Devido a uma viagem e ao acúmulo de trabalhos inadiáveis, em meu retorno “ao batente” deparo sobre a mesa com um monte de revistas que costumo acompanhar. Assim, somente ontem consegui ler uma VEJA de 15 de novembro último. Nela, encontrei um artigo extraordinário. Intitulado “Um País de chatos”, é assinado por um de seus mais célebres colunistas, J.R. Guzzo.
Esse grande e mordaz jornalista aborda muito bem uma questão, que eu qualificaria como sendo uma nova inquisição contra quem não se caracteriza por ser “politicamente correto”; uma nova inquisição contra aqueles que pensam sem levar em consideração o “pensamento” imposto pelo “modismo” (ou idiotismo...) difundido pela grande mídia esquerdista.
A foto acima — que flagrei na Avenida Paulista no dia 15 de dezembro — exemplifica a questão. Durante uma manifestação do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira contra a imposição da ideologia de gênero às crianças escolares, um grupo organizou uma contramanifestação que quase degenerou em agressão. Com que argumento? Nenhum! Apenas gritavam “FASCISTAS”, “HOMOFÓBICOS”, “RACISTAS”, insultos que esquerdistas lançam contra todos que não pensam como eles. Qualquer um que defenda um valor moral é estigmatizado de “fascista”. Qualquer um que não apoie o “casamento” de duplas do mesmo sexo é tachado “homofóbico”... Evidentemente, constamos que são termos utilizados por pessoas que não têm argumentos, nem sabem o que dizem. Não sabem esses esquerdistas, adoradores de Max, que o fascismo tem sua origem no marxismo?! Não sabem que Mussolini era marxista?! Portanto, o Duce italiano é pai dos esquerdistas, que, entretanto, acusam os direitistas de “fascistas”...
Pobres esquerdistas, aqueles que na falta de argumentos apelam para insultos. Estes não atingem o alvo, mas, como um bumerangue, voltam-se contra eles e revelam que são cheios de nada, vazios de tudo — características de um perfeito idiota.
Razão tinha Nelson Rodrigues ao afirmar que “Os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”.
Recomendo a leitura do artigo acima mencionado, no qual assinalei em negrito alguns trechos que mais me chamaram a atenção.
UM PAÍS DE CHATOS
Por J.R. Guzzo
VEJA, 15-11-2017 (p. 50-51)
Seria possível Nelson Rodrigues
[foto ao lado] existir como autor no Brasil de hoje? Não dá para saber com certeza científica, mas é extraordinariamente difícil imaginar que pudesse escrever e dizer tudo o que escreveu e disse. Quem deixaria? Nelson Rodrigues é o maior autor de teatro que o Brasil já teve — seu nome estaria no topo da literatura mundial se não tivesse nascido, vivido e escrito na língua-portuguesa. Mas hoje seria considerado uma ameaça nacional. A mídia veria nele um agente da “onda conservadora” ou uma voz da “extrema-direita”; estaria banido pela boa sociedade cultural brasileira como intolerante, preconceituosa e fascista. Os educadores públicos fariam objeções à leitura de seus textos nas salas de aula. Sua entrada poderia ser proibida no departamento de novelas da Rede Globo. Procuradores e juízes estariam em cima dele o tempo todo, tentando condená-lo por machismo, racismo ou homofobia.
Pense um pouco no que Nelson estaria escrevendo, por exemplo, sobre transgêneros, “feminicídio” ou a indignação contra o papel higiênico preto — isso para não falar do homem nu como obra de arte, ou nas multas aplicadas aos clubes de futebol quando a torcida grita para o goleiro de outro time. Não dá. Nelson Rodrigues não cabe no Brasil de 2017.
Como poderia ser diferente, num País tão empenhado no policiamento da atividade de pensar?
Não existe hoje no Brasil nenhuma obrigação moral e cívica mais cobrada do cidadão do que se manifestar contra o “preconceito” e a “intolerância”. Não espere, portanto, nenhum Nelson Rodrigues num ambiente assim. Em vez disso, fique atento às suspeitas da ocorrência, próxima ou distante, de qualquer comportamento que possa ser classificado como preconceituoso ou intolerante. Aí, se quiser ser um bom cidadão, assine o mais depressa possível um manifesto de condenação, desses que aparecem todos os dias no jornal — ou, se não tiver cacife para tanto, por não ser licenciado como celebridade, faça alguma coisa a respeito, nem que seja um telefonema anônimo para o “Disque-Denúncia” mais próximo. É fácil descobrir a opinião que você deve ter a respeito dos assuntos em circulação.
Preconceito e intolerância, em termos práticos, são o que o Comitê Brasileiro de Vigilância do Pensamento decreta, de hora em hora, que são preconceito e intolerância.
Que “comitê” é esse? É o habitual aglomerado de artistas, com ou sem obra, pessoas descritas como intelectuais, com ou sem intelecto visível, e gente de currículo em estado gasoso, mas que por alguma razão é apresentada como “importante”. São eles os árbitros, hoje em dia, do que é certo ou errado neste país. Decidem como todos os demais cidadãos devem se comportar dos pontos de vista moral, social e político. Não toleram que alguém demonstre intolerância — é assim que chamam, automaticamente, qualquer ponto de vista não autorizado por seu livro de regras.
O delito essencial, por esse catecismo é pensar com a própria cabeça a respeito de uma lista cada vez maior de assuntos. Sobre cada um deles há decisões já tomadas em última instância; são apresentados diariamente nos meios de comunicação.
O resultado é que o combate a tudo o que possa ser carimbado como intolerância está criando no Brasil mais uma raça de intolerantes. Acaba de ser derrubado no STF, por exemplo, a regra baixada quatro anos atrás pelos organizadores do Enem pela qual levam nota zero os estudantes que escreveram na prova de redação alguma coisa considerada contrária aos “direitos humanos”. Considerada por quem? Por eles mesmos, os burocratas do “Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais.” Ou seja:
nomearam a si próprios árbitros do que os alunos podem ou não podem pensar e dão zero quando não gostam do que o aluno pensa. Nem no regime militar se chegou a esse grau de megalomania na tentativa de controlar o pensamento alheio; nunca, na época, alguém assinou um papel em que se determinava a anulação de provas de conteúdo subversivo.
Quem é essa gente para decidir o que você pode dizer?
Outro exemplo comum de hostilidade a ideias discordantes é a conversa da “identidade de gênero” — ou a questão, ou até a “causa”, das pessoas atualmente descritas como “transgêneros”. Ficou estabelecido, como princípio moderno e gerador de mais justiça, que os seres humanos não devem ser diferenciados, para propósitos de identificação, pelo sexo anatômico com que nasceram. Podem escolher o gênero que combina mais com o seu jeito de ser, no momento em que julgarem necessário fazer essa opção. Não há nenhuma razão para a sociedade se escandalizar com quem não concorda, ou não entende, que as coisas sejam assim — ou não acredita que esse seja um assunto de interesse universal.
Qual é o problema? Não deveria ser considerado intolerante, retrógrado ou totalitário quem acredita que os sexos são só dois, masculino e feminino. Ou que todo ser humano, sem exceção, tem um pai e uma mãe, que obrigatoriamente são um homem e uma mulher. Ou que é impossível um homem ficar grávido, por lhe faltarem um útero, trompas, ovário. Não pode haver, é claro, nenhum problema com nada disso. Só que há.
A lista de pecados capitais contra o pensamento obrigatório vai longe. Você estará perto da blasfêmia se argumentar que animais não têm direitos, pois a noção de direito se aplica unicamente a seres humanos — animais não podem ter o direito a votar, por exemplo, ou ter nacionalidade, ou de receber salário mínimo.
Mas dizer isso é infração gravíssima.
Está vetado, igualmente, o debate sobre questão ambiental como um todo;
é considerado suspeito qualquer pedido de mais pesquisas científicas sobre temas como o aquecimento global, ou a cobrança de dados mais seguros sobre a previsão de que o Rio de Janeiro vai ser engolido pelo mar daqui a alguns anos. Defensivos agrícolas são uniformemente descritos como “agrotóxicos”; não insista. Também é tido como preconceito grave discordar da ideia de que o crime do Brasil é “um problema social” e que
os criminosos, portanto são vítimas da sociedade, e não agressores. O deputado Jair Bolsonaro foi condenado por uma juíza do Rio de Janeiro, ainda outro dia, por ter feito piada de quilombola durante uma palestra. A Constituição, obviamente, proíbe que um deputado seja punido por falar o que lhe passa pela cabeça, mas a juíza argumentou que “política não é piada” e foi em frente. Não é piada? De que país ela está falando?
A intolerância contra opiniões que incomodam começa a produzir, depois de algum tempo, disparates como esse. É uma surpresa que o Ministério Público ainda não tenha proibido as piadas de papagaio, ou que uma juíza não tenha decretado que a dama deve valer a mesma coisa que o rei no jogo de baralho.
Vai se inventando, de cima para baixo, uma sociedade mal-humorada, neurastênica e hostil à liberdade de expressão. É um ambiente que convive mal com a observação dos fatos, a ciência e o raciocínio lógico. Estão construindo, talvez acima de tudo, um país de chatos.