o autor que
até mesmo os evangélicos entraram em contradição com suas doutrinas ao abraçarem
este poderoso mito de “um moralismo do passado”. Ao
mesmo tempo, os conservadores católicos “compartilhavam esse moralismo e o associavam
a sonhos de revigorar a cultura e teocracia medievais. [...] Assim, os trajes
que Plinio Corrêa de Oliveira projetou para a TFP na década de 60 pretendiam
evocar simbolicamente o antigo misticismo que outros católicos conservadores
também procuraram revigorar no Brasil, mas a TFP atuou igualmente a favor de uma
restauração mais direta do mistério e do maravilhoso”.
Dr. Plinio, de joelhos no centro, venera a Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima, em maio de 1973 |
Fundamental
papel dos símbolos
E passa a relatar
como a TFP está na vanguarda da disseminação desse mito: “Sem dúvida, porém, o exemplo
por excelência do medievalismo como inspiração e expressão repousa na TFP
globalmente e em suas encarnações nacionais. No Brasil, a TFP tornou-se famosa
por sua pompa de inspiração medieval, com trajes, capas, faixas e desfiles. Na
década de 70, a organização chamou a atenção da imprensa por seu recrutamento
de jovens que viviam em comum em residências monásticas e, pelo menos
ocasionalmente, vestiam trajes medievais”.
O mito medieval
foi um componente-chave dessa mudança. O anti-igualitarismo foi um componente
paralelo. O autor menciona que o desejo de se conectar com um passado
cavalheiresco faz as pessoas tenderem para uma sociedade hierárquica,
anti-igualitária. E afirma que, “mais uma vez, a TFP liderou a turma nesta
matéria, como ficou claro com o livro [de Dr. Plinio] ‘Nobreza e Elites
Tradicionais Análogas’, publicado em
inglês, espanhol, português e alemão”.
Brasil e seu vínculo com a cristandade
medieval
Outro ponto
muito peculiar do livro de Cowan é sua explicação da razão pela qual o Brasil
foi o centro desse movimento medievalista, e não os Estados Unidos. A explicação
dada é que a maioria dos estudiosos alega que o esforço para “recapturar
um passado mítico e pré-moderno” partiu dos conservadores norte-americanos.
No entanto, devido à ruptura provocada pelo protestantismo, os EUA deixaram de
ter vínculo com o passado medieval.
Assim, o Brasil possuidor
desse vínculo, conseguiu transmiti-lo aos Estados Unidos. Em outras palavras,
Dr. Plinio teria proporcionado o ponto de contato com a Idade Média que
satisfaz os anseios da alma norte-americana pelas coisas medievais, facilitando
para os EUA um Retorno à Ordem.
O livro termina
com uma advertência para a esquerda, ou seja, que não minimize o poder da
direita. E dá a razão: entre os estudiosos da esquerda existe uma tendência a
considerar a direita como sendo desorganizada, desarticulada e fraca. Ora, isso
não é verdade. O mito dos conservadores é muito forte, e se nós da esquerda o ignorarmos,
será por nossa própria conta e risco.
Cuidado com a TFP!
Assim ele faz o
seu alerta: “Análises de ativistas conservadores cristãos em contextos
internacionais os descrevem como ‘um tanto inexperientes’ em matéria de organização,
no que são superados por adversários progressistas, e incapazes de formular
estratégias e mensagens eficazes. Isso sem dúvida foi verdade em alguns dos
casos examinados por perspicazes estudiosos do conservadorismo, (porém) parece que
vale a pena reconsiderar essa noção à luz dos assíduos esforços de indivíduos
como Weyrich e Oliveira e organizações como a TFP e o Coetus em promover e
compartilhar suas táticas e experiências”.
Para nós, esta
advertência é muito consoladora, uma vez que o autor admite que, no caso da
TFP, os filhos da luz são mais sagazes do que os filhos das trevas. Dr. Plinio teria
conseguido, em pontos cruciais, contrariar a máxima que afirma o contrário. Portanto,
ao encerrar esta matéria, estendo um tributo filial à sua sabedoria e
fidelidade.
Vimos como nossa
ação tem repercussões ainda que não a vejamos, pois o outro lado a vê. Somos
parte dessa ação massiva que vive na lenda. Este professor americano relata
como nos tornamos conhecidos por nossas campanhas, sem que a mídia nos tenha
dado cobertura. E que nossos esforços mudaram a natureza do debate, embora
ninguém nos tenha convidado para falar.
Vimos igualmente
que o inimigo nos observa e conhece a história da TFP, quiçá melhor do que alguns
de nós. Chama a atenção o fato de o autor ter mostrado uma história ilibada.
Autores como o Prof. Cowan nada encontraram de ilegal ou imoral em nossa ação, e
certamente não foi por falta de vontade.
Se tivesse encontrado
algo de errado, ele o teria relatado. Apesar dos pesares, vivemos o nosso mito.
Apesar das aparências em contrário, vivemos um imenso mito que está mudando o
curso da História aqui e agora. Nós cremos nisso, mas, ó
Mãe de Misericórdia, ajudai-nos em nossa incredulidade!
____________
* Fonte: Revista
Catolicismo, Novembro/2021, Nº 851
* John Horvat é
vice-presidente da TFP norte-americana, autor do best-seller Return to Order
(Retorno à Ordem), no qual mostra como se pode escapar das garras da sociedade
baseada apenas no materialismo produtivista e na intemperança frenética, oposta
aos altos ideais medievais.