Causa espanto e é difícil de se compreender, como uma mãe pode assassinar de maneira cruel o filho que concebeu, com o aborto. Com isso ela abafa em si o primeiro e mais tangível laço afetivo entre dois seres, o amor materno, presente até nos animais irracionais. Também difícil é de se compreender como profissionais da saúde se prestam em cooperar com esse crime odioso que, sendo um homicídio voluntário, é um pecado que “brada ao céu e clama a Deus por vingança”, como ensina o Catecismo de São Pio X.
Sobre o amor materno diz o profeta Isaías (49, 15): “Acaso, pode uma mulher se esquecer do filho que ainda mama, de sorte que não se compadeça do filho do seu ventre?”. Pois é isso que acontece com o aborto.
Também é difícil de se compreender que haja tanta gente que se diz católica, que aceita e mesmo pratica esse monstruoso crime. Para não falar da classe dos políticos que, a despeito de sua convicção religiosa, para serem “politicamente corretos” vão na onda, alegando que o aprovam porque devem representar todos seus eleitores, e não votar segundo suas crenças pessoais.
Deixando de lado os políticos brasileiros, citaremos dois americanos do alto escalão do Partido Democrata — o presidente Joe Biden, e o candidato à presidência em 2004, John Kerry — que, apresentando-se como católicos praticantes, no entanto são partidários do aborto contrariando os ensinamentos da Igreja.
Num interessante artigo publicado no Seattle Catholic, o jornalista John Davis refuta essa atitude, dando como exemplo da coerência entre a política e a fé que devem ter os políticos, o grande chanceler da Inglaterra no tempo do lúbrico rei Henrique VIII [quadro ao lado], São Tomás Morus.
Quem foi esse santo que preferiu o martírio a ir contra a fé diante do poder real?
Em rápidos traços, Tomás nasceu em 1478 nos arredores de Londres. Com apenas 13 anos, empregou-se como mensageiro do arcebispo diocesano de Canterbury. O prelado, notando a notável inteligência do adolescente, financiou seu curso na Universidade de Oxford, onde Tomás obteve o doutorado em Direto aos 22 anos.
Morus pensou muito em ser religioso, mas depois escolheu o caminho do matrimônio, tendo quatro filhos.
Com acentuada vocação para a política e para a literatura, como homem de lei Tomás Morus exerceu vários cargos. Sua fina inteligência, honestidade, fama de homem íntegro, e sobretudo sua grande fé e caridade, balanceadas por um acurado senso de humor, começaram aos poucos a transparecer em sua vida pública. O que fez com que aos poucos ele passasse a ser muito amado e popular. Essa fama levou-o a ser escolhido por Henrique VIII para o mais algo cargo do reino, o de Lord Chanceler, que exerceu de 1529 a 1532, ano de sua morte.
Aqui entra John Davis: Primeiro, “Como cavaleiro e membro do Conselho do Rei em 1527, Morus enfrentou seu próprio dilema moral. [Pois] O rei Henrique VIII queria desesperadamente o apoio de Sir Tomás para seu apelo ao papa para que lhe concedesse o divórcio de Catarina de Aragão, para que pudesse se casar com sua amante Ana Bolena. Católico fervoroso, Morus se recusou a dar esse apoio com base no ensino da Igreja sobre a indissolubilidade do casamento”.
Continua Davis: “Como retrata o filme de 1966, ‘A Man For All Seasons’ [em português, O Homem que não vendeu sua alma] [foto ao lado], dois anos antes de ascender ao cargo de Lord Chanceler como o primeiro leigo a ocupar o cargo, Morus, interpretado por Paul Scofield, é pressionado por seu antecessor, o Cardeal Wolsey (Orson Welles) [foto acima] sobre sua falta de apoio ao divórcio do rei: ‘Explique como você, como conselheiro da Inglaterra, pode obstruir essas medidas por causa de sua própria consciência?’”.
Morus responde à queima-roupa a Wolsey: “Acho que quando os estadistas abandonam sua própria consciência por causa de seus deveres públicos, conduzem seu país por um caminho curto para o caos”.
Sir Tomás Morus, por se ter oposto ao desejo do rei, foi considerado culpado de crime de alta traição, preso na Torre de Londres, e decapitado em 6 de julho de 1535. “Seu crime foi sua recusa em reconhecer o rei como o autoproclamado chefe supremo da igreja na Inglaterra”.
No momento de sua morte o mártir, dirigindo-se aos presentes, declarou: “Sedes minhas testemunhas de que eu morro na fé e pela fé da Igreja de Roma, e morro fiel servidor de Deus e do rei, mas primeiro de Deus. Rogai a Deus a fim de que ilumine o rei e o aconselhe”.
Devido à sua morte em defesa da fé, o Papa Leão XIII em 1886 declarou Sir Tomás Morus mártir, beatificando-o como tal. Pio XI o canonizou juntamente com São João Fisher, também considerado mártir, em 19 de maio de 1935.
Finalmente, em 31 de outubro de 2000, João Paulo II proclamou São Tomás Morus “padroeiro dos funcionários do governo e dos políticos”. Em sua carta apostólica nessa ocasião, João Paulo II destacou a necessidade de um santo padroeiro em um momento em que “as realizações científicas na área da biotecnologia sublinham a necessidade de defender a vida humana em todas as suas diferentes etapas”. E afirma que São Tomás Morus fornece tal modelo, acrescentando: “Sempre que homens ou mulheres atendem ao chamado da verdade, sua consciência guia suas ações com segurança para o bem. Precisamente por causa do testemunho que ele prestou mesmo ao preço de sua vida, ao primado da verdade sobre o poder, São Tomás Morus é venerado como exemplo imperecível de integridade moral e, mesmo fora da Igreja, entre os responsáveis pelos destinos dos povos, é reconhecido como fonte de inspiração para um sistema político que tem como objetivo supremo o serviço da pessoa humana”.
Fazendo uma aplicação aos políticos atuais, John Davis diz: “Claramente, esses políticos católicos elevaram o objetivo de serem eleitos acima de seu dever solene de defender a Fé e os mais vulneráveis da sociedade. O Catecismo da Igreja Católica afirma: ‘Deus, Senhor da vida, confiou aos homens a nobre missão de salvaguarda-la, e os homens devem realizá-la de maneira digna de si mesmos. A vida deve ser protegida com o máximo cuidado [desde] o momento da concepção: aborto e infanticídio são crimes abomináveis”.
Haverá ainda políticos católicos no Brasil que assumam essa posição, mesmo com risco de perderem as eleições?
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Fonte: John Davis, “Some Saintly Advice for Catholic Politicians”, (www.seattlecatholic.com)